A “Mordaça” do Controle Externo Por Lucieni Pereira* Ao - TopicsExpress



          

A “Mordaça” do Controle Externo Por Lucieni Pereira* Ao longo dos 25 anos de vigência da Constituição, não são poucas as iniciativas de tentar limitar a atuação dos órgãos de controle. As principais investidas têm como alvos o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU). Pelo intento, tais proposições em geral recebem a alcunha de “Lei da Mordaça”. O Projeto de Lei nº 265, de 2007, de autoria do deputado Paulo Maluf (PP-SP), pretende criminalizar as ações de controle dos membros do Ministério Público que “abusem de proposições contra políticos”. Agora, o alvo são os Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas da União e a própria Corte de Contas, que pode ter suas competências Constitucionais consideravelmente reduzidas. Isso porque o senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) acaba de apresentar duas propostas para “amordaçar” o controle externo federal. Mordaça para os Auditores de Controle Externo do TCU Uma das propostas apresentadas pelo senador Collor diz respeito à emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014, que prevê responsabilização civil, penal e administrativa aos Auditores de Controle Externo do TCU que exercerem irregularmente as atribuições de fiscalização de obras e serviços. Busca-se, com isso, judicializar e até mesmo criminalizar a ação ou omissão, dolosa ou culposa, que, na visão do autor, provoque danos ao erário, em especial nas fiscalizações e paralisações de obras públicas, a qual será apurada e processada com base na Lei 8.112/1990, que prevê demissão até mesmo de servidor estável, e na Lei 8.429/1992, que estabelece indenização na esfera cível, além da responsabilização na esfera penal. Essa investida, a par de ferir a autonomia da Corte de Contas, cria situação intimidatória à atuação de seus Auditores na defesa do patrimônio público, da probidade administrativa, da legalidade e, por consequência, do interesse dos cidadãos, que neste momento tomam as ruas para protestar contra irregularidades na gestão do dinheiro público e práticas de corrupção. A pretensão de responsabilização individual dos Auditores do TCU afronta sua independência, colocando o Brasil em sentido contrário às Diretrizes e aos Preceitos das Declarações assinadas no âmbito de organismos internacionais, tais como a Organização Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (INTOSAI) e a Organização Latinoamericana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Olacefs), dos quais o Brasil faz parte por meio do TCU. Esses organismos definem como ponto central para conferir credibilidade à auditoria governamental a garantia da ação independente dos Auditores de Controle Externo, para que atuem sem medo de qualquer represália pelos enfrentamentos de ordem econômica ou política. Previsão de Sanções na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) A proposta que pretende utilizar a LDO para estabelecer sanções aos Auditores de Controle Externo do TCU não tem como lograr êxito, já que tal normativo possui destinação constitucional especifica e veicula conteúdo material próprio, que, definido pelo artigo 165, compreende as metas e prioridades da Administração Pública. Mais do que isso, o normativo tem por objetivo orientar a elaboração da lei orçamentária anual e dispor sobre as alterações na legislação tributaria, além de estabelecer a política de aplicação das agencias financeiras oficiais de fomento. De acordo com a decisão do STF (ADI 612-QO/RJ), a ordinária vinculação da LDO a um exercício financeiro determinado define-lhe a natureza essencialmente transitória, atribuindo-lhe, em consequência, eficácia temporal limitada. Por isso o referido normativo não se presta à fixação de qualquer tipo de sanção ou matéria não prevista no dispositivo constitucional que define o seu escopo. Contribuição efetiva do Senado Federal para a sustentabilidade econômica do País seria a definição da metodologia de cálculo do resultado primário da União, marcada por constantes alterações – ao gosto das vontades palacianas - e operações atípicas cada vez mais complexas e muito pouco transparentes. Para além de sanar a omissão do dever de regulamentar o artigo 30 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a medida, pendente há mais de uma década, contribuiria, sobremaneira, para ao menos conter as “maquiagens contábeis” engendradas com vistas a mascarar o resultado fiscal na esfera federal, fator crítico para a credibilidade do País no plano interno e internacional. Redução do Poder do TCU para Expedir Cautelares Além de amordaçar os Auditores de Controle Externo, outra proposta foi apresentada para impedir a eficácia de medidas cautelares expedidas pelo TCU. A proposta, porém, conjuga três patologias jurídicas que, do ponto de vista constitucional, decorrem de uma verdadeira pobreza cognitiva. Eis que, por iniciativa parlamentar, pretende-se alterar o artigo 45 da Lei Orgânica do TCU (LOTCU) para estabelecer que a medida cautelar que determine a suspensão da execução de contrato administrativo, retensão de pagamentos dele decorrentes ou repactuação de cláusulas contratuais, somente produzirá efeitos após aprovação do Congresso Nacional. A primeira aberração subverte a Constituição, ao tentar subjulgar as decisões do TCU à motivação político-partidária que é própria da dinâmica do Congresso Nacional, sendo aquele órgão não apenas detentor do poder de autogoverno, mas independente no exercício das competências que lhe foram conferidas pela Lei Maior. O vínculo funcional do TCU não é com nenhum poder estatal, é diretamente com a pessoa jurídica da União. Tal arranjo institucional visa, exatamente, propiciar que o órgão assuma, com desembaraço e êxito, a sua função de controle, a qual seria totalmente comprometida se ficasse à mercê de vontades político-partidárias. A segunda aberração viola a iniciativa legislativa exclusiva assegurada constitucionalmente ao TCU, que detém as mesmas garantias do Poder Judiciário para apresentar ao Congresso Nacional projeto de lei que vise alterar sua lei orgânica. A última aberração é fruto de desconhecimento da jurisprudência do STF, que já reconheceu, em dois Mandados de Segurança (MS 24.510/DF e 20.882/DF), que a atribuição de poderes explícitos conferida ao Tribunal de Contas supõe que se reconheça, a essa Corte, ainda que por implicitude, a possibilidade de conceder provimentos cautelares vocacionados a conferir real efetividade às suas deliberações finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou iminente, ao erário. Isso significa que o poder de cautelar será exercido pela Corte de Contas com fundamento nas competências constitucionais do órgão, mesmo que a sua lei orgânica venha algum dia ser alterada, o que será, de pronto, questionado no STF. Conclusão Se aprovadas, as propostas patrocinadas pelo senador Collor comprometeriam seriamente a independência dos Auditores de Controle Externo e, por consequência, a autonomia do TCU, criando obstáculos às ações de controle externo revestidas de inequívoco interesse público, muitas delas, inclusive, motivadas por denúncias dos próprios cidadãos, que neste momento ocupam as ruas para dar um basta à corrupção. Dessa forma, as propostas não atendem ao interesse publico e à necessidade de reforço dos mecanismos de controle sobre a gestão pública, razão pela qual devem ser rejeitadas. *Lucieni Pereira é Auditora Federal de Controle Externo do Tribunal de Contas da União, professora de gestão fiscal e atualmente é presidente da Associação dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC). A opinião da autora não vincula o Tribunal de Contas da União e a ANTC. Brasília, 5 de julho de 2013. 2013
Posted on: Sun, 07 Jul 2013 01:15:18 +0000

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