POSSE AGRÁRIA FUNCIONAL (releitura à luz da Constituição) - TopicsExpress



          

POSSE AGRÁRIA FUNCIONAL (releitura à luz da Constituição) Resumo: Abordagem da posse como mecanismo de funcionamento da terra e concretização dos valores previstos no Texto Constitucional Résumé: Ce travail est une approche de la possession comme mécanisme de fonctionnement de la terre et de concrétion des valeurs prevus dans le Text Constitutionnel Palavras-Chave: Função Social da Terra. Posse. Valores da Constituição Mots clés: Fonction sociale de la terre. Valeurs de la Constitution. Introdução Embora largamente empregado como qualificativo e legitimador da propriedade agrária, o termo função social não pode ser aplicado apenas ao domínio. A dinâmica do uso dos bens imóveis permite vislumbrar que a função sócio-econômica e ambiental reside preponderantemente na posse. O Texto de 1988, assim como o Código Civil, não alude explicitamente à posse funcional, mas ambos os diplomas fornecem elementos para assim qualificar a relação de fato entre sujeito e coisa, de modo a viabilizar, em sítio doutrinário, o emprego da locução função social da posse. O presente resumo tem como escopo demonstrar que a função social dos imóveis agrários está na posse, e não apenas na propriedade. Pretende ainda revelar que a posse é, no âmbito agrário, instrumento para a concretização dos valores dispostos na Constituição de 1988. 1 A Posse em contraste com a Propriedade A construção da teoria da propriedade funcional relegou a posse a um plano inferior, quiçá pelo argumento, tão caro à burguesia francesa pós-revolucionária, de que ela estaria absorvida no domínio. Com isso, pôs-se de lado ou esqueceu-se de algo que parece óbvio: a) nem sempre a posse está contida no domínio; b) a função social da propriedade tem, como critério de aferição, a posse. Poucos temas foram tão debatidos no Direito das Coisas quanto a posse, que consiste num poder de ingerência econômica sobre determinada coisa, ou seja, um fato (RUGGIERO: 1999, pp. 738-739). A propriedade é sempre um direito; a posse, um fato que pode ou não ser direito. Por isso o proprietário pode ser dono sem ser possuidor, e o possuidor pode conservar a coisa sem ser proprietário. Sem embargo, o proprietário pode ser também possuidor, pois o domínio implica o direito de possuir. Dito em outras palavras, quer isso significar que posse e propriedade frequentemente se enfeixam na figura de um mesmo titular, mas essa não é uma condição necessária. A posse deve ser vista como um fator autônomo, mesmo quando exercida pelo proprietário. É que este pode praticar tanto atos possessórios (uso, fruição, destinação etc) como atos estranhos à posse (alienação, disposição, reivindicação etc). É falsa, portanto, a asserção de estar a posse absorvida pela propriedade. Nesse sentido, é oportuna a lição de que, mesmo sendo exercida pelo proprietário, a posse é um valor jurídico (FACHIN: 1988, p.13). O fato de a doutrina em geral, inspirada na teoria clássica (IHERING: 1999, p. 14), conceituá-la como uma condição para o aproveitamento econômico do domínio, não afasta a autonomia daquela; antes, valoriza- a, porque reconhece a existência de dois valores jurídicos, ou seja, propriedade e posse. Logo, a posse tem uma autonomia e não pode ser confundida com a propriedade, mesmo em se tratando de posse do proprietário. 2 Acerca da Função Social da Posse Muito tem sido escrito sobre a função social das coisas. Para o jurista italiano Stefano Rodotà, em página que se tornou clássica, a função é o modo pelo qual um instituto jurídico opera concretamente no mundo dos fatos (RODOTÀ: 1967, p. 139). Na doutrina brasileira, a função é “o poder que se exerce não por interesse próprio ou exclusivamente próprio, mas por interesse de outrem ou por um interesse jurídico” (GRAU: 1988, p. 107). Funcionar é produzir uma utilidade. Nesse passo, posse e propriedade desempenham funções. Função social se tem quando a coisa produz utilidades que vão além do interesse do titular. Por aí já se vê que as coisas cumprem funções em favor do proprietário e do simples possuidor. Os imóveis rurais têm função econômica (produzem alimentos para a nação), função ambiental (atuam sobre os recursos hídricos, o solo, a flora etc), função laboral (asseguram direitos do trabalhador) e função humano-social (asseguram a dignidade de quem trabalha a terra). As várias funções desempenháveis pelas coisas reúnem-se sob o rótulo “função social”. Emprega-se o adjetivo “social” sempre que o bem traz uma utilidade, satisfazendo interesses difusos. Não se trata de uma utilidade pública, mas de utilidade social, senão interesses da sociedade abstratamente considerada. Segundo a ideia da socialidade, recolhe-se que o conceito de propriedade e de posse já não segue o padrão nem a ideologia do Código de 1804. Ambos os institutos mudaram não apenas pela fragmentação de sua disciplina, mas também por uma mudança na “consciência valorativa global”, que rejeita a ideia do