14/06/2013 às 00h00 As relações de poder em - TopicsExpress



          

14/06/2013 às 00h00 As relações de poder em campo Compartilhar: Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor, de São Paulo A Copa das Confederações está aí e falta apenas um ano para a Copa do Mundo. Cabe refletir o que a cerimônia de premiação da seleção campeã diz sobre a sociedade em que vivemos. Na traumática Copa do Mundo de 1982, quando o Brasil tinha o que todos nós consideramos a melhor seleção daquele torneio e foi derrotado pela Itália, a final foi entre os nossos algozes e a Alemanha no estádio Santiago Bernabeu do Real Madrid. Naquela época, a Fifa não exigia que os estádios tivessem todas as arquibancadas cobertas. Alessandro Pertini era o presidente da Itália e assistiu ao último jogo da Copa na tribuna de honra. Depois de um primeiro tempo sem gols, a Azurra derrotou a Alemanha por 3 a 1. Os jogadores da Itália tiveram de subir toda a arquibancada em direção à tribuna de honra para receber os cumprimentos do chefe de Estado de seu país. O presidente Pertini não se moveu um metro para apertar as mãos dos jogadores, apenas teve que se levantar de seu assento. Os jogadores foram em direção às autoridades e não o contrário. Essa decisão - de fazer os atletas prestarem reverência às autoridades subindo praticamente uma arquibancada inteira após o mais desgastante jogo de suas vidas - não está baseada em uma suposta conveniência, mas em uma determinada maneira de ver o mundo e a relação entre as pessoas. Em Copas do Mundo, as estrelas são os atletas e o palco é o gramado. São eles o centro do espetáculo. A cada jogo jornalistas entrevistam os jogadores antes e depois das partidas. Os principais lances são repetidos de forma exaustiva: gols espetaculares, passes impossíveis, defesas milagrosas, faltas duras. Tudo gravita em torno dos atletas, são mostradas suas famílias, namoradas ou mulheres e filhos, a concentração que os receberá, os quartos onde vão dormir, que tipo de refeição terão antes de cada jogo. Ora, isso faz todo sentido. A Copa do Mundo só existe porque existem jogadores de futebol. Eles sempre foram e sempre serão o centro do espetáculo. É interessante, portanto, notar que as estrelas, no momento simbólico que encerra a festa, o momento da premiação, tenham que fazer um esforço adicional e irem em direção aos governantes, que, apesar de muitas vezes nunca terem acompanhado o futebol, por dever de ofício comparecem ao jogo final para assistir aos representantes esportivos de seu país. É curioso que o padrão, até agora, não tenha sido o oposto: exigir que as autoridades desçam de sua tribuna de honra para, no gramado, prestar a devida homenagem aos astros da festa que ali termina. A cerimônia de premiação, como de resto qualquer cerimônia, é objeto de decisão de seres humanos. Em algum momento um grupo de pessoas senta em torno de uma mesa e discute como será a premiação ou da Copa das Confederações ou de uma Copa do Mundo. Nessa discussão são colocados argumentos contra e a favor os dois estilos de premiação, o estilo aristocrático - no qual os atletas vão à tribuna de honra e prestam uma homenagem fora de hora às autoridades - ou o oposto, o estilo democrático - no qual as estrelas da festa são reverenciadas por todos, inclusive por governantes eleitos. Até 1990 todas as Copas do Mundo seguiram o estilo aristocrático na cerimônia de premiação. Em todas elas as cenas que vemos em filmes memoráveis são de atletas tão felizes quanto exaustos subindo inúmeros degraus no esforço final de receber o tão merecido prêmio pela vitória das mãos de autoridades engravatadas, que não precisam se mover muito para cumprir o protocolo. A primeira quebra desse estilo ocorreu na sociedade que nutre a visão de mundo mais igualitária possível acerca da relação entre as pessoas, Estados Unidos, em 1994. Mais uma vez em um estádio que não tinha cobertura para a arquibancada, o Rose Bowl, a final da Copa do Mundo de 1994 foi entre Brasil e Itália, na qual a seleção brasileira se tornou tetracampeã após a disputa de pênaltis. A premiação da nossa seleção não ocorreu no gramado, mas também não foi na tribuna de honra. Os jogadores subiram um curto pedaço de arquibancada e foram ao encontro das autoridades (que tiveram que se deslocar) para receber a taça. O técnico da