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Daqui a pouco falo na SBPC; aqui, o resumo (a SBPC é mto generosa com o tamanho dos mesmos, por isso ele é quase um artigo) - hj às 10h30 no auditório da Fiocruz, na UFPE, no Recife. ÉTICA DA COMPREENSÃO E COMPREENSÃO DA ÉTICA Renato Janine Ribeiro, USP/CNPq (Pesquisador 1-A) O que deve ser a compreensão da ética? De poucos assuntos se fala tanto, ultimamente, e tão pouco se pratica. Os mesmos que reclamam da falta de ética que marcaria os tempos atuais, na vida pública como na privada, tendem a reduzi-la a uma lista de proibições e interditos ou, mesmo, a regras disciplinares elementares. Ora, ética não é disciplina. É antes de mais nada uma interpelação ao indivíduo humano para que ele se torne pessoa. O indivíduo é apenas um dado, uma referência ao envelope corpóreo que identifica cada um de nós. Pessoa, por sua vez, na ética ou no Direito, é um sujeito de obrigações e direitos. O Direito pode ter pessoas que se limitem a obedecer; mas, na ética, a “pessoa” sempre resulta de uma interpelação, uma pergunta, quase uma colocação em xeque, como no xadrez. Somente quando alguém começa a responder a perguntas difíceis explicando por que certas ações são boas ou más, justas ou injustas, é que esse alguém entra no mundo da ética. Por isso, códigos de ética, mandamentos, leis ou regras disciplinares não tornam ninguém ético. Compreender a ética, portanto, exige questionamentos. Notem que hoje, no Brasil, há duas grandes questões éticas na arena política, que geralmente são usadas uma contra a outra – quando isso não seria necessário e, a rigor, nem faz sentido. Por um lado, os meios de comunicação e parte da oposição centraram-se no tema da corrupção. Por outro, o governo e os movimentos sociais enfatizam o combate à miséria e, também, à pobreza. Não vejo dúvidas de que a grande questão ética que paira sobre a sociedade brasileira é, para lembrar o diagnóstico de Fernando Henrique Cardoso no começo de seu mandato presidencial, ser “um país rico, mas injusto”. Nosso problema é menos a geração de riquezas, embora seja necessária, do que o acesso a elas. O número de miseráveis, parte deles em decorrência ainda hoje de uma escravidão que foi abolida há 125 anos, é ou era escandaloso. Mesmo a pobreza, se a definirmos sucintamente como uma condição em que o corpo mantém vida e saúde (que estariam em risco na miséria, a qual abrevia ambas), tem sido suprimida nos países desenvolvidos e, assim, suprimi-la deveria também ser prioridade nossa. Victor Hugo, na década de 1830, observa a pobreza. Numa festa do rei Luís Felipe, vê os pobres olhando de fora. Numa rua de Paris, percebe um pobre fulminando, com o olhar, uma carruagem. Surpreende-se: esses olhares destilam ódio. Sua primeira reação é o espanto: afinal, não são os ricos que dão trabalho aos mais pobres? Nessa frase, cristaliza-se a essência do pensamento conservador sobre a pobreza, do pensamento que a aceita como natural. Mas o futuro autor dos Miseráveis logo nota seu engano. Terá a indignidade da pobreza – ou da miséria – como uma grande questão moral, e verá na recusa, pelos pobres, de sua situação um motor da vida social em seu tempo. Continua sendo uma grande questão um século e meio depois. Continua sendo, na maioria de países do mundo em que grassa a miséria, uma grande e frequentemente a principal questão ética – como considero que é entre nós. Continua sendo o maior problema ético com que convive a maior parte da população do mundo, aquela maioria de homens e mulheres cujo cotidiano está marcado seja pela miséria, seja pela pobreza, seja pela miséria e pobreza de seus concidadãos que, por isso mesmo, terminam sendo menos cidadãos do que deveriam ser. Mas o que vemos no Brasil de hoje é que, enquanto esse imperativo moral é assumido por partidos e movimentos sociais, bem como apontado por órgãos internacionais como o próprio FMI, outros setores da sociedade o ignoram. Reduzem todo o debate político a uma questão de honestidade com o dinheiro público – o que obviamente é necessário. Mas aqui há problemas. O primeiro é não existirem dados confiáveis sobre o montante da corrupção. Por isso, o aumento da sua percepção tanto pode indicar que aumentou, na realidade, quanto que foi mais denunciada e combatida. Assim se torna problemático