ANDRÉ MARCELO LIMA PEREIRA FREUD, Sigmund. A - TopicsExpress



          

ANDRÉ MARCELO LIMA PEREIRA FREUD, Sigmund. A história do movimento psicanalítico, artigos sobre a metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro : Imago, 1996. v. XIV, p. 243-263. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud) LUTO E MELANCOLIA Se, no início, Freud (1950) compreendia melancolia em termos puramente neurológicos, logo ele substituiria essa explicação por uma abordagem psicológica. Para ele, “os impulsos hostis contra os pais (o desejo de que morram) são também uma constituinte integrante das neuroses”, o que significa que tais impulsos vêm à consciência como idéias obsessivas. A melancolia se traduz como auto-recriminação pela morte deles. Freud ressalta a necessidade de uma comparação entre a melancolia e os estados normais de luto. Freud vê “a identificação como etapa preliminar da escolha objetal, a primeira forma pela qual o ego escolhe um objeto” e “deseja incorporar a si esse objeto” (p. 247). A identificação é “direta e imediata e se verifica mais cedo do que qualquer catexia objetal” (p. 247), que é substituída por uma identificação na melancolia. A identificação precede a catexia objetal, mas é distinta dela. A melancolia assume várias formas clínicas, que sugerem afecções somáticas (antes que patogênicas). A correlação entre melancolia e luto se justifica. O luto é a “reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração [país, liberdade, ideal de alguém], [...] afastamento daquilo que constitui a atitude normal para com a vida” (p. 249), mas não é condição patológica. Por seu lado, a melancolia sofre das mesmas influências, mas talvez por uma disposição patológica. Consideram-se componentes mentais da melancolia: um “desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar [perda da capacidade de adotar um novo objeto de amor], a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de auto-estima”, podendo chegar à auto-recriminação e auto-envilecimento, “culminando numa expectativa delirante de punição” (p. 250). O luto, por sua vez, traz os mesmos traços, com exceção da “perturbação da auto-estima” (p. 250); ele revela uma disposição dolorosa do indivíduo. No luto, o teste de realidade mostra que o objeto amado não mais existe e exige que a libido seja eliminada de suas ligações com aquele objeto – pode-se gerar um desvio da realidade e apego a um objeto intermediário por meio de psicose alucinatória carregada de desejo; há dispêndio de tempo e energia catexial, e se prolonga a existência do objeto perdido. Esse “penoso desprazer” é aceito como natural, e, quando o luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido (p. 251), uma vez que no luto, nada existe de inconsciente a respeito da perda. A melancolia também se constitui numa reação à perda do objeto amado, que, talvez, não tenha de fato morrido, mas se tenha perdido como objeto de amor (o indivíduo sabe quem perdeu, mas não o que perdeu nesse alguém). A melancolia está relacionada com a perda objetal retirada da consciência. Assim, o melancólico exibe uma “diminuição extraordinária de sua auto-estima, um empobrecimento de seu ego em grande escala” (p. 251). Enquanto no luto é o mundo que se torna vazio, na melancolia é o ego que está “desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível” (p. 251). O indivíduo se encontra desinteressado, incapaz de amor e de realização; justifica-se com outras acusações: acha-se mesquinho, egoísta, desonesto, carente de independência, busca ocultar as fraquezas de sua natureza (parece ter uma compreensão de si, originada do adoecimento, e busca a autodifamação aflitiva). Mas o ponto crucial é saber se o melancólico apresenta uma descrição correta de sua situação psicológica (em que a insatisfação com o ego constitui a principal característica). Em síntese, ele sofreu a perda relativa a um objeto, e o que diz aponta para uma perda relativa a seu ego, em aparente contradição. Tal contradição se explica: no melancólico, as mais fortes auto-acusações não se aplicam ao próprio paciente, mas se ajustam a outrem (alguém que ame, tenha amado ou devesse amar). As auto-recriminações são “recriminações feitas a um objeto amado, que foram deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente” (p. 254). Se uma mulher, por exemplo, reclama do “fato de o marido estar preso a uma esposa incapaz como ela, na verdade está acusando