"Goste-se ou não, pautas como a desmilitarização da polícia ou - TopicsExpress



          

"Goste-se ou não, pautas como a desmilitarização da polícia ou o respeito aos direitos indígenas, para se efetivarem, terão de passar também pelas mediações da política institucional. Por isso, pelo menos no futuro próximo, a complementaridade entre o movimento e quem quer que se demonstre digno de confiança para ajudar nestas mediações parece uma necessidade. Isto implica uma dupla ironia. Por um lado, os manifestantes terão que depositar alguma confiança em quem, por princípio, não confiam. Por outro, os “representantes” terão de aceitar que a fonte de sua legitimidade está em sua relativa ilegitimidade – que não são protagonistas nem possuem carta branca, mas tem um mandato limitado, condicionado a sua capacidade de servir ao movimento como instrumento institucional. Não se pode tomar o partido do evento sem tomar o partido dos sem partido, isto é, daqueles que foram até aqui os principais protagonistas; só serão bem-sucedidos os interlocutores que souberem respeitar a diferença entre movimento e institucionalidade. Na treva da incivilidade política e policial que se viu no Rio de Janeiro na semana passada, um raio de luz foi o reconhecimento mútuo que se instituiu entre o Sindicato dos Professores em greve e os militantes autônomos e Black Bloc. Mesmo se organizando de formas bastante distintas, com objetivos, táticas e visões de mundo diversas, eles foram capazes de se compreender como parte do mesmo “nós”. Esta mudança faz toda a diferença. Enquanto não reconhecemos o outro como um dos nossos, não falamos para ele, falamos dele; e se falamos dele, falamos dele para um terceiro – para a mídia ou o público, quando nos distanciamos dele, aceitando a traiçoeira fronteira entre “bons” e “maus” manifestantes (hoje entre os “bons” professores e os “maus” Black Bloc, amanhã entre o “mau” sindicato e os “bons” fura-greves etc.); no limite, para a policia, contribuindo para a sua repressão (“nesses pode bater à vontade, porque nem os outros apóiam eles”). Mas se nossas diferenças se expressam sobre o pano de fundo de um destino comum que está em jogo, estamos muito mais aptos a desenvolver a confiança que nos permite, não simplesmente aceitá-las como são, mas criticá-las se necessário, negociá-las, articulá-las, compô-las de maneiras vantajosas para o comum. O cálculo é simples: se transformar a sociedade é aquilo que a esquerda se propõe a fazer, e o ciclo que se abriu com os protestos de junho é a melhor oportunidade para promover transformações profundas aparecida em décadas, no Brasil, ser de esquerda hoje não tem a ver com declarar-se (ou não declarar-se) como tal, ou pertencer a uma organização que teve esta ou aquela trajetória. É tomar o partido do evento; participar de sua continuidade e expansão, intervindo nele por dentro; entender que ele pertence em igual proporção a todxs que o constroem; e criticá-lo como quem resolve diferenças com iguais, não como quem chama a polícia."
Posted on: Mon, 07 Oct 2013 18:04:26 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015