ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE. Eduardo - TopicsExpress



          

ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE. Eduardo Hoornaert. Faz mais de uma semana que o papa voltou a Roma e vejo que, neste momento, circulam entre nós reflexões e troca de opiniões sobre o significado da jornada mundial da juventude, ocorrida entre os dias 22 e 28 de julho pp. no Rio de Janeiro. Que lições tirar para a trajetória da Igreja católica entre nós ? Graças à incrível tecnologia de comunicação à distância, agora acrescida da maravilhosa capacidade dessas novas máquinas fotográficas, que trazem de longe o rosto do papa em ‘high definition (HD)’ bem perto de mim, eu posso aqui falar sobre o assunto, mesmo sem ter saída de casa. Em primeiro lugar repito o que muitos já disseram: a jornada deixou em muitos uma impressão maravilhosa. Isso merece um aprofundamento. O próprio papa Francisco deve ter sentido o mesmo encantamento, pois já na manhã de terça-feira 23/07, após a primeira noite em terras brasileiras e já hospedado no palácio do bispo após as emoções da chegada ao Rio de Janeiro, ele mandou uma mensagem entusiasmada pelo twitter: ‘obrigado, obrigado, obrigado pelo magnífico acolhimento!’. Com essas palavras, o papa reconhece implicitamente que o principal responsável pelo sucesso de sua acolhida (apesar dos atropelos em termos de segurança) foi o povo anônimo nas ruas. É por isso que, neste momento, temos de aplaudir em primeiro lugar as pessoas anônimas, homens e mulheres, que foram às ruas aplaudir o papa e só furtivamente apareceram diante das lentes da Globo. É a imensa multidão dessas pessoas anônimasque ‘fez’e continua ‘fazendo’ o papa. Pensando bem, o que é um papa sem povo em seu redor? Imaginemos, por um instante, que um papa vem ao Rio de Janeiro e ninguém aparece na rua! Isso ajuda a formular a seguinte pergunta: de onde provém esse dom doencantamento, essa capacidade em ver no homem vestido de branco uma imagem fascinante? A resposta é evidente: provém do íntimo do ser humano, ou seja, do cérebro. Nos rápidos instantes em que o papamóvel passa à sua frente, algo acontece no cérebro dos que saíram à rua para ver o papa. Aciona-se uma capacidade imaginativa de grande envergadura. Aqui se revela uma das mais misteriosas e portentosas qualidades do ser humano a que damos o nome ‘religião’. É uma qualidade que nos permite enxergar algo além da aparência. Assim, o povo ‘transfigura’ a pessoa do papa que, afinal, é alguém igual a todos nós, um ser humano normal. Mas não é Bergoglio que vem ao Rio, é o papa Francisco. Uma figura que ‘não é deste mundo’ vem nos visitar. O papamóvel traz a presença de Deus à cidade, por alguns abençoados dias. Eis a visão da grande maioria. Em outras palavras, a mente humana guarda dentro de si, escondida, a reserva de um ‘outro mundo’, além do mundo feito da procura de dinheiro, lucro, salário e luta insana pela sobrevivência. A dinâmica fundamental por trás do que aconteceu no Rio, duas semanas atrás, não provém de fora, mas emerge do interior das pessoas. Alguns fotógrafos mais sensíveis fizeram flashes de pessoas chorando de emoção ao participar da missa do envio na praia de Copacabana, ou ainda profundamente concentradas em meio à multidão, com se estivessem na mais silenciosa solidão: close-up de ‘religião’. É salutar observar aqui de que só uma pequena minoria, mais ligada às paróquias, enxerga no papa Franscisco o chefe da Igreja católica. Isso é salutar porque nos lembra que nossa tarefa se estende bem além dos limites da instituição católica e alcança o ser humano em geral. Se é verdade que a alma humana contém recônditos onde os ditames do capitalismo não conseguem penetrar e onde a lei do ‘cada um por si’ (a grande lei do capitalismo) não vigora, então nossa tarefa consiste em trabalhar