Alguns aspectos polêmicos da recuperação judicial Marcelo Gazzi - TopicsExpress



          

Alguns aspectos polêmicos da recuperação judicial Marcelo Gazzi Taddei 1. Delineamento da recuperação judicial As repercussões decorrentes da crise internacional proporcionaram um aumento substancial no número de pedidos de recuperação judicial no país em 2009. A Lei n° 11.101/2005, conhecida como a nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, extinguiu as concordatas no país e introduziu no ordenamento jurídico nacional a recuperação judicial de empresa. Trata-se de um benefício legal à disposição do empresário individual e da sociedade empresária em crise e que exploram regularmente a atividade econômica há mais de dois anos. A recuperação judicial objetiva a superação da crise empresarial, permitindo a continuidade da atividade econômica para evitar a falência, tendo por finalidade, nos termos do art. 47 da Lei n° 11.101/2005, a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores no intuito de promover a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. O processo de recuperação judicial é promovido por iniciativa do próprio empresário em crise, que apresenta perante o Poder Judiciário o pedido do benefício. Verificando o atendimento a todos os requisitos legais, o juiz defere o processamento da recuperação judicial, abrindo-se prazo para os credores realizarem as habilitações de crédito perante o administrador judicial e para o devedor apresentar o plano de recuperação judicial. Neste plano, o devedor apresentará os meios que serão utilizados para a superação da crise. Normalmente o plano prevê a dilação para o pagamento das dívidas, redução no valor a ser pago, venda de filiais, dentre outros meios apresentados, em caráter exemplificativo, no art. 50 da lei de regência. Ressalta-se que, com exceção das dívidas trabalhistas, na recuperação judicial comum não há limite legal para a dilação no pagamento das dívidas, existindo casos em que o pagamento supera amplamente o prazo de cinco anos. Não resta dúvida que os meios de recuperação previstos no plano impõem sacrifícios aos credores, sendo, muitas vezes, a única forma que alguns deles possuem para garantir o recebimento dos seus créditos. O plano de recuperação judicial é submetido à aprovação dos próprios credores que, diante da apresentação de objeções consistentes ao plano, provocam a convocação da Assembléia Geral de Credores para a realização da sua análise. A rejeição do plano implica na determinação legal da convolação da recuperação judicial em falência, o que, de certa forma, conduz a sua aprovação pelos credores ou a apresentação de alterações ao plano, sujeitas a anuência expressa da recuperanda. Interferências no projeto de lei durante a sua tramitação no Congresso Nacional afastaram da recuperação judicial as dívidas decorrentes de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de alienação fiduciária e de adiantamento de contrato de câmbio para exportação, dentre outras previstas no art. 49 da Lei n° 11.101/2005. Durante o prazo de 180 dias, contados do deferimento do processamento da recuperação judicial, é vedada a retirada do estabelecimento da recuperanda dos bens de capital essenciais ao exercício da atividade empresarial, existindo decisões estendendo este prazo para assegurar a preservação da empresa. Não havendo objeções dos credores ou aprovado o plano de recuperação judicial pela Assembléia Geral de Credores, a recuperanda deve apresentar certidões negativas de débitos tributários para permitir o deferimento da recuperação judicial. Diante da notória dificuldade no atendimento à exigência legal, vista como sanção política, a recuperação judicial vem sendo deferida sem a exigência prevista, conforme entendimento consolidado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Deferida a recuperação judicial, a recuperanda e os credores sujeitos ao plano ficam vinculados ao seu cumprimento, ingressando o processo de recuperação judicial no período de observação de dois anos, em que o juiz, o administrador judicial e o comitê de credores, caso exista, fiscalizam o cumprimento das obrigações pela recuperanda. Durante este período, a recuperação judicial transforma-se em falência no caso de descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano pela recuperanda. O fim do período de observação de dois anos determina o encerramento do processo de recuperação judicial. Caso o plano apresente obrigações com o cumprimento previsto para após o encerramento do processo, hipótese frequente, referidas obrigações continuarão sob a fiscalização dos credores, constituindo o plano de recuperação judicial título executivo judicial. O cumprimento de todas as obrigações previstas no plano pela recuperanda assegura o êxito da recuperação judicial, do contrário, o devedor poderá ter a falência determinada. 