1. O “EVANGELHO DA - TopicsExpress



          

1. O “EVANGELHO DA LIBERDADE”_______________________________________ Este é o último do 2º capítulo do mais recente livro de José COMBLIN26, e pode servir também como título da breve parte final do nosso estudo. A promessa que Jesus faz em Jo 8,32 é de tão longo alcance que é um verdadeiro “evangelho”, a “boa notícia” por excelência, cujo conteúdo, porém, parece estar na sombra, diluído, no meio de uma sobrecarga de conteúdos religiosos diversos que não permitem captar o seu núcleo central. E qual é esse núcleo? Qual é essa “boa notícia”? PAULO, no Novo Testamento, entre várias outras diferentes expressões da mesma novidade, que em fim de contas é Jesus, o Cristo, “aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e os profetas” (Jo 1,45), Paulo identifica esse “evangelho” com a liberdade, com o anuncio da Liberdade. Cito COMBLIN: Ele “anuncia a passagem de um sistema de vida caracterizado pela escravidão, para uma vida na liberdade. Tudo, segundo Paulo, pode ser resumido numa palavra: liberdade. Todos os elementos do Cristianismo recebem a sua luz desse enunciado fundamental. Todo o resto concorre para a liberdade e somente o cristão constrói a liberdade: Vós fostes chamados à liberdade, irmãos (Gl 5,13). É para a liberdade que Cristo nos libertou. Permanecei firmes, portanto, e não vos deixeis prender de novo ao jugo da escravidão (Gl 5,1)”27. Continua COMBLINA: “Paulo toma a palavra liberdade num sentido muito amplo e lhe confere um alcance radial. Para ele, a liberdade basta para marcar toda a distância entre o judaísmo histórico e o evangelho de Jesus. A liberdade é o caráter que atinge a totalidade do modo de ser do discípulo de Jesus... De fato, a liberdade de Jesus muda tudo, todas as relações humanas, a ponto de Paulo poder proclamar: Não há mais judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há mais homem nem mulher, pois todos vós sois um no Cristo Jesus (Gl 3,28). Não somos mais escravos de Deus, mas filhos... e, se filhos, herdeiros, participantes livres de tudo aquilo que é do Pai (cf Gl 4,1-7)... Ora, esse “anúncio da liberdade”, que nos toca tão fundo ainda hoje, porque tem sua raiz no mais íntimos do ser humano, é uma vocação e um chamado, mesmo sendo também um dom. É dom de Deus, mas é tarefa nossa “tarefa nunca acabada, promessa nunca cumprida, objetivo nunca conseguido, mas sem ele a vida não teria sentido”28. Por isso, continua COMBLIN, “Paulo define a liberdade como vocação, chamado e apelo. E a vocação é tão forte, tão exigente, que os gálatas não podem olhar para trás, não podem voltar a um estado de escravidão, inferior ao estado de liberdade ao qual, pela fé no Cristo, foram promovidos”. Mas se é assim, e agora COMBLIN pergunta: “Por que esse evangelho da liberdade é tão pouco conhecido entre os católicos?” E “por que será que, desde cedo, as Igrejas preferiram o evangelho de MATEUS como seu ‘manual de catequese’ – sem entendê-lo devidamente – ao invés do ‘evangelho de PAULO’?” O fato é que, “depois de tantos séculos de cristandade, herdeira do Império romano-cristão, a liberdade tornou-se tão alheia aos cristãos que muitos suspeitam de que se trata de uma ‘arma do inimigo’, e acham que a liberdade é um movimento contra Deus. Durante séculos os cristãos forneceram suas tropas mais fiéis aos ‘conservadores’ e os partidos cristãos denominaram a si mesmos de ‘conservadores’, tanta era a identificação do Cristianismo com a ‘ordem estabelecida’, e da liberdade – chamada liberalismo – com a anti-religião. No entanto, no Cristianismo primitivo o valor supremo não era a última palavra da religião...”29 Até aqui, algo das provocantes considerações de COMBLIN, que insiste em denunciar o “medo da liberdade” que acompanha a história da Igreja até nossos dias e do qual são sintomas, segundo ele, até documentos recentes do Magistério que poderiam ter anunciado com coragem a liberdade, como as duas “Instruções” sobre a Teologia da libertação – Libertatis Nuntius e Libertatis Conscientia, de 1984 e 86 - e mesmo a encíclica Veritatis Splendor, de 1993, que estuda precisamente a relação entre Verdade e Liberdade e “constitui um avanço importante”, embora “ainda não resolva todas as dúvidas”...30 Voltando agora ao texto de jo 8,32, que foi o nosso ponto de partida, vemos nele uma convergência com o “evangelho de Paulo”. No seu conflito