A PEDIDO O LIVRO QUE NOS FEZ CHORAR Eu tinha treze anos de idade - TopicsExpress



          

A PEDIDO O LIVRO QUE NOS FEZ CHORAR Eu tinha treze anos de idade quando, em Angola, me interessei por aprender a língua dos surdos-mudos. Foi com um deficiente que eu aprendi o alfabeto, mas logo vi que não era o suficiente para poder conversar. Eu calculei que houvesse sinais para frases completas, pois, de outro modo, levaria muito tempo e tornar-se-ia muito cansativo transmitir um pequeno texto, mas onde iria aprender isso? Sessenta anos mais tarde, já no Brasil, por mais que perguntasse e procurasse, continuava sem saber onde poderia aprender a interpretar os sinais mas, soube com satisfação, que sim, que havia sinais que expressavam frases completas. Foi, já, em Campinas, que vim, a saber, que uma igreja evangélica dava, anualmente, o curso que eu tanto queria fazer. Quando a fui procurar, não pude inscrever-me porque já iam a meio e eu teria que esperar pelo próximo ano. Curiosíssimo, corri as livrarias a ver se havia algum livro sobre o assunto e achei. Quando o comprei, a funcionária da livraria mostrou-me apenas um volume e deu-me o preço, muito “salgado”. Perguntei se podia pagar em duas vezes no cartão Ela respondeu-me que sim e dirigi-me para o caixa. Ainda estava na fila quando ela retornou, dizendo-me que o livro eram dois volumes e que o preço que me dera era apenas de um. O livro ia-me custar-me, pois, o dobro do valor. Consegui pagar o livro em quatro vezes p tão caro ele era. Mas valeu a pena, pois o livro, realmente, era preciosíssimo, era exatamente aquilo com que eu, há tantos anos, sonhava. Pensava eu que, com a ajuda daquele livro, não me ia ser difícil estudar a língua dos surdos-mudos. Tão logo me sentisse seguro, queria oferecer-me como voluntário para, em eventos do interesse daqueles deficientes, poder ajudá-los. Por outro lado, assíduo leitor que sou, há alguns anos, da igreja católica que frequento, era minha ideia poder colaborar, como interprete nas celebrações religiosas. Mas aquele livro, por si só, não era o suficiente. Precisava, sim, de assistir a aulas práticas. Algum tempo depois, lendo o Correio Popular, vi um anuncio da APASCAMP, que convidava as pessoas interessadas a aprender a língua dos sinais, a inscreverem-se num curso que começaria dali a uns dias. Fui um dos primeiros a fazê-lo e foi com alegria que assisti, juntamente com mais vinte e poucas pessoas, à primeira aula. A professora, senhorita Daniela de Cássia Rovaris, pedagoga, era uma moça novinha, bonita, que “falava” a língua dos surdos-mudos” pelos cotovelos”, como soe dizer-se em Portugal. Que era a pessoa certa para nos dar aulas, não restavam dúvidas! Mostrei-lhe o livro que tinha adquirido e ela disse-me que não o tinha mas que a APASCAMP possuía um exemplar. As aulas seriam aos sábados, semana sim, semana não, das nove às doze horas e durariam quatro meses. A professora disse que, quem faltasse a uma aula, teria dificuldades em, depois, acompanhar as aulas seguintes e pediu-nos que, dentro do possível, todos procurássemos não faltar nenhum sábado. Eu tinha deixado de ir ao meu ponto de táxi, do Shopping Dom Pedro, naquele sábado. Por sorte, ninguém me tinha telefonado a solicitar os meus serviços. Ia ser muito difícil o mesmo vir a acontecer nos sábados seguintes. E, realmente, logo no segundo sábado de aulas, eu não pude assistir porque tive uma corrida para o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, às nove horas da manhã, uma corrida que eu não podia perder. No segundo sábado de aulas fui para Poços de Caldas, em Minas Gerais. Trabalhando com uma clientela fixa que agendava as solicitações de corridas com antecedência, eu estava, permanentemente, de plantão, pronto a atender os telefonemas que recebia. Os sábados eram muito bons dias de trabalho, no meu ponto de táxi e eu não ia poder perdê-los. Começava a ficar difícil fazer o curso com que tanto havia sonhado! E o livro, fantástico, que tinha comprado, tão caro?! Com o tempo todo tomado pelos meus afazeres profissionais, aquele livro não me ia servir para nada. Recebi uma carta da APASCAMP, assinado pela minha professora, lamentando as minhas faltas e pedindo-me que lhe desse uma posição. Fui pessoalmente à associação e encontrei a minha professora ao balcão, a atender o público. Simpática, sorridente, ouviu as minhas explicações sobre a incompatibilidade dos horários. Levei os dois volumes do livro técnico que havia comprado. Perguntei-lhe se ela tinha aquele livro. Respondeu-me que não. Coloquei os dois livros em suas mãos e solicitei-lhe que os aceitasse, como uma lembrança minha. Disse-lhe que o fazia plenamente consciente de que estava oferecendo aquele livro à pessoa certa, que o iria apreciar e tratar com muito carinho no decurso da sua carreira profissional, tão bonita e tão humanitária. Vi os olhos úmidos e depois lacrimejantes da minha professora, enquanto falava. Quando acabei ela procurava esconder as lágrimas da franqueza que lhe ia na alma. Senti uma emoção muito grande quando ela me confessou que estava a chorar de alegria, pois há muito tempo que queria aquele livro, mas ainda não tinha podido comprá-lo, porque era muito caro. Voltei a pegar nos dois livros e, neles, escrevi uma dedicatória. Ela agradeceu-me muito dizendo “ Senhor Ruy não vou esquecer, nunca, do senhor” . Quando saí da APASCAMP levei o lenço ao rosto para limpar as lágrimas que se me afloravam nas faces. As da moça eram lágrimas de alegria, as minhas um pouco de pena por não ter chegado a usufruir o livro, mas de muita satisfação por ter acertado na pessoa que, mais do que ninguém, merecia aquele livro tão útil, tão bonito, tão completo com que eu sonhei durante sessenta anos.
Posted on: Sat, 07 Sep 2013 02:29:33 +0000

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