Venta-se, e nada seria mais encantador. Sombras, outrora contidas - TopicsExpress



          

Venta-se, e nada seria mais encantador. Sombras, outrora contidas pelo gás da lamparina, vadeiam quando cessa o branco-flâmula das jangadas. Tardinha, mas ele não estava com o seu kipá de outrora fresco vermelho. Era longe, nas certezas apagadas daquela semana barrenta. O calor depurou o veludo do chapéu no desgaste macio de dedos alongados. Há gaivotas que fogem dos pedestres; em guitarras inaudíveis do condado portucalense, ciganos interpretam motivos amantes do cais. Seu peito arfante e desinteressado, completamente à mostra do sal, resguarda-se no trapézio casual e de botões caqui em tecido quadriculado. Aspergiu, imediatamente à chegada, o tonel de ardor solvente no azul que era murcho – mar, céu e janelas bradaram seu encanto, com o firmamento longínquo dominado pela victória-régia, ou feito a graúna que percorre esse imenso vau onde os mortos foram consumidos. Em sua aquarela estrangeira não florescem pêlos, o peito magro é como a nuvem limpa, sem ferros, cortes ou nuances de quaisquer cuidados, não se vê a marcha dos brutos ou as linhas dos músculos comerciantes. Pés ao mar e concha de tamanho médio no balcão da cama, zumbido no deserto monocromático, bafo indelével da cachaça que não se intimida. Outro lugar. Por aqui, na mercearia esfumaçada da Tonha, vejo os teus chinelos caramelizados a borrar um piso de tacos soltos. Cigarros, quem sabe. Objetos decorativos de toda ordem povoam o recinto. Há também machos que não exijo nenhuma cumplicidade, potros sem curral e de piroca na mão, boné de propaganda e mandados de açoites. Estavas de mocassins venezianos e a serigrafia do tigre descascando na camiseta, passeava numa motocicleta velha, embalado no i-pod com a vibe do momento. Na alucinação rápida do meu breu, lavei o piano como se fosse o teu corpo/ em casa, te toquei, sem jamais possuí-lo com todas as notas, e de olhos lacrados, escutei a respiração grave e melódica das cordas marteladas/ eu também rezei em você, uma novena inteira do fervor e desassossego. Prometo-te, Kaiser sem arreios, que meus dentes não iriam ferir. Venha, ata-me aos mundos, meu nobre de alma, e pela minha boca eclodem faraós embrionários, dos goles aquecidos por homens em sarcófagos como o teu/ Sem o bigode, basta um fio contorcido desse pau/ embora, como promessa, também aceite meia rolha, ou essa rôla por inteira nas fendas e orifícios que tomei dos arcanjos. Olho minha faca, aquela da prima. Onde escorre o desejo que furo? Percorro lojas modestas com os seus heróis vencidos. Amores vingados nos ateliês-galerias. Cafés e porta-retratos imunes às paragens e enchentes. Vejo que o pau dele não é lá grande, mas poderia, no estalo e no improvável da terra erma dos romançus, ser meu-e-dele. Não peço tanto: meus lábios urticantes dissolvem tecidos, fluidos, impulsos elétricos e proteínas do sêmen em um manto todo-amarelo suave e adocicado do mais espanhol dos melões. Do pé d´água que escorre, misturo e pincelo com cerdas de porco, revela-se o opaco silencioso daqueles prédios, seis, oito, apenas e escassos; dois ou três, pavimentos artesanais e cômodos reduzidos. Deixa-me no frio da estiagem, não tem encontro; logo à frente do açougue, entre fados com essas mulheres acasaladas, busco-te nas estrelas. Recuo da janela carpideira, e não permita que o frescor inchado dos violoncelos alcance-me, calque-me. Madrugada, noite sem o banho nu: “Seu Ògún, Beira-Mar, o que me trouxe o mar?”. (...) Estreitas serão as vielas, as cavalgadas. Tenho fome. É noite de baile no Solar. Cambeio a sapatilha gasta no couro de jegue, a terceira nos tamanhos que localizei para o mercado dos dias. Calçado na pele de cobra esverdeada, bico fino retangular, pequeno luxo manual. Um cravo branco no alfinete, linho com bordados de renda da madrinha. Reflexos intraduzíveis no céu que omitem o sinal do futuro. Não me tocas, mesmo, e, sobretudo, com o teu olhar de relance. Há passos silenciosos no escuro da lua. Não me ame, especialmente e, por favor, não me queiras com tuas loas. Sigo, sem qualquer confiança no caminho impreciso. Obsequiosamente, me afasta o beijo que foi só teu. Desde outros tempos, no mesmo salão de poucos livros mofados, escuta-se ao mar assustado. Sua Graça, o anfitrião irreconhecível das narrativas épicas, transita com familiaridade entre os seus poucos convidados, alguns de família – vê-se aquele homem ornado por uma casaca, o mais fino capote real em pescoço de raposa. Qualquer coisa discreta, lenço cortês de seda no bolso, pequeno broche na lapela, cálice pintado, prataria a perder a data e seus bordados renascença. Era o secretário da então Viscondessa ao telefone, no desjejum, sete meses atrás. Caíram-lhe os títulos com