Vivia-se o período pós Guterres com os primeiros sinais da crise - TopicsExpress



          

Vivia-se o período pós Guterres com os primeiros sinais da crise financeira. Na Saúde tinha tomado posse como Ministro o Dr. Luís Filipe Pereira. Ensaiava-se a empresarialização dos hospitais públicos como um dos remédios que curariam a medicina pública. Tempos de enormes desvarios e de soluções precárias que não auguravam nada de bom para o SNS. No Congresso da Sociedade Portuguesa de Oncologia em 2002, há precisamente 11 anos, e na sua sessão de abertura coube-me a mim na qualidade de Presidente fazer o discurso de abertura perante o Ministro da Saúde. Exprimi a minha preocupação pela diferença de resultados obtidos na terapêutica oncológica de acordo com o estatuto económico de cada um. O perigo de que o SNS resvalasse precisamente para o que assistimos hoje. Uma saúde para ricos e outra para os pobres. No momento eram preocupações, hoje são evidências. Tudo perante o olhar despudorado, dos que com responsabilidades políticas, assumem esta evidência como um mal menor esquecendo tudo o que lhes tinha sido ensinado pelos seus mestres. Para que conste, aqui publico esse meu discurso em 2002, não muito longe das conclusões do estudo abaixo mencionado. Exmo. Sr. Ministro da Saúde, Dr. Luís Filipe Pereira Exmo. Sr. Dr. Adriano Natário em representação do Exmo. Sr. Diretor Geral da Saúde Prof. Pereira Miguel Exmo. Sr. Presidente do Conselho Nacional de Oncologia, Dr. Albino Aroso Exmo. Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos, Dr. Germano de Sousa Exmos. Representantes de Organizações Governamentais e Não Governamentais Caros Colegas e amigos, Minhas Senhoras e Meus Senhores, Na qualidade de Presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, é para mim uma enorme honra proferir a mensagem de abertura deste IX Congresso Nacional de Oncologia, o primeiro do século XXI. Honra e responsabilidade ao recordar, a estatura humana e a craveira científica de todos os presidentes da Sociedade Portuguesa de Oncologia desde a sua fundação o que ocorreu há precisamente vinte anos. Honra e respeito, ao encontrar-me perante altos responsáveis políticos, corporativos, associativos e científicos da nossa sociedade, facto que obviamente traduz o peso e o respeito pelo cargo institucional que aqui represento. Honra e dever, ao manter vivo no meu espirito a certeza de que à Sociedade Portuguesa de Oncologia cabe um papel fundamental como parceiro social na definição de uma política oncológica nacional. Esta certeza justificou as Jornadas organizadas em 2001 em Coimbra sobre “Plano Oncológico Nacional” e “Qualidade em Oncologia”, e justifica o tema da conferência que irá ser proferida nesta sessão de abertura do Congresso pelo Dr. Fernando Leal da Costa sobre “Rede de Referenciação em Oncologia”. Justifica ainda a pretensão por diversas vezes transmitida por superiormente, mas nunca atendida, para que a Sociedade Portuguesa de Oncologia, representada pelo seu presidente, integrasse o Conselho Nacional de Oncologia. Aproveitando esta sinergia de responsabilidade, respeito e dever, decidi abordar um tema incómodo, mas para o qual somos particularmente sensíveis. O da desigualdade social como factor major na evolução prognóstica da doença oncológica. Faço-o, não porque este tenha sido um problema salvaguardado anteriormente, bem pelo contrário, mas porque considero fundamental que seja devidamente acautelado em futuros modelos de gestão hospitalar. Vivemos numa época em constante transformação, com benefícios resultantes da globalização, da livre circulação de informação, da melhoria das acessibilidades e dos progressos científicos e tecnológicos que caracterizaram as ultimas décadas do século XX. Contrastando com esta evolução positiva, vivemos uma época de crise em que a atividade é condicionada por factores maioritariamente económicos e financeiros, com uma notória quebra dos valores tradicionais da nossa sociedade. Nestas circunstâncias, seria tranquilizador sabermos que os valores da igualdade, da liberdade e da solidariedade, valores que caracterizam os modelos sociais na Europa Ocidental, continuarão bem vivos, manter-se-ão consignados na lei, e por força desta serão devidamente cumpridos. Vem este assunto a propósito da empresarialização dos Hospitais. Desde já afirmo, que há muito assumi publicamente a necessidade de mudança dos regimes jurídico, de trabalho e de remuneração nos Hospitais, considerando o regime atual como ultrapassado e injusto, quer para os profissionais mais qualificados e empenhados, quer para os doentes. A este propósito, em Fevereiro de 2001 