Carta ao sr. Satanás Senhor Satanás, Não sei se o senhor existe - TopicsExpress



          

Carta ao sr. Satanás Senhor Satanás, Não sei se o senhor existe realmente e claro que isso pode prejudicar bastante a minha iniciativa, mas como só saberei se tentar, arrisco-me a mandar essa carta e fico esperando ansiosamente e resposta. Na verdade, não quero lhe propor um pacto, como fizeram Fausto e o nosso Riobaldo Tatarana, pois, graças a Deus – não se ofenda – ,tenho levado uma vida relativamente tranquila e, pelo menos no momento, não estou precisando de sua ajuda para obter qualquer coisa. O que quero, se aceita a minha humilde oferta, é ajuda-lo. Se bem me lembro, uma de suas funções é castigar os maus, aqueles que afligem aos outros nessa vida. Pois bem, conheço algumas dessas pessoas e gostaria de propor alguns suplícios para elas. Saiba que não só eu, mas muitos outros serão eternamente agradecidos ao senhor. Estou falando basicamente de dois capitalistas: - O dono das Pamonhas de Piracicaba. - e o dono da distribuidora de gás de toca Pour Elise. Esses dois homens, senhor, estão entre os maiores torturadores que esse planeta conhece. O senhor dirá que estou exagerando e que aí no Inferno estão ninguém menos do que: - Nero, Tamerlão, Átila e Gengis Khan; - Torquemada, Papa Doc e Idi Amin; - Franco, Hitler e Stalin. Eu diria que é um time respeitável, do goleiro ao ponta esquerda, mas ouça meus argumentos. Todos esses homens foram realmente maus, mas o castigo que impuseram à humanidade teve uma duração relativamente curta no tempo. Já estes, não. Toda semana, para não dizer todo dia, e há muitos anos, eles nos vem torturando com seus insuportáveis pregões ou martelando nossos pobres cérebros com aquela musiquinha desgraçada até nos levar ao desespero. Como vê, eles não matam pessoas, mas pertencem à linhagem dos torturadores requintados, aqueles que sabem como levar à tortura através de um processo pavloniano de repetição insuportável. Nossos neurônios vão sendo esmagados, nossa cabeça quer explodir, nosso humor se turva e se estamos realizando algum trabalho que exige concentração, simplesmente temos que abandoná-lo até que a ladainha cesse. Há também casos de pessoas que trabalham até tarde e por isso querem ter o modesto prazer de ficar na cama por mais alguns minutos. Querem, mas não conseguem. Por mais que tentem, é impossível prosseguir no sono diante da metralhadora sonora que não cansa de disparar sua aborrecida mensagem. E os pobres que querem ouvir música? Simplesmente têm que desligar seus aparelhos. É impossível ter esse tipo de prazer quando a melodia é atravessada pela “pamonha fresquinha” ou pelos acordes agonizantes de uma música que nunca avança de um determinado ponto, como se Sísifo a estivesse interpretando. Aí estão, senhor Satanás, os motivos que me levaram a escrever. Ajunte a isso o fato de morarmos numa cidade grande, com muitos prédios, e terá uma ideia do efeito desagradável de reverberação que vem explodir em nossos ouvidos. Agora gostaria de propor uma pena exemplar para eles, senhor. Gostaria que quando chegassem ao Inferno o senhor os mandasse prender numa sala apertada por duzentos anos. Nessa sala, só teriam uma coisa para comer: pamonhas, e um sistema de auto-falante de quinta categoria tocaria aquele pedacinho de Pour Elise 24 horas por dia. Creio que isto seria um bom castigo. Aliás, enquanto estava escrevendo essa carta, um som arrasador começou a se insinuar no fim da rua. Aos poucos ele foi crescendo e no fim pude distinguir a seguinte mensagem: “O caminhão da uva chegou na sua rua! Caixa de uva do Rio Grande do Sul por apenas três reais!” Esse eu não conhecia, mas pode incluir na lista. Certo de suas providências, despeço-me com votos de apreço e consideração. TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO "Crônicas para ler na Escola" José Roberto Torero
Posted on: Wed, 02 Oct 2013 13:03:44 +0000

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