30 Falando nos gafanhotos, eles estavam aparentemente conformados com a nova condição a que foram submetidos. Mostravam-se tranquilos e serenos, apesar de estarem confinados num ambiente hostil à sobrevivência dos ortópteros. Graças às pernas e asas longas, são ótimos saltadores. Mas ali, amontoados, apertados e agoniados, viviam no maior sufoco. Essa relativa tranquilidade – fruto mais do silêncio do que de um eventual conforto, até porque era impossível enxergar alguma coisa naquele escuro como breu – exigia uma interpretação. Afinal, eles haviam desistido de lutar, haviam perdido as esperanças? Muito pelo contrário. Os gafanhotos tinham consciência das condições adversas de sobrevivência. Aliás, bem piores que as impostas aos inconfidentes no degredo. Porque, na África, o que pegava era a saudade da terra natal. Como se dá um jeito em quase tudo nesta vida, os conjurados matavam a saudade lendo um poema, escrevendo uma carta de amor ou capturando borboletas nas savanas. Porque estavam juntos, a saudade não era problema para os gafanhotos. O grande problema era a ausência de liberdade, da qual estavam separados desde a libertação das moscas. Seja de pensamento, escolha ou de locomoção, a liberdade fazia uma falta danada. Eles sentiam isso na pele áspera... A. Zarfeg trecho do cap. 30 de "Uma besta plena de palavras", 2011
Posted on: Sun, 28 Jul 2013 14:48:50 +0000
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