A democracia nasce nas praças, vive nas praças e nas praças - TopicsExpress



          

A democracia nasce nas praças, vive nas praças e nas praças deve ser defendida. Mas não apenas porque os movimentos sociais acontecem nas praças. É nelas que os amigos, mas também que estranhos se encontram. Nesses gramados, no meio das árvores, nos caminhos, no chafariz, nesse auditório, as pessoas têm que dividir, compartilhar, têm que se aceitar e conviver. Nas praças somos vulneráveis, invadidos pelos outros, inundados pelas risadas das brincadeiras, pelas músicas, por cheiros de comidas, por formas de vestir e falar as mais lindas e estranhas a nós mesmos. Cercar as praças é querer se livrar da própria consciência de sociedade, se livrar de reconhecer que há pessoas diferentes, e que temos obrigações para com elas, é empurrar para baixo do capacho da portaria da prefeitura a própria noção de cidade. As reformas que estamos vendo hoje em Porto Alegre estão substituindo o muro de Berlim, o muro da Vergonha, o muro da fronteira mexicana com os Estados Unidos, os muros policiais entre bairros ricos e pobres, por pequenos e aparentemente insignificantes muros e barreiras em entradas de prédios, em condomínios fechados, em bares e parques, em estádios de futebol. Em todo lugar é preciso pagar ingresso, comprar adesão, atravessar catraca eletrônica. É o contrassenso da cidadania privatizada. É claro que deve existir o direito ao espaço particular, mas quando essa é a única opção que se tem não se trata de intimidade e sim de intimidação. É por isso que é difícil entender os movimentos sociais no mundo hoje, são formas de resistência à sensação difusa e constante de ameaça que sentimos, de estarmos cada [vez] mais acuados no nosso sentimento de humanidade. O que se deseja é poder manifestar uma solidariedade anônima e quotidiana numa cidade onde há cada vez menos espaço para fazer isso. Os programas públicos, os dados econômicos e sociais do governo, os balanços sobre o terceiro setor nos dizem [que] os problemas sociais estão resolvidos ou equacionados. Curiosamente a qualidade da educação no Brasil é péssima e não houve melhoras, há cada vez menos leitos em hospitais e o número de assassinatos ainda é equivalente ao de guerras civis. O que realmente mudou? Onde estamos investindo dinheiro público? Quem vai lucrar com tudo isso? Hoje os que antes eram marginalizados podem transitar livremente, só não podem entrar em lugar nenhum, exceto nas salas de programas de inclusão social onde aprendem que finalmente ganharam cidadania numa cidade entrincheirada. O grande programa de inclusão hoje deveria ser uma marreta. O que este movimento está fazendo hoje, aqui, é a reinvenção de um programa social histórico e espontâneo, o do direito à alegria da convivência na rua, nas esquinas, e principalmente, nas praças públicas. Caleb Alves, professor de Antropologia da UFRGS. (30/11/12, durante o ato Defesa Pública da Redenção)
Posted on: Tue, 01 Oct 2013 09:19:30 +0000

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