A morte é quem escreve sobre nós – desde que nascemos ela vai - TopicsExpress



          

A morte é quem escreve sobre nós – desde que nascemos ela vai elaborando conosco o nosso roteiro. Ela é a grande personagem, o olho que nos contempla sem dormir, a voz que nos convoca e não queremos ouvir, mas pode nos revelar muitos segredos. O maior deles há de ser: a morte torna a vida mais importante! Porque vamos morrer, precisamos poder dizer hoje que amamos fazer hoje o que desejamos tanto, abraçar hoje o filho ou o amigo. Temos de ser decentes hoje, generosos hoje... Devíamos tentar ser felizes hoje. A morte não nos persegue apenas nos espera, pois nós é que coremos para o colo dela. O modo como vamos chegar lá é coisa que podemos decidir em todos os anos de nosso tempo. O melhor de tudo é que ela nos lembra da nossa transcendência. Somos mais que corpo e ansiedade: somos mistério, o que nos torna maiores do que pensamos ser- maiores do que os nossos medos. Quando se aproxima dessa zona do inaudito, o amor tem de se curvar: com dor, com terror, submete-se a essa prova maior. Começa a ser ternura; aproxima-se de alguma coisa chamada permanência. Se acreditarmos que viver é só comer, trabalhar, transar, comprar e pagar contas, a morte será desespero sem remissão. Não nos conformamos, não acreditamos em mais nada. Mas se tivermos alguma visão positiva do todo do qual faz parte a indesejada, insondável mas inevitável transformação na morte, depois de algum tempo acomodamos de outro jeito dentro de nós: continua parte de nossa realidade. Está transfiguração, porém ainda existe. “Com o passar dos anos dói menos”, as pessoas nos dizem. Conheço bem a Senhora Morte. Duas vezes a Bela Dona me pegou duro, me cuspiu na cara, me jogou no chão. Foi-se em cada uma delas um pedaço importante de mim. Em uma delas como em certos animais, as partes perdidas se refizeram diferente – Mas na outra ainda me sinto mutilada, sinto a cada dia em mim aquele espaço vazio que não voltará a ser ocupado, a perda de um filho para a morte é algo do qual não nos recuperamos nunca.
Posted on: Sun, 28 Jul 2013 18:28:00 +0000

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