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'No Brasil, podemos considerar que os primeiros praticantes do Teatro Documentário seriam Augusto Boal e Maria Piscator. Eles estimularam o desenvolvimento de tais práticas por outros artistas. Desde sua atividade como dramaturgo, em Arena Conta Bolivar e Arena Conta Zumbi, Boal já aponta caminhos de dramatização histórica. Aqui já identificamos uma expressão brasileira de Teatro dos Fatos, ou seja, o teatro como um meio de preservar o passado. O autor Marcelo Soler resgata dados históricos sobre o ano de 1971, quando Augusto Boal se une com integrantes do Teatro de Arena para fundar o chamado Teatro Jornal, desenvolvido aqui no Brasil como possibilidade de produção documental (2008, p.52). No caso, não muito distinto do Living Newspaper, o projeto Teatro Jornal desenvolvia nas suas práticas encenações de notícias de jornais. Os integrantes tomavam as notícias diárias de jornais e as exploravam artisticamente revelando suas contradições, objetivos, análise crítica dos fatos etc. As práticas do seu dito Teatro do Oprimido já apontam perspectivas de distanciamento épico atreladas às origens do Teatro Documentário como vimos com Piscator. Podemos trazer um interessante exemplo do que fez Boal em relação às Marias do Brasil. Em 1998, o Teatro do Oprimido criou internamento um Grupo Popular chamado Marias do Brasil, composto por empregadas domésticas que nunca haviam tido nenhum contato prévio com a experiência teatral. A proposta do projeto original de Boal era trazer para o teatro a realidade das empregadas domésticas a partir do ponto de vista dessas próprias mulheres. Elas vieram de diferentes estados do Brasil, tendo como semelhança o fato de que todas tinham o mesmo nome: Maria. Ao longo de 14 anos, essas mulheres criaram quatro peças de Teatro-Fórum, conceito criado pelo próprio diretor Augusto Boal. Boal conta no capítulo ´´A mulher no espelho´´ do livro O Teatro como Arte Marcial (1999) que em 1999, as Marias do Brasil se apresentaram num festival de teatro no Teatro Glória (Rio de Janeiro, Brasil). Após a apresentação, a produção necessitou chamar o diretor porque umas das Marias estava chorando no camarim. Ao perguntá-la sobre o motivo do choro, ela disse: ´´Uma boa empregada doméstica deve ser invisível. Quanto menos seja vista, melhor. Põe e tira a mesa, faz a comida e a cama, lava e passa, varre a varanda, limpa o banheiro, banha as crianças e as leva pra escola: faz tudo e não tem horário. Mas, sobretudo, uma empregada doméstica não deve ser vista nunca. Nós aprendemos a ser invisíveis. Sabemos que somos invisíveis. Hoje, ensaiando no palco, reparei que um técnico cuidava para que eu estivesse bem iluminada, com a cor dos holofotes adequada ao meu vestido: ele queria que todos me vissem, queria ressaltar minha figura. Uma boa empregada doméstica deve ser cega e muda, e nós aprendemos a nada ver e a emudecer. Hoje à tarde, outro técnico colocou um microfone no meu peito para que minha voz fosse ouvida até na última fila, lá longe no balcão, mesmo quando eu falava em segredo (...) Agora há pouco, durante o espetáculo, a família para a qual eu trabalho, há mais de dez anos, estava inteira na plateia, no escuro, vendo o meu corpo e ouvindo a minha voz. Estavam atentos e calados, eles estavam me vendo e me ouvindo. Eu trabalho para eles há mais de dez anos e acho que esta foi a primeira vez que me viram de verdade, eles me viram como eu sou e me ouviram dizendo o que penso, dizendo alguma coisa mais do que o ´sim, senhor; sim, senhora´. Hoje, fazendo teatro, todo mundo me viu e me ouviu! Agora sabem que eu existo, porque fiz teatro´´ (BOAL, 2009, p.12 e 13). No seu depoimento ao recriar textualmente o ocorrido, Boal constata que o motivo de alegria e orgulho desta Maria é que o teatro possibilitou ver nela mesma uma mulher. O palco possibilitou esta experiência e isso lhe causou espanto. Tal Maria contou que esta foi a primeira vez na vida que ela havia visto uma mulher na sua imagem refletida no espelho, porque antes ela só via uma empregada doméstica. Boal relata que a força transformadora do teatro permitiu que um ser humano fosse iluminado pelos seus próprios olhos' Fragmento de: (GIORDANO, Davi. O Biodrama como a busca pela teatralidade do Comum. 2012. 134 f. Trabalho monográfico de Iniciação Científica PIBIC (Graduação em Direção Teatral) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012)
Posted on: Sat, 29 Jun 2013 00:22:01 +0000

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