seleção, Carlos Alberto Parreira, em um episódio antológico, desceu de volta ao gramado passando pelo meio dos torcedores, oferecendo o troféu dizendo: "Pode tocar que é nossa". Tratou-se da mais democrática premiação de uma Copa do Mundo, até então. A Fifa foi obrigada a interagir com o país que tem a mais democrática mentalidade. Ela teve que ceder, bastante. Em todos os filmes americanos (que não são poucos) nos quais há uma catástrofe ameaçadora à terra, ou um cataclisma natural ou uma invasão de seres desconhecidos, há sempre um piloto da Força Aérea (ou equivalente) que é o herói (alguns deles negros). O papel conferido ao presidente da República é o de reverenciar o herói. Tratam-se de filmes que refletem o que os americanos são. Na noite em que Osama Bin Laden foi capturado e morto, a foto oficial é clara: o presidente do país, Barack Obama, não ocupava a cabeceira da mesa, e sim o chefe da operação. Obama, seu vice, John Biden, e Hillary Clinton eram coadjuvantes que acompanhavam os astros e as estrelas da noite. A premiação democrática da Copa de 1994 foi seguida da volta à premiação aristocrática na Copa de 1998 na França. É impressionante que a França tenha feito uma revolução para destruir a aristocracia e que mesmo assim, até 1998, venha cultivando hábitos tão de acordo com a visão hierárquica de mundo. Os campeões da Copa, os franceses, tiveram que subir até a tribuna de honra e ir ao encontro de seu governante à época, o presidente Jacques Chirac, para serem premiados. Chirac não se dignou a ir ao gramado, ele era a prima-dona que precisava ser reverenciada pelos astros da noite. A decisão da Copa de 2002 ocorreu no Japão. Trata-se do país que tem uma das maiores classes médias, proporcionalmente, do mundo. Os analistas incautos da criminalidade ignoram que o Japão tem uma das menores taxas de criminalidade do mundo. Isso ocorre justamente por se tratar de um país de classe média. Crime, no longo prazo, não se combate com repressão, mas com condições igualitárias de vida. Os americanos evitam o crime por meio de oportunidades abundantes para todos; os europeus, por meio de um Estado de bem-estar social generoso, e os japoneses, por meio de uma classe média avassaladora. Somente no contexto de uma sociedade de classe média a premiação é no gramado. Foi nesse local que o Brasil recebeu, no Japão, a taça de pentacampeão. A Copa seguinte, na Alemanha, foi a primeira quebra de precedente no continente europeu: pela primeira vez na história, na Europa, uma seleção campeã, a Itália, foi premiada no gramado. As autoridades foram aos atletas e não o inverso. Até a Europa evolui, a Fifa também. A americanização da Europa atingiu naquele campeonato os confins de uma aparentemente simples premiação de Copa do Mundo. Aquele episódio marcava a vitória definitiva de Alexis de Tocqueville: a democratização dos hábitos e costumes era um fenômeno irresistível, até mesmo para os governantes europeus. Em 1990, também na Alemanha, a premiação tinha sido na tribuna de honra, 16 anos mais tarde os germânicos passaram a se reconhecer bem mais como uma sociedade de classe média. Quanto maior a classe média e quanto mais se valoriza ser de classe média, maiores as chances de que o estilo de premiação seja democrático. Em 2010, na África do Sul herdeira do apartheid, obviamente seria surpreendente se a premiação da Espanha campeã fosse no gramado, e não foi. Os jogadores se dirigiram a um lugar especial na arquibancada para receber o troféu das autoridades. Juntou a fome com a vontade de comer: o caráter hierárquico da África do Sul com o espírito aristocrático da Fifa. Será uma surpresa agradável se nós, brasileiros, em acordo com a Fifa, formos capazes de premiar os campeões tanto da Copa das Confederações quanto da Copa do Mundo no gramado, com as autoridades prestando reverência aos verdadeiros astros da festa. Se fizermos isso não estaremos mostrando quem nos somos, mas quem nós desejamos ser no futuro. Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". E-mail: alberto.almeida@institutoanalise twitter/albertocalmeida © 2000 – 2012. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em valor.br/termos-de-uso. 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Posted on: Mon, 17 Jun 2013 16:55:32 +0000

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