Algumas tradições eu cresci aprendendo, mas com os olhos da - TopicsExpress



          

Algumas tradições eu cresci aprendendo, mas com os olhos da admiração, uma em especial eu aprendi e acompanhei desde cedo, mas senti que eu deveria herdar. Já escrevi algumas coisas sobre benzição, creio realmente que benzer é uma arte, mas hoje é mais especial ainda, pois aprendi a minha primeira benzição, com uma senhora que eu admiro muito, também já escrevi sobre ela, uma mestra nessa arte, cinquenta anos de doação, pela alma dos outros. Há algum tempo eu venho pedindo pra ela me ensinar e o próprio ato da espera já me ensinou muito, ela me mostra a sabedoria no tempo dela, até mesmo porque habita um tempo fora dessa ordem cronológica estática, cuidar da alma dos outros exige isso, espera, dedicação, cuidado mesmo, cuidado, um significante tão rico em significado. Por isso quis herdar a tradição, cuidar é também uma forma de deixar o universo agir na gente, nesse caso, é ser servo, aprender a servir. A minha benzedeira é negra, tem sessenta e poucos anos, ganhou alguns filhos, perdeu outros, alguns netos também, ela enxerga a alma da gente, isso soa estranho em princípio, porque eu mesma não era tão acostumada a olhar pra minha, nada de sobrenatural nisso, é uma das faces da humanidade, não é palpável, mas é extremamente sentida se praticada, como ela mesma disse, esse vazio que às vezes a pessoa sente é como se ela fosse ficando carregada, pesada, isso ela diz, sente e eu sinto, a conexão acontece num plano maior, na experiência com o sagrado. Minha casa sempre foi visitada por mães levando crianças pra benzer de vento virado, que é o que a minha mãe benze, também fui benzida por outras senhoras e um senhorzinho que morava perto de casa, numa casa que eu sempre achei que fosse mágica, mas isso nos idos da infância, dele só me restou uma medalhinha de são Judas. Tudo no seu tempo, conheci a Dona Lourdes, nome de santa, mas uma francesa, manto azul e pele branca, que talvez a própria dona Lourdes não conhecesse a origem, prefiro pensar naquelas barrocas nossas, cor da terra, como a minha benzedeira e mestra. Com ela eu senti o chamado pra continuar, ela já me conhece há alguns anos, por fora e por dentro, hoje sentiu que era hora de eu começar a aprender o legado. Ditou com calma as palavras que tantos anos eu a vi balbuciar sem som, com as mãos postas no terço branco encardido, não eram palavras milagrosas, misturavam uma herança de mar africana e as orações do catolicismo, sincretismo nosso, o segredo não são tanto as palavras, mas a doação, que é diária, ela começou aos onze, eu aos dezenove, talvez fique no tempo, não sei se meus descendentes vão se interessar, mas o que eu começo hoje já é um caminho pra aumentar o que já se tem e já se sabe por muitos séculos. Dona Lourdes mora num barraco perto da minha casa, não sei se ela sabia que hoje é o Dia da Consciência Negra, mas, sabendo ou não, hoje, Deus, Xangô, Alá, que são um e por todos já se alegraram ao verem uma herança transmitida desde os portos de África até aqui, pelas mãos servis e incessantes que transmitem com sabedoria o conhecimento da alma.
Posted on: Wed, 20 Nov 2013 23:17:38 +0000

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