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Sobre o Teatro Cotidiano - Bertolt Brecht Vocês, artistas que fazem teatro em grandes casas, sob sóis artificiais, diante da multidão calada, procurem alguma vez aquele teatro encenado na rua. Cotidiano, vário e anônimo. Mas tão vívido. Terreno. Nutrido da convivência dos homens. O teatro que se passa nas ruas. Aqui a vizinha ao imitar o proprietário, deixa claro, demonstrando sua verbosidade, como ele busca desviar a conversa sobre o cano d’água que arrebentou. À noite, nos parques, rapazes mostram à garotas risonhas, como elas resistem e resistindo mostram habilmente os seios. E aquele bêbedo, mostra o pastor em sua prédiga, remetendo os despossuídos aos ricos pastos do paraíso. Como é útil esse teatro, como é sério e divertido. E digno! Não como papagaios e macacos imitam eles, apenas pela imitação em si, indiferentes ao que imitam, apenas para mostrar que sabem imitar bem; não, eles têm objetivos à frente. Que vocês, grandes artistas imitadores magistrais, não fiquem nisso abaixo deles. Não se distanciem, por mais que aperfeiçoem sua arte, daquele teatro cotidiano cujo cenário é a rua. Vejam aquele homem na esquina! Ele mostra como ocorreu o acidente. Neste momento entrega o motorista, ao julgamento da multidão, como estava ele ao volante. E agora imita o atropelado, aparentemente um velho homem. De ambos transmite apenas o tanto para tornar o acidente inteligível, porém o bastante para que apareçam claramente. Mas ele não mostra ambos como incapazes de evitar um acidente. O acidente torna-se assim inteligível e também ininteligível, pois ambos podiam fazer outros movimentos; agora ele mostra como eles poderiam ter-se movimentado, para que o acidente não acontecesse. Não há superstição nessa testemunha, ele não vê os mortais como vítimas dos astros, somente dos próprios erros. Notem também sua seriedade e o cuidado da sua imitação. Ele sabe que da sua exatidão muito depende. Se o inocente escapa à ruína. Se o prejudicado é compensado. Vejam-no a repetir o que já fez. Hesitante. Pedindo ajuda à memória, incerto de que a imitação seja boa. Interrompendo. Solicitando a um outro que corrija isso ou aquilo. Isto observem com reverência! E com assombro! Queiram observar que este imitador nunca se perde em sua imitação. Ele nunca se transforma inteiramente no homem que imita. Sempre permanece o que mostra, o não envolvido, ele mesmo. Aquele não o instrui. Ele não partilha seus sentimentos, nem suas concepções. Dele sabe bem pouco. Em sua imitação não surge um terceiro, dele e do outro, de ambos formado, no qual um coração batesse e um cérebro pensasse. Ali inteiro está o que mostra, mostrando o estranho nosso próximo. A misteriosa transformação que supostamente se dá em seus teatros entre camarim e palco: um ator deixa o camarim, um rei pisa no palco, aquela mágica da qual com freqüência vi a gente dos palcos rir, copos de cerveja na mão, não ocorre aqui. Nosso demonstrador da esquina não é um sonâmbulo a quem não se pode tocar. Não é um Alto Sacerdote no ofício divino. A qualquer instante podem interrompê-lo! Ele lhes responderá com toda a calma e prosseguirá quando já lhes tiver falado sua apresentação. Mas não digam vocês: O homem não é um artista! Erguendo uma tal divisória entre vocês e o mundo, apenas se lançam fora do mundo. Negassem ser ele um artista, poderia ele negar que fossem homens. E isto seria uma censura maior. Digam antes: Ele é um artista, porque é um homem. Podemos fazer mais perfeitamente o que ele faz, e ser por isso festejados, mas o que fazemos é algo universal, humano, a cada hora praticado no burburinho das ruas. Para o homem tão bom quanto respirar e comer. Assim o seu teatro nos leva de volta às questões práticas. Nossas máscaras, digam nada são de especial, enquanto forem somente máscaras. Ali o vendedor de xales põe o chapéu redondo de sedutor, segura uma bengala, até um bigode cola sob o nariz, e atrás do seu balcão dá uns passos alegre indicando a vantajosa mudança que através de xales, bigodes e chapéus logram os homens. E nossos versos, digam: Vocês também possuem! Os vendedores de jornais gritam as manchetes em cadências e assim intensificam o efeito e tornam mais fácil a repetição constante! Nós falamos textos alheios, mas os namorados, os vendedores, também aprendem textos alheios, e com que freqüência. Todos vocês citam ditados! Assim máscara, verso e citação tornam-se comuns. Mais incomuns a máscara vista com grandeza, o verso falado bonito e a citação apropriada. Mas para que nos entendamos: Mesmo se aperfeiçoassem o que faz o homem da esquina, vocês fariam menos do que ele, se o seu teatro fizessem menos rico de sentido, de menor ressonância na vida do espectador, porque pobre de motivos e menos útil.
Posted on: Sat, 10 Aug 2013 17:25:57 +0000

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