«Enquanto espero a ligação telefónica para Zurique, baralham-se-me imagens nos olhos e ressonâncias na memória. As manchas rubras dos gerânios, na varanda daquele prédio, ensaguentando a árida monotonia dos cinzentos; os bosques, além, nas colinas, e o algodão das nuvens a dissolvê-los; e estes objectos. Objectos íntimos que fizeram a viagem comigo desde Lisboa, que atravessaram as terras fumegantes do calor e me velaram as insónias de hotel em hotel; que estão aqui, ainda transidos, ainda desconfiados, sem saberem se terminou o seu fadário por sucessivos lugares alheios; que estão aqui para assinalarem, com a sua serventia e os seus hábitos, com a sua presença fiel, quem habita este espaço e estes móveis alugados. Não é raro que neles me apoie enquanto dura o nosso lar de empréstimo, como eles se apoiam em mim. Dá-se entre nós uma cálida fusão quando lhes pego. Percebo-lhes a carícia e o agradecimento. Agasalhamo-nos, mutuamente, na nossa solidão.» F. Namora, in Diálogo em Setembro, 1966
Posted on: Sat, 07 Sep 2013 12:03:46 +0000