2. Alguns pontos polêmicos da recuperação judicial O presente artigo destaca alguns aspectos polêmicos identificados na recuperação judicial com a finalidade de promover o debate jurídico. A Lei n° 11.101/2005 permite o surgimento de inúmeros questionamentos em diversos pontos, muitas vezes pelo fato da questão não se encontrar disciplinada de forma específica na lei, outras vezes em decorrência da necessária interpretação sistemática de seus artigos com a finalidade de assegurar o pleno êxito da recuperação judicial, nos termos do art 47, diante das alterações introduzidas no projeto de lei por influência do setor financeiro. Diante dos inúmeros pontos polêmicos, o artigo destaca, neste momento, apenas cinco. As questões referentes à cessão fiduciária de créditos, possibilidade de inclusão no plano de recuperação judicial dos créditos financeiros excluídos pelo art. 49, §§3° e 4º, remuneração do administrador judicial e a reserva de 40%, cessão de crédito e direito de voto, novação recuperacional, representação dos credores trabalhistas na Assembleia Geral de Credores, suspensão das ações propostas contra avalistas e fiadores da recuperanda, prorrogação dos prazos previstos na lei, nulidade ou anulabilidade das deliberações dos credores ou da Assembleia Geral de Credores, abuso do direito de voto, dentre outros pontos polêmicos, embora aqui mencionados, não foram abordados nesta oportunidade, ficando apenas consignados. 2.1. Litisconsórcio ativo na recuperação judicial A Lei n° 11.101/2005 não trata da possibilidade do pedido de recuperação judicial apresentado por mais de um devedor, entretanto, são inúmeros os casos de litisconsórcio ativo em recuperação judicial. Ao tratar do tema, Ricardo Brito Costa conclui: “A formação do litisconsórcio ativo na recuperação judicial, a despeito da ausência de previsão na Lei n° 11.101/2005, é possível, em se tratando de empresas que integrem um mesmo grupo econômico (de fato ou de direito). Nesse caso, mesmo havendo empresas do grupo com operações concentradas em foros diversos, o conceito ampliado de ‘empresa’ (que deve refletir o atual estágio do capitalismo abrangendo o ‘grupo econômico’), para os fins da Lei n° 11.101/2005, permite estabelecer a competência do foro do local em que se situa a principal unidade (estabelecimento) do grupo de sociedades. O litisconsórcio ativo, formado pelas empresas que integram o grupo econômico, não viola a sistemática da Lei n° 11.101/2005 e atende ao Princípio basilar da Preservação da Empresa. A estruturação do plano de recuperação, contudo, há de merecer cuidadosa atenção para que não haja violação de direitos dos credores” (COSTA, 2009, P. 182) No caso de grupo de empresas, não há na lei previsão que obrigue a presença de todas as sociedades empresárias integrantes do grupo econômico no processo de recuperação judicial, que pode abranger uma ou algumas delas. No caso, o litisconsórcio formado no pólo ativo da recuperação judicial será facultativo, constituindo-se de acordo com a vontade das partes. A opção das devedoras pelo litisconsórcio ativo exige a apresentação de um único plano de recuperação judicial e submete todas as sociedades empresárias às conseqüências decorrentes da sua aprovação ou rejeição. Nesse sentido, se por um lado a aprovação do plano beneficia todas as sociedades empresárias integrantes do grupo, havendo a rejeição do plano, ou outra hipótese prevista no art. 73 que determine a convolação da recuperação judicial em falência, todas as sociedades empresárias integrantes do litisconsórcio estarão sujeitas à sentença de falência e às conseqüências decorrentes. A possibilidade do litisconsórcio ativo na recuperação judicial, quando afastada, fundamenta-se na regra de competência presente no art. 3° da Lei n° 11.101/2005, que define como competente para o deferimento da recuperação judicial o Juízo do local do principal estabelecimento