nesse campo de sonhos e encantamentos (que se revelam em ocasiões como a jornada da juventude) e orientar o dinamismo religioso para fins positivos (e não destrutivos) . A questão que eu gostaria de colocar aqui é que essa enorme energia religiosa que carregamos dentre de nós e que se revelou no Rio de Janeiro e em Aparecida por ocasião da visita do papa, é uma energia cega, que pode ser direcionado para projetos benéficos ou perniciosos. Ela pode construir ou destruir, como declarou o rabino americano Menachem Froman alguns meses antes dos atentados de 11 de setembro de 2001 em Nova Iorque (Newsweek 16/04/01), A energia religiosa é como a energia nuclear: Pode destruir tudo ou construir tudo. A bíblia, sabiamente, nos traz a figura do ‘espírito santo’ (sopro de Deus), cuja tarefa consiste em dirigir o potencial religioso para objetivos benéficos. Mas a mesma bíblia fala igualmente em espíritos perniciosos que rondam pelo mundo: o espírito da separação, da confusão, da discriminação, da apropriação indevida, da prepotência e do orgulho. Nisso ela mostra que, na realidade, duas tendências coexistem no mundo: o espírito santo e os diversos espíritos ‘do mal’, que tentam derrubar os planos de Deus. Será que a jornada da juventude escapou dessa tensão entre espírito santo e espíritos destrutivos ? Seria ingenuidade pensar assim. Em seguida apresento quatro apontamentos dentro dessa problemática. - Em primeiro lugar : o que dizer de sinais de retorno à ‘uniformidade católica’ dos tempos antes do concílio Vaticano II ? Durante a jornada, a tendência era bem visível no setor de padres e bispos, mas também, de forma menos patente, entre os próprios jovens. Quando, após o referido concílio, os padres abandonaram a batina e começaram a se vestir como todo mundo, eles estavam procurando um melhor entrosamento com a diversidade em sociedades sempre mais complexas e diferenciadas em que foram chamados a atuar. Hoje há um movimento de regresso, e a TV mostrou flashes esporádicos de uma maior afirmatividade católica, uma tendência no sentido de se destacar na sociedade por meio de sinais exteriores. O cristianismo tem uma longa história que oscila entre o apreço a sinais de diferenciação (na idade média, por exemplo, judeus, islamitas e cristãos se vestiam de forma diferente) e a vontade de universalização. Os períodos de acentuada distinção no vestuário e no comportamento coincidem com períodos de ‘guerra religiosa’, intolerância e fanatismo religioso. Por exemplo, qual foi o lugar reservado aos protestantes nessa jornada mundial da juventude? Ou não se pensou nisso? Com facilidade, sinais distintivos se transformam em sinais discriminatórios. O que dizer hoje da frase de Paulo em sua carta aos Gálatas (3, 28): ‘não há grego nem judeu, nem homem nem mulher, nem senhor nem escravo: todos unidos em Jesus Cristo’? Isso significa: ‘não há protestante nem católico nem espírita nem praticante de candomblé: todos unidos em Jesus Cristo’? - Procurei em vão a bíblia nas celebrações. Ela funcionou como parte da liturgia da missa (como ‘epístola’ e ‘evangelho’), mas não como ‘carro chefe’ a puxar os temários das celebrações. Em Copacabana, o centro do palco continuou sendo ocupado pelo altar, não pela bíblia. Pois a bíblia é autônoma, ela reina acima dos ritos, como Lutero não deixou de repetir insistentemente nos tempos iniciais do protestantismo (século XVI). O tipo de cerimonial celebrado em Aparecida e Copacabana nos leva quase irremediavelmente a futuros confrontos com os cristãos evangélicos. Pois é claro que eles vão querer também reunir milhões de pessoas ‘em nome de Jesus’. Isso pode nos levar a uma absurda espiral de rivalidades sem fim e sem nenhuma perspectiva, a repetição de uma história que comprovadamente não leva a nada senão a sofrimentos inúteis, rivalidades, incompreensões