patrimonialismo para buscar fundamento na repersonalização do direito (TEPEDINO: 2002, p. 286). Lícito afirmar, portanto, que a função social é o modo como a propriedade e a posse atuam concretamente em relação a determinados interesses de uma nação. Da exegese do art. 186 e seus incisos da Constituição da República, assim como do art. 1.228 do Código Civil, facilmente se observa que os requisitos eleitos pelo legislador, para aferir se a propriedade agrária cumpre sua função social, repousam no uso da terra, especialmente na destinação que lhe dá o sujeito (REZEK: 2001, p. 45). O uso da terra não é outra coisa senão a posse, pois o contato com o solo. A exploração econômica da terra, como a produção de frutos e a construção de benfeitorias e acessões, expressam atos de posse, ainda que oriundos de atos do proprietário. Logo, a verificação da função social agrária reside na posse. É na posse, não na propriedade, que o cumprimento da função social das coisas deve ser detectado. Para aclarar essa ideia, pode ser citado um caso frequente de não cumprimento da função social agrária, ou seja, o imóvel improdutivo. A produtividade decorre da forma de possuir a terra e, como foi visto, ser dono não é condição para ter posse. As hipóteses retratadas no art. 186 do Texto de 1988 têm em mira a posse do proprietário e a posse do não proprietário, ou seja, levam em conta a posse. Assim, de lege lata, a chamada função social da propriedade agrária esconde a função social da posse. Ao se referir à função social da propriedade, o Texto dizer “função social da terra”, tomando o termo “propriedade” como imóvel, e não como instituto. Daí admitir-se, para fins de reforma agrária, a desapropriação de imóveis improdutivos, questão afeta ao exercício de fato de poderes sobre a terra. Não é necessário ser dono para imprimir função à terra, mas ser possuidor é fundamental para isso. Vejam-se os comodatários, arrendatários, superficiários, usufrutuários e assentados, além dos que têm posse como simples fato, como os sem-terra e os usucapientes. Nenhum deles é dono, mas todos podem dar função à terra. Todos estão em contato com o solo, cultivando-o, obtendo dado volume de produtos, utilizando os recursos naturais disponíveis, interferindo no ecossistema e assegurando aos trabalhadores condições dignas de moradia e trabalho. Consequentemente, correto é dizer que, sem a posse, a terra não passa de uma reserva de valor, totalmente descompromissada de ideais funcionalizantes. 3 Posse da Terra e Constituição É no contexto econômico, ambiental e social que a posse exerce papel de destaque no Estado Democrático de Direito, e por dois fatores: primeiro, porque permite a produção de riquezas para o possuidor e para a coletividade; segundo, porque oferece ao possuidor condições de viver com dignidade. Qualquer pesquisa a ser empreendida no contexto da dinâmica da posse, da luta pela terra e da reforma agrária haverá de considerar ambos os fatores, produção de riquezas e dignidade. O direito positivo brasileiro trata da posse como uma atividade destinada à produção de riquezas, ao bem-estar do possuidor e do proprietário e à conservação ambiental. E, quando o legislador assim pensou, teve por motivo um ideal de ordem, paz e prosperidade. Esse ideal vai ao encontro dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, constantes no art. 3º do Texto vigente e que repousam na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na garantia do desenvolvimento nacional, na erradicação da pobreza e da marginalização e na promoção do bem de todos, consoante os princípios do Estado Democrático de Direito. 4 Conclusão Posse e propriedade são conceitos distintos, ainda que se trate de posse do proprietário. A função social da terra é apurada não pela propriedade, mas pela posse, entendida como a relação de fato entre sujeito e imóvel. Nesse sentido, a posse, tendo como objeto o uso de um bem de produção, concorre para o atingimento dos valores previstos no Texto de 1988. Referências FACHIN, Luiz E. A Função Social da Posse e a Propriedade Contemporânea. Porto Alegre: Fabris, 1988. GRAU, Eros Roberto. Direito, Conceitos e Normas Jurídicas. São Paulo: RT, 1988 IHERING, Rudolf V. Teoria Simplificada da Posse. São Paulo: Edipro, 1999. trad. Pinto Aguiar. REZEK, Gustavo Elias Kallás. O Princípio da Função Social da Propriedade Imobiliária Agrária na Constituição Federal de 1988. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da USP. São Paulo. 2001. RODOTÀ, Stefano. Proprietà (Diritto Vigente). Novissimo Digesto Italiano. 4. ed. Torino: UTET, 1967, V. XIV. Antonio Azara; Ernesto Eula (dir.); RUGGIERO, Roberto de. Instituições de Direito Civil. 6ª. ed. Campinas, Bookseller, 1999. V. 1. Trad. Paolo Capitano; TEPEDINO, Gustavo. Contornos Constitucionais da Propriedade Privada. Temas de Direito Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. Gustavo Tepedino (org.);
Posted on: Wed, 18 Sep 2013 13:23:58 +0000

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