o marido de ser incapaz” (p. 254). O processo parece simples: faz-se uma escolha objetal, destroçada por um desapontamento proveniente da pessoa amada; retira-se a libido desse objeto que é deslocado para um novo; como a catexia objetal é pouco resistente, ela é liquidada; a libido livre retira-se, então, para o ego. Estabelece-se a identificação do ego com o objeto abandonado, cuja sombra cai sobre o ego. Assim, uma perda objetal se transforma em perda do ego, e o conflito entre ego e pessoa amada se transforma em separação entre atividade crítica do ego e o ego alterado pela identificação. Duas condições se impõem no processo: forte fixação no objeto amado e catexia objetal pouco resistente. Configura-se, neste caso, uma afecção narcisista (regressão da escolha objetal para o narcisismo original), por isso, diz-se que a identificação é etapa preliminar da escolha objetal e expressa ambivalência. Depreende-se que a tendência a adoecer de melancolia está no predomínio do tipo narcisista da escolha objetal (ainda não confirmada pela observação). O mesmo processo ocorre nas neuroses de transferência: as identificações são um mecanismo de formação de sintomas. A diferença é que, na identificação narcisista, a catexia objetal é abandonada; na histérica, ela persiste e influencia e pode ser identificada como expressão da existência de algo em comum (até mesmo amor). A melancolia, pois, empresta do luto alguns de seus traços e outros componentes do processo de regressão. É marcada pela perda real de um objeto amado (amoroso); essa perda se constitui em oportunidade para que se instale a ambivalência nas relações amorosas; se houver conflito, a ambivalência empresta um cunho patológico ao luto (auto-recriminação, culpa pela perda do objeto amado). A melancolia vai além da perda do objeto: inclui desconsideração ou desapontamento, sentimentos opostos de amor e ódio, reforço de uma ambivalência (em que o amor não renunciado pelo objeto se refugia na identificação narcisista), autotortura (satisfação das tendências de sadismo e ódio relacionadas a um objeto), autopunição (o paciente vinga-se do objeto original e tortura o objeto amado com sua doença). A catexia erótica do melancólico sofre, pois, duas vicissitudes: parte dela retrocede à identificação, a outra parte é levada de volta à etapa de sadismo (que pode sugerir tendência ao suicídio, caso em que o indivíduo trata a si mesmo como objeto: dirige contra si a hostilidade relacionada a um objeto). A melancolia ainda sugere outros problemas: medo de ficar pobre (traço peculiar da melancolia); seu desaparecimento sem deixar vestígios; tendência a se transformar em mania (recaídas periódicas, como numa insanidade circular) e cujo conteúdo em nada difere do da melancolia (impressão psicanalítica); observação de estados de alegria, exultação, triunfo (impressão econômica), com descarga de emoção jubilosa e disposição para a ação. Na mania, o ego supera a perda do objeto e toda a quota de anticatexia que causou o sofrimento; vai em busca de novas catexias objetais. Do ponto de vista topográfico, na melancolia, “a apresentação inconsciente do objeto foi abandonada pela libido” (p. 261); a retirada da libido é prolongada e gradual. Uma lembrança, por exemplo, é ativada, os lamentos são monótonos e tediosos; se o objeto não tem grande importância para o ego, sua perda não será suficiente para provocar luto nem melancolia. A melancolia contém algo mais que o luto: o conflito devido à ambivalência (constitucional, quando influencia toda relação amorosa desse ego, ou provém de experiências que evolveram ameaça da perda do objeto). Enquanto no luto há a perda real do objeto, na melancolia travam-se lutas isoladas em torno do objeto, cuja localização é atribuída ao sistema Ics. (região dos traços da memória); no luto, ocorrem esforços para separação da libido, mas nele os processos tendem a seguir o caminho normal através do Pcs. até a consciência. Assim, tudo que se refere às lutas devidas à ambivalência fica retirado da consciência, até que a melancolia se fixe (portanto, ela resulta de um trabalho inconsciente). Em síntese, a melancolia resulta de três precondições: a perda do objeto, ambivalência e regressão da libido ao ego (aspecto narcísico), das quais a ambivalência parece ser a única responsável pelo resultado.
Posted on: Thu, 04 Jul 2013 01:17:58 +0000

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