'Eles falam de paz. Porque não têm que andar nos ônibus - TopicsExpress



          

'Eles falam de paz. Porque não têm que andar nos ônibus lotados, por horas, todos os dias. Não têm que abarrotar os trens, os metrôs, os pontos e estações. Falam de paz porque quando alguém da família precisa de médico é prontamente atendido, não precisam esperar na fila, nem encontrar falta de medicamentos, de recursos básicos, de médicos, de material cirúrgico, de macas, de respeito. Não são abordados com gritos por policiais truculentos, não têm conhecidos, vizinhos, parentes que sofreram violências ou foram mortos pelo Estado. Não têm casas crivadas de balas de um monte de calibres, nem têm que se jogar no chão quando começa o barulho de paredes sendo atingidas. Sem violência? Como assim? A violência é cotidiana e contra os mais pobres, os que constroem, mantêm e sustentam a sociedade. Resvala muitas vezes pras classes médias, sobretudo as mais baixas. Mas também, embora raramente, até as mais altas, como agora há pouco, no Leblon, quando vários “expoentes’’ dessa classe que tem voz na sociedade disseram que, “dessa vez, a polícia passou dos limites”. Claro, os limites territoriais sociais. Havia duas semanas da operação policial na Maré que deixou mais de uma dezena de mortos. Ali a polícia não tinha passado dos limites. No Leblon ela atirou bombas de gás e de efeito moral, gás lacrimogênio e gás pimenta sobre a manifestação contra o governador. Na dispersão em correria surgiram grupos que, na fuga, foram quebrando tudo o que encontravam pela frente, sobretudo bancos e lojas de marca, mas também lixeiras, telefones, pontos de ônibus e bancas de jornais. Houve perseguição e espancamento, havia muitos filhos do Leblon e cercanias, alguns foram alvo. Nada além do que se tem feito cotidianamente pelas ruas e muito menos do que se faz nas áreas periféricas, nas favelas e lugares pobres. Ali se mata, se tortura e se negam os direitos fundamentais definidos na constituição federal, ali se violam direitos humanos, todo dia. Mas foi “dessa vez” no Leblon que a polícia “passou dos limites”. E eles pensam que podem falar em paz. Não sabem o que dizem. Não há paz, a periferia que todo dia penetra a cidade pra fazer tudo funcionar vive num inferno causado pela ausência e pela presença do Estado. Ausência do necessário a uma vida digna – a que está na constituição – e presença de repressão violenta, da cooptação para o exército do tráfico comandado das altas camadas da sociedade e encontra ali as condições ideais de instalação, pela situação de barbárie que a ausência do Estado proporciona. Os donos do tráfico têm suas empresas de exportação e importação pra lavagem de dinheiro, além dos múltiplos recursos do sistema financeiro, falam línguas, se movimentam nas altas rodas, “contribuem” nas campanhas eleitorais, circulam nos círculos do poder com intimidade. Qual traficante de morro poderia tratar com os trâmites do sistema financeiro internacional, inclusive comprar armas das mais diferentes nacionalidades, negociar a passagem delas pelos portos e aeroportos, distribuí-las nos pontos de tráfico onde chegam as drogas, que percorrem caminhos internacionais, também? Não duvido que alguns morem mesmo no Leblon. Como juízes, artistas famosos, militares de alta patente, desembargadores, diplomatas, empresários, não quero criminalizar o bairro – não acho justo ser criminalizado, por isso não criminalizo. Mas é só agora que a polícia passou dos limites? Os crimes tramados em ambientes como os do Leblon, dos bairros mais ricos de qualquer lugar, atingem milhares de famílias, às vezes milhões. Atingem de forma institucional e implacável, destroem vidas, sabotam infâncias, adolescências, juventudes, velhices, de extensa parte da população. E produzem os ambientes de carência, ignorância e alta criminalidade. Depois, os mesmos causadores e seus cúmplices políticos atiram a segurança pública pra cima. Mandam atacar as vítimas, barbarizadas, sabotadas, tratadas como animais e agindo de acordo, como consequência. Nas periferias mata-se todo dia. O Estado mata. A polícia mata (o sistema de saúde mata, o sistema de transporte mata, o sistema financeiro mata,...). Mas só agora a polícia passou dos limites. O Estado passa dos limites todos os dias, nas periferias, onde a sabotagem educacional e a narcose midiática sequestrou as consciências. Seria um sonho se essas pessoas com voz, ouvidas pela sociedade, percebessem que não é de agora que a polícia passa dos limites, não. É de sempre, desde que se tem notícia. E, finalmente, se solidarizassem. Percebessem sua participação e sua responsabilidade nisso tudo. E que investimento em repressão não resolve, nem passeata de branco pedindo paz. A miséria física integrando uma sociedade é resultado da miséria moral nos poderes que a controlam. E, por favor, não estou falando dos poderes ditos “públicos”. Seria um sonho, porque sei muito bem que é um sonho. Conheço a dificuldade dos privilegiados em reconhecer nos seus privilégios inclusive, mas sobretudo nos privilégios das grandes empresas, que dominam políticos e instituições, a causa da barbárie social, da miséria, da pobreza, da ignorância, da desinformação, da alienação, da criminalidade. A causa da violência que, na verdade é o retorno, o refluxo da violência estatal de todos os dias, a serviço dos lucros desses poucos, que inferniza e sacrifica milhões de vidas, impedindo seu desenvolvimento com dignidade. Essa realidade é visível pra olhos envolvidos ou isentos. Quem analisa as coisas com a interferência da própria vontade só pode chegar a conclusões convenientes. PS – Sei muito bem que há exceções entre os abastados, os que têm acesso aos seus direitos e também a privilégios. Grandezas e pequenezas há em toda parte. Essas exceções são freqüentemente discriminadas, motivos de piadas ou antipatias em seu meio. É preciso lembrar que ser exceção, em termos de consciência, resulta em responsabilidade, sobretudo quando se dispõe de direitos e privilégios – que os mais primários têm como superioridade. Em qualquer classe social. Estou ouvindo tiros agora, deve ser no Souza, talvez no Beltrão. Quando é no Vira, o som vem do outro lado. Alguém pensa que são balas de borracha?' (EDUARDO MARINHO)
Posted on: Tue, 23 Jul 2013 04:50:33 +0000

Trending Topics



; min-height:30px;"> Dopo 4 anni in roulotte per stare vicino, notte e giorno, ai
VEHICLE DUTY LOANS NOW AVAILABLE PAYABLE OVER 1yr WHILE YOU DRIVE
This system actually promotes for you (any business) around the
Wild west Eagle... Chrome Mirror (16 X 15 inch) W7X69 // Z6TR454 -

Recently Viewed Topics




© 2015