com os judaizantes, Paulo, na carta aos gálatas, insiste na liberdade do cristão frente às práticas e ritos e todo o sistema do judaísmo, que ele ousadamente resume sob o termo “Lei”. Jesus, em Jo 8,32, oferece a liberdade aos “judeus” que nele tinham “começado a crer”, mas estavam ainda presos ao sistema, à “Lei”, que os impedia de se tornarem “verdadeiramente discípulos”. Como entender, então, que, segundo Mt 5,17, Jesus não vem abolir, mas levá-la à perfeição? Ora, a “perfeição da Lei” está na sua superação do que é acidental e acessório, como são as tradições e ritos humanos (cf Mc 7,1-23), e na sua valorização do que é essencial: o amor a Deus e ao próximo, o do próximo sendo a contra-prova do amor a Deus. No mesmo sentido, em Mt 23,23, e retomando MIQUÉIS, Jesus condena os “guias cegos, que coam mosquitos e engolem camelos, porque paga o dízimo da hortelã, do endro e do caminho, mas omitem as coisas mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade” (cf Mq 6,8)... Liberdade, portanto, direcionada para o essencial! Por isso também é que PAULO, na já citada passagem da carta aos gálatas, logo depois de reafirmar, em 5,14, que fomos todos chamados à Liberdade, logo a seguir adverte que não se trata de permissividade ou licenciosidade ou anarquia. Pelo contrário, somos livres, sim, mas para servir: Que esta liberdade, irmãos, não sirva de pretexto para a carne, isto é, para abusos, mas, pelo amor, ponde-vos a serviço uns dos outros. Pois toda a Lei encontra seu cumprimento nisto: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’ (Gl 5,13-14). Também PEDRO, na sua primeira carta, embora num contexto mais “conformista”, se exprime semelhantemente: “Comportai-vos como homens livres, mas não useis da liberdade como cobertura para o mal. Antes, usai dela como servos de Deus (1 Pd 2,16). Em todo caso, a Lei deve ser interpretada “no Espírito”, como o lembra ainda PAULO na 2Cor 3,16: ... e onde está o Espírito do senhor, aí está a liberdade! E isso também porque a letra mata, o Espírito é que vivifica (2Cor 3,6). Quantas vezes a interpretação literal, legalista, da Lei – tanto a Lei mosaica como as nossas leis - tem sido instrumento de opressão, em vez de libertação! Aliás, o próprio Jesus nos dá o exemplo dessa superação da “letra” por uma interpretação “no Espírito” quando, logo depois de afirmar, no início do Sermão da Montanha em MATEUS, que não será omitido nem um iota, nem uma vírgula da Lei, sem tudo se cumpra (Mt 5,18), ele nos adverte para que “a nossa justiça” não tome por modelo, mas supere, a justiça dos escribas e fariseus (Mt 5,20). E, logo a seguir, dá-nos o exemplo dessa superação exemplificando com 6 pontos da Lei, que ele reafirma, evidentemente, mas ultrapassa (Mt 5,21-47). Mas, como observa ainda COMBLIN31, quando Jesus aí comenta a “lei do talião”, que procurava limitar o instinto de vingança, ele exige a abolição pura e simples de toda vingança, e assim liberta de vez o ser humano, que, pelo perdão (!), torna-se plenamente livre. Quer dizer, pois, desta liberdade em relação à Lei, diante do nosso Código Penal, da nossa Constituição e, na prática, diante da aplicação da Lei? A humanidade, que tem caminhado tão rapidamente, neste século, no campo da técnica e da tecnologia, tem também progredido em seus códigos de leis, desde a antiguidade até nossos dias. Conseguiu-se, por exemplo, referendar, universalmente, há quase 50 anos, a Declaração dos Direitos Humanos. Mas, a prática... como está, na prática, a aplicação da Lei? Quanto deve ainda ser feito, para que os pobres possam usufruir os benefícios da Lei, e não somente arcar com as suas sanções? Há todo um trabalho a realizar, em relação a esta CF-97, na área do Legislativo e do Judiciário, para não falar do Executivo... e para não falar, também, do “anuncio da Liberdade” dentro da própria Igreja! Isto, para que o “evangelho da Liberdade”, da Liberdade para a qual Cristo nos chamou, seja anunciado a todos, também, a seu modo, aos encarcerados. Todos – eles e nós – convidados a acolher a Palavra de Jesus e nela permanecer, para nos tornarmos verdadeiramente seus discípulos (Jo 8,31). Se discípulos, então não seremos mais servos, mas amigos (Jo 15,15). Pois então conheceremos a Verdade: e a verdade – que é Ele – nos libertará.
Posted on: Thu, 14 Nov 2013 18:55:41 +0000

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