escrevi na comunicação social. “A Administração Pública deverá ter a capacidade de adotar uma atitude reformista, conferindo aos Centros do IPO uma autonomia técnica, administrativa e financeira que lhes permita a definição dos seus próprios regimes de carreiras, de quadros, de trabalho e de remuneração. Terá ainda de saber promover a necessária clarificação dos limites do exercício médico público e privado, desenvolvendo regimes de trabalho e remuneração que possam constituir factores de atracão, de fixação e de incentivo para os profissionais mais capazes”. A esta consciencialização individual sucedeu-se uma consciencialização coletiva, cruzando a maioria da sociedade civil e do espectro partidário nacional. Na sequência desta tomada de consciência, e atendendo a que o Estado ao longo de décadas foi incapaz de promover a sua própria reforma, surgiu o modelo da “empresarialização” com a transformação dos Hospitais em sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos. Apesar de pensar que esta é uma mudança que pode descaracterizar as instituições, esta solução será bem-vinda desde que salvaguardada a especificidade das instituições, e a sua integração em planos de assistência de âmbito nacional. No caso do IPO é fundamental, salvaguardar a lei orgânica que consagra os seus objetivos fundamentais de investigação, ensino e assistência, e a sua integração como patamar de referência numa política oncológica de âmbito nacional. O Plano Oncológico Nacional. Salvaguardadas estas questões, as minhas palavras têm exclusivamente a intenção de alertar para a necessidade de salvaguardar uma maior justiça social, e de evitar os custos sociais que as próximas mudanças poderão comportar ou acentuar. Falarei de duas questões relacionadas com o tema da desigualdade social. O direito à igualdade na acessibilidade ao diagnóstico e tratamento oncológico e o direito à assistência diferenciada em todas as fases da doença. O aumento da duração e qualidade de vida da população em geral e do doente oncológico em especial, tem sido influenciada ao longo dos séculos pelo meio social em que o doente se insere e pelo seu nível educacional e económico. A prevalência das doenças neoplásicas é maior nas camadas sociais mais desfavorecidas, o diagnóstico é efetuado em fases mais tardias da doença e a acessibilidade ao tratamento é manifestamente desigual. Esta é uma constatação demonstrada em inúmeros estudos, e comprovada na nossa vida clinica diária. A consequência óbvia é uma maior mortalidade por cancro nos estratos sociais mais desfavorecidos. A maior prevalência de doenças oncológicas nas camadas sociais mais baixas é um problema de saúde pública que é necessário e urgente resolver, e no qual a prevenção primária e a saúde ocupacional assumem um papel fundamental. O problema do atraso do diagnóstico das doenças neoplásicas é um problema dos cuidados de saúde primários, cuja eficiência será necessário rever e melhorar, tendo já sido tomadas medidas para a requalificação dos Centros de Saúde. Mas é a questão da acessibilidade à terapêutica diferenciada que será objeto da minha análise, pois parece-me ser aquela que poderá comportar maiores injustiças. Em estudos efetuados no Reino Unido, o tempo de espera para actos terapêuticos é substancialmente diferente quando se comparam dois grupos: um de doentes oriundos do meio rural e outro constituído por quadros médios e superiores. Nestes últimos, a capacidade de pressão a vários níveis do sistema de saúde, proporciona muitas vezes uma mais rápida acessibilidade à terapêutica, com evidentes atropelos, justificáveis unicamente pela desordem do pensar individual e coletivo que caracteriza o cancro. Para além deste regime de autêntica excepção, por dispor de maior capacidade económica este grupo pode ainda habitualmente optar pela rapidez que caracteriza os regimes de assistência médica ligados á medicina liberal. Pelo contrário, os doentes oriundos de estratos sociais mais desfavorecidos, sem qualquer conhecimento da realidade hospitalar, sem conhecimentos, sem capacidade reivindicativa, e sem capacidade económica, aguardam em intermináveis listas de espera com evidente agravamento prognóstico e piores resultados terapêuticos. Esta é uma realidade que terá de ser encarada e corrigida nos futuros modelos de gestão. Assim a sociedade civil entenda que não deve nem pode ultrapassar os limites impostos por qualquer lista de espera. Assim os doentes entendam que é seu dever respeitar os direitos dos outros doentes. Assim saiba o Estado assumir a existência de listas de espera em oncologia, reconhecer publicamente a gravidade desta situação, e