e fechamentos (senão confrontos diretos). Tudo por nada. Pois a história dos últimos quinhentos anos mostra que guerras religiosas não levam a nada, apenas obscurecem o sentido genuíno do evangelho. Assistindo pela TV à celebração final em Copacabana, voltei em memórias aos ritos de minha infância: missa, adoração do santíssimo sacramento, via sacra. Revi até pessoas de joelhos dentro do confessionário e a hóstia colocada na boca do comungante, exatamente como 60 ou 70 anos atrás. Pensei também no congresso eucarístico de 1955, 58 anos atrás ! Nada da capacidade inventiva, da originalidade e da vitalidade do catolicismo latino-americano dos últimos 50 anos, nenhuma referência aos círculos bíblicos, às comunidades de base, aos mártires numerosos (Dom Oscar Romero, Dom Angelelli e Padre Enrique de Recife são apenas exemplos), nada que lembrasse a geração de bispos representada pela figura de Dom Helder Câmara. - Achei o comportamento dos bispos bastante formal e distante dos leigos, pelo menos nas celebrações. Eles ficavam confinados em compartimentos exclusivos e tudo deu uma impressão muito hierárquica, como nos ‘bons tempos’. Lembrei-me com saudade de posturas de liberdade e autonomia por parte de bispos, por ocasião da visita do papa João Paulo II aos Brasil em 1980. Pensei em Dom Antônio Fragoso, que se apresentou ao papa em vestes civis e, diante da pergunta (recriminatória) : ‘os bispos no Brasil andam assim?’, respondeu ‘sim’. Ou em Dom Helder Câmara que, durante o jantar na sua residência após o triunfo do papa nas ruas de Recife, abriu os braços e disse em voz alta: ‘Pai (Deus), tudo isso é para vós, só para vós !’. E ele comentou depois: o papa não gostou ! Ainda recordo como Dom Aloísio Lorscheider tentou (sem sucesso) convencer o papa de fazer uma visita improvisada a um bairro popular de Fortaleza onde atuava uma comunidade de base. Com isso não quero sugerir que é preciso opor-se ao papa. Não é disso que se trata, mas de solidariedade com o povo de Deus, representado pelo bispo. - Finalmente, há ainda a questão do ‘estado laico’. Quase ninguém comentou o fato de que, durante dois ou três dias, o líder de uma confissão religiosa particular ‘tomou conta’ de uma cidade tão diversificada como o Rio de Janeiro: praticantes do candomblé e de religiões de cunho indígena ao lado de católicos, protestantes, espíritas, judeus e ainda de pessoas que não professam nenhuma religião. O fato praticamente não foi comentado e só ouvi falar de algumas pessoas que reclamaram dos transtornos no trânsito. Mas o tema é importante, pois é bom ficar atento aos perigos decorrentes de um enraizado atavismo católico em termos de apropriação de espaços públicos, serviços públicose dinheiro público. Toda história da igreja no Brasil, desde os inícios, é uma história de apropriação de terras alheias, as terras do Brasil ! Ainda no século XX, o presidente Vargas recomendava a seu ministro Capanema, da educação, de abrir os cofres públicos para superiores ou superioras de congregações religiosas católicas que viessem pedir dinheiro para financiar seus colégios particulares. Essa longa história demonstra que a igreja católica ainda tem muito a aprender em termos de convivência democrática numa sociedade como a brasileira. Sabemos que grupos de interesse sempre tentam se apropriar do que é público e a igreja católica não foge ao esquema. O estado laico ainda tem muita luta pela frente nesse sentido, como nos mostraram algumas mulheres que, fora do espaço reservado à jornada em Copacabana, tiraram a roupa para, desse modo, conseguir acesso a mídia e poder mostrar, diante da TV, um cartaz onde estava escrito ‘o estado é laico’. Um gesto importante que passou largamente despercebido.
Posted on: Fri, 09 Aug 2013 13:49:08 +0000

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