a revolução dos meus pais. Hoje, vestida com a neblina, e suspensa pelos nossos destinos amaldiçoados, abraçamo-nos por uma valsa enternecida e triste. Minhas pernas raspadas com a sua fina meia de seda. Outra vez, é a lembrança do punhal que nos buscou e, agora, tange os nossos reencontros pelo toque da cavalaria. A mais formosa, e única irmã, cujo singular do amor arrastou-me para a ilha ensolarada dos jaguares. Ele também veio, trouxe rosas holandesas no cesto de ofertas. Seu convidado de cachos elegantes, um homem Askhenazi, o dourado encaracolado da orelha direita, ou um dread estilizado pela história. Perdeu a mãe logo cedo, a filha do Duchi. Cresceu longe dos ortodoxos, e no brinco esquerdo ímpar, tem um puro diamante cor-de-rosa, que de uso-diverso pertencia ao anel do seu avô. Fugiram no entre-guerras de algum tempo. Aqui, ali, e mesmo acolá, ele preza a liberdade de não ser ninguém. Desertor, com porte marcial. Chegou recente ao ilhote de modestas proporções. Sabe-se noivo, viajante e anestesiologista: observa, como nas horas livres de fotógrafo, as criaturas e os objetos postos a dormir! Veste um colete sóbrio de pele, aberto e peito tricotado. Anel, botinhas, botões, fivelas, ferrolhos: friagem nas costelas. Com as velas dispersas ao caminho, seus olhos revelam-se tristes como a doçura crística d´além mar. Sem cruzes. Sou dele. Estamos molhados, bêbados e trazemos o mar e os roçados conosco. Disse que eu poderia aguardar as procissões da manhã nos sofás das instalações que ocupa. Não me importo – dizemos um ao outro. Às vistas, próximo ao abajur, estão os abotoadores e seus prendedores. Troco as minhas com as dele. Senta-se numa cadeira larga de confortável madeira crua, varanda com portas abertas e talhadas, ele traga à sua própria fumaça. Absorto e cansado do fiteiro, com as pernas cruzadas, talvez jogada sobre a outra sem qualquer esforço. Você continua lindo, penso. Dias na praia que não passaram. No banheiro, o rosto onírico, cheiro de algas arenosas, vejo que perdi algumas gemas da camisa. No espelho de um palmo largo e redondo, ele está com a minha abotoadura – carregada de séculos, vidas e bruxarias. Achas que tenho cara de veado?! Aparentemente, hora de dormir. Contenho-me da risada. Pensei no cú dos príncipes – no dele, em especial –, como tapete de pigmentação fleumática, felpudo e impoluto, a ensejar uso e passagem das bigas de Cícero e carruagens de Louis. Gosto dos homens Romanos, fosse o caso. Mas só pensei. “De onde tu vens, afinal?”, chancela-me. “Do Sertão, no pau-de-arara”, replico. Ele sorri, de um modo pouco familiar, quase arisco. Sem nenhuma pressa. Um ventilador uiva com a quentura desconfiada e idiota. Saudades desse olhar puto que me enxerga em outro mundo. Pergunta se me reconheço nos códigos da África-Mãe, ou dos mouros. O que te sobra de prudência, beibe, quando perder a roupinha e o cabaço com esse mestiço da colônia rebelde? Um sopro longo do mar... (...) Souvenires em línguas que não me interesso. Há pelicanos como que de vidro incandescente, é o nascer do sábado. Bicos longos, pés abertos com gentileza e equilíbrio – manhã onde o cavaleiro-bailarino desliza ereto e saciado nas areias. Revoam antes da queda que ele provoca nos encaixes daquela vila de paredes escamadas. As pedras não se acostam pelo acaso da morte, adornam as ruínas abandonadas e sustentam os afrescos desbotados na contra-capela do padroeiro. Vais mexer com o santificado? Ainda ébrio, deixa-me salivá-lo como ao teu saxofone. Sem ar, fora do ar. Queria te beber, como insinuo minha traqueia pela cauda espessa do vaporoso. Degusto, pelas migalhas do vagar; do excesso que roça minha garganta, cuspo o remanescente na taça, oleosa e já sem função na cozinha matinal. Organizo a colher do plástico sujo, ângulo reto com o pires vulgar de supermercado que te fiz o favor de quebrar. Leva-te com o sol já plenamente refletido, porque o cabra não deve ter medo do pedido. Resta-me o sal que alastra o imperturbável e despeça a magia. Caminho, assento-me ao lado de uma sanfona com triângulo enferrujado: emboscada lírica do meu baião! Na tarde, sou parte no lamento entre o gradil sujo, flores poluídas na maresia e a vendedora com o lilás cansado no avental. No descampado desse telhado, sozinho, ainda reparo nos jasmins abundantes e selvagens. A cabeça do meu pau escapa ao pijama listradinho de algodão – não quer coisa alguma, senão brincar junto aos passarinhos do teu poente. O caseiro foi embora, é feriado. Meu irmão não virá – sem descanso fácil. (...) (07.01.13) The Earl of Backlands, known as Sire Vizzy, the Percolator welstschemerz.blogspot.br/2013/01/the-earl-of-backlands-known-as-sire.html
Posted on: Mon, 28 Oct 2013 07:00:27 +0000

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