encontrar alternativas que possam reduzir especificamente estas listas, compreendendo que nada têm a ver com as listas cirúrgicas para tratamento de outro tipo de doenças, e que as soluções terão de ser necessariamente diferentes. Na abordagem multidisciplinar da oncologia, a qualidade do acto cirúrgico é um dos factores de prognóstico mais importante para a sobrevida do doente. Esta evidência médica terá de condicionar toda a política de recuperação das listas de espera em oncologia, tornando difícil a simples contratualização de serviços. Mas para além deste aspeto, outro há em que este novo modelo organizativo poderá acentuar os custos sociais resultantes da empresarialização. Trata-se do direito à assistência diferenciada em todas as fases da doença oncológica, quer se trate de fases geradoras de riqueza para os Hospitais/Empresa, quer se trate de fases que geram um enorme deficit económico para as mesmas. Em todos os projetos que li relativos à passagem das unidades hospitalares a sociedade anónimas de capitais públicos, não vi salvaguardado o direito ao tratamento oncológico continuado em doentes paliativos. Será que o tratamento destes doentes, por ser francamente deficitário, deixará de constituir uma das muitas atribuições dos Hospitais/Empresa? Será que as Unidades hospitalares constituídas em sociedades anónimas não irão delegar nos cuidados primários a função de apoiar estes doentes escusando-se elas próprias à sua intervenção? Será que os cuidados primários, eles próprios em fase de alteração do seu modelo de gestão, estarão interessados em envolver-se em atividades com um retorno financeiro duvidoso? Qual a liberdade deixada aos clínicos para exercerem de uma forma livre todo e qualquer acto médico, independentemente do seu custo desde que medica e humanamente justificável? Também aqui a desigualdade social e a capacidade económica irão influenciar o futuro de cada português afetado por cancro. Estas são algumas das muitas preocupações que pairam no meu espirito nesta fase de mudança e que aqui deixo como reflexão para todos os presentes, responsáveis políticos e médicos. Entendam-nas como preocupações lógicas, lícitas e humanas para quem a luta contra esta terrível doença tem constituído um dos principais objetivos da vida profissional, e não como um obstáculo às medidas agora propostas que terão como já disse todo o meu apoio. Compreendam-nas como o desejo de uma sã convivência entre um estado liberal não fundamentalista e um estado cada vez mais social. Antes de terminar, não quero deixar de manifestar e exprimir alguns agradecimentos e votos. À Industria Farmacêutica que viabilizou financeiramente o Congresso e sem os quais seria impossível encarar esta organização. Ao Sr. Ministro da Saúde por ter acedido, em momento difícil da governação, ao pedido para estar presente nesta sessão, sabendo de antemão como são grandes as nossas expectativas e interrogações. À Comissão Organizadora deste Congresso e à minha secretária Maria Helena Reis pelo seu desempenho na organização do mesmo. Finalmente, três votos. O primeiro para que este Congresso corresponda às expectativas de todos os oncologistas portugueses, e que possa servir para ajudar a corporizar a identidade de uma verdadeira oncologia portuguesa que corte transversalmente as mais diferentes especialidades médicas e não médicas, todas elas necessárias á abordagem multidisciplinar do cancro. O segundo para a futura Direção desta Sociedade. No decorrer deste Congresso irão ser eleitos em Assembleia-Geral os novos corpos diretivos da Sociedade Portuguesa de Oncologia. Sendo o Dr. José Silva Ferreira, Diretor do Serviço de Oncologia Médica do Hospital de S. João no Porto, o Presidente proposto por esta Direção para o próximo triénio, desejo-lhe as maiores felicidades no desempenho do cargo fazendo votos para que no seguimento de todos os anteriores presidentes da Sociedade Portuguesa de Oncologia, consiga levar esta sociedade ao lugar de intervenção científica e política que na realidade e por direito próprio lhe cabe. O terceiro é dirigido ao Sr. Ministro da Saúde. Para benefício dos doentes oncológicos, faço votos para que em estreita colaboração com os oncologistas consiga levar por diante o ciclópico desafio que certamente só por dever cívico aceitou enfrentar. Se o vencer, ganharemos todos, e ganhará Portugal. A todos os presentes o meu mais reconhecido obrigado pela vossa presença. Servir a Sociedade Portuguesa de Oncologia foi para mim um desafio e uma honra profissional que nunca esquecerei.
Posted on: Wed, 02 Oct 2013 22:43:41 +0000

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