A prefeitura fará erguer uma praça sobre a mesa de jantar carbonizada, lá nos Coelhos. Para que não se volte a ocupar aquela área. Talvez seja eu que meço com tamanho cuidado algumas coisas para se dizer. Para não ferir, para não desdizer, para não fazer saltar, de dentro de um coração às vezes em chama, aquela raiva, desprezo, aquele ódio. Dizer que uma praça surgirá - nascida assim de um sumo ainda humano onde barro, lama, carvão e a boneca da menina se misturam - é demais para mim. Não posso chamar nem de desumano. Podiam dizer isso depois, ou associar este bosque e o banco que vai ter lá a uma plena certeza que aquelas pessoas terão onde sentar já já: para ver a novela, para rezarem sua jurema ou o livro de João, para beberem a cerveja guardada com tanto carinho e que será bebida enquanto se faz o almoço de domingo, uma mesa para rezar e pedir o almoço de domingo. Um lugar, um lugar. Das senzalas pouco ou nada resta porque eram feitas de material que se degradava com o vento. As casas grandes se visitam ainda hoje em roteiros turísticos. Maracatus, afoxés, candomblés ainda sofrem, alguns, por não terem uma sede-seu-lugar. Ficam expostos ao fogo: dos gabinetes, usando ano pós ano um torniquete para estancar o sangue que jorra desde lá; ficam, ainda, pra lá e pra cá, como no mar que os trouxe da África e vítimas do silêncio secular que fez, dentre outras coisas, nascer as favelas. Ninguém percebe que esta praça, como as alfaias que alguns jovens bem ricos empunham aos domingos no Recife Antigo, soa com alguma nuance autofágica, trágica, lembra o banho de cachoeira vermelha do filme "O Som ao Redor", do Kleber. E eu estou aqui querendo dormir. E pensando naqueles que param por aí. - Marconi Bispo -
Posted on: Sat, 10 Aug 2013 02:22:32 +0000
Trending Topics
Recently Viewed Topics
© 2015