do devedor. Por se tratar de regra de competência absoluta, não admite prorrogação voluntária. De acordo com a regra de competência, a jurisprudência tem negado a formação do litisconsórcio ativo na recuperação judicial na hipótese das sociedades empresárias não possuírem o principal estabelecimento no mesmo foro. Conforme se verifica nas seguintes decisões da Câmara Reservada à Falência e Recuperação, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “Agravo de instrumento. Recuperação judicial requerida em litisconsórcio por duas sociedades empresárias distintas, cada uma delas com sede social em comarcas diversas. Alegação de serem integrantes do mesmo grupo econômico. Decisão que determina a emenda da inicial em razão da inviabilidade do litisconsórcio ativo. Natureza contratual da recuperação judicial que impõe se facilite a presença dos credores na assembleia-geral para examinar o plano da devedora. A distância entre os estabelecimentos principais das empresas requerentes causa dificuldades incontornáveis à participação dos credores, notadamente os trabalhadores, nos conclaves assembleares realizados em comarcas distintas. Princípio da preservação da empresa e da proteção aos trabalhadores, ambos de estatura constitucional que, se em conflito, devem ser objeto de ponderação para a prevalência do mais importante. Tutela dos trabalhadores em razão da hipossuficiência. Manutenção da decisão que repeliu a possibilidade do litisconsórcio ativo no caso vertente, mantida a possibilidade da emenda da inicial para que cada uma das empresas requeira a medida recuperatória individualmente, observada a regra da competência absoluta do art. 3o, da LRF. Precedente da Câmara. ‘Manutenção da liminar para obstar a suspensão do fornecimento de serviços de telefonia por débitos anteriores ao requerimento da recuperação, que se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Agravo provido, em parte, revogado o efeito suspensivo, com determinação de imediato processamento da recuperação judicial’. (TJSP, Ag. I. n° 6453304400. Câmara Reservada à Falência e Recuperação. Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças. DJ 15.09.2009). “Apelação. Recuperação Judicial requerida em litisconsórcio por três sociedades empresárias distintas, cada uma delas com sede social em Estados diversos da Federação (São Paulo, Minas Gerais e Bahia). Alegação de serem integrantes do mesmo grupo econômico. Deferimento do processamento da recuperação judicial. Posterior constatação da inviabilidade do processamento da medida em litisconsórcio ativo, em face da existência de credores distintos, domiciliados em Estados diferentes. Reconhecimento da incompetência absoluta do juiz requerida inicialmente a recuperação judicial. Extinção do processo, sem resolução do mérito, por força do indeferimento da inicial. Matéria de ordem pública, sobre a qual não ocorre preclusão nas instâncias ordinárias. Soberania da assembleia-geral de credores restrita à deliberação sobre o plano de recuperação judicial, mas não sobre pressupostos ou condições da ação. Natureza contratual da recuperação judicial que impõe se facilite a presença dos credores na assembleia-geral para examinar o plano da devedora. A grande distância entre os estabelecimentos principais das empresas requerentes causa dificuldades incontornáveis à participação dos credores, notadamente os trabalhadores, nos conclaves assembleares realizados em Estados diversos da Federação. Princípio da preservação da empresa e da proteção aos trabalhadores, ambos de estatura constitucional que, se em conflito, devem ser objeto de ponderação para a prevalência do mais importante. Tutela dos trabalhadores em razão da hipossuficiência. Extinção do processo de recuperação judicial, sem resolução do mérito, mantida, situação que não impede que cada uma das empresas requeira a medida recuperatória individualmente, observada a regra da competência absoluta do art. 3o, da LRF. Apelo das empresas desprovido. Apelação de credora que se insurgiu contra o processamento da recuperação no juízo original. Pretensão à condenação das devedoras em honorários advocatícios. Inviabilidade. Inteligência do art. 5o, II, da Lei n° 11.101/2005. Não incidência de honorários sucumbenciais na recuperação judicial extinta. Apelo da credora improvido.” (TJSP. Apelação sem Revisão n° 6252064200. Câmara Reservada à Falência e