qualquer ranking de corruptos (o da Transparência Internacional aponta a percepção da corrupção, não a sua realidade). O segundo é que as medidas mais sugeridas contra ela, na literatura e na ação política ou administrativa, focam o aumento de controles e de transparência, mas não uma educação para dissuadir as pessoas da tolerância ou mesmo da prática da corrupção. Há como se fosse uma resignação com a má conduta ética, que seria inevitável, em vez de uma ação decidida para impedir, ab ovo, que ela ocorra. Precisamos de mais que isso, de uma ética que não seja apenas fruto da contenção quase policial, mas esteja na formação das pessoas, na sua educação. *** Ética da compreensão, o que seria? será preciso não apenas compreender a ética, mas construir uma ética que nos permita compreender o outro? Papel decisivo tiveram estudos, como os bastante polêmicos de Carol Gilligan, promovendo valores que não seriam os do grupo social dominante, a saber, os dos brancos de certa renda formados nos valores ocidentais. Gilligan sustenta que, enquanto o grupo dominante pensa a ética com base em princípios racionais, as mulheres dariam maior peso a uma ética do cuidado. Seu exemplo é o das crianças a quem se conta um problema: uma mãe está gravemente enferma, precisa de um remédio caro, não tem dinheiro para pagá-lo, o farmacêutico se recusa a dá-lo ou sequer a reduzir seu preço. Nestas condições, o que fazer? Meninos tendem mais a dizer que furtariam o medicamento. Meninas na sua maioria respondem que insistiriam com o farmacêutico. Uma primeira interpretação de tais respostas conclui que as meninas não conseguem entender direito o problema. Gilligan, porém, nega que não o entendam; afirma que elas recusam a alternativa tranchante, porque seu mundo não é o do corte, mas o da inclusão: pensam que, acentuando o cuidado, conseguirão um resultado que não é o do ou...ou, mas um do conectivo e. Podemos aproximar este ponto de vista da distinção que o antropólogo Lévi-Strauss sugere, no final de Tristes trópicos, entre sociedades antropoêmicas (de emein, “vomitar”, que dá também a palavra emético, “vomitivo”) e antropófagas. Nossa sociedade lida com o crime vomitando, expelindo o criminoso, que é preso, morto ou banido; já os índios o tratam de maneira antropofágica, assimilando-o, integrando-o (cf. a prática de algumas tribos que mandam o assassino engravidar uma parenta do morto, para dar uma vida no lugar da que tirou). Essas teses suscitam várias perguntas. Será possível que os termos em que se debate a ética no Ocidente, longe de serem universais, exprimem o ponto de vista apenas de um grupo ou fração social? Será então legítimo trazer à luz valores de outras culturas, como os femininos do cuidado, mas também – acrescentaria – os africanos do Ubuntu, e mais outros, em lista extensa? O eixo da discussão passa a ser: a ética não é apenas algo que se deve compreender, como antes tentamos, mas ela própria, para ser o que é, para ser ética, precisa compreender. A ideia de uma ética única entra de certo modo em xeque. Mas disse em certo modo, porque a rigor, com a saliência assim dada a novas éticas, o que se pretende é expandir a ética apenas ocidental, masculina, racional. Quando alguns traduzem Ubuntu como “somos, logo sou” ou versões parecidas, explicitamente a contrapõem ao “cogito, ergo sum” cartesiano. São algumas questões na fronteira da ética. Vários movimentos importantes, não por acaso celebrando culturas diferentes da ocidental ou pelo menos dissidentes em face dela, assim colocam o tema da integração, mais que o da punição ou da exclusão. Pode ser que estejamos vislumbrando uma ética que dará mais importância ao sim do que ao não. Vejam como passam os dez mandamentos: lembramos mais as fórmulas negativas (Não matarás, não furtarás) do que as positivas (Honrarás...). Temos uma visão da ética que com frequência é a do Código Penal: se não fizer a coisa errada, está bem. Mas para a ética isso não basta. Não é ético quem simplesmente se abstém de causar mal ao outro; num mundo que conhece tanta injustiça, a ética exige um empenho afirmativo de fazer o bem, não apenas a neutralidade em frente a bem e mal. Talvez seja este o maior desafio, hoje, para a ética.
Posted on: Tue, 23 Jul 2013 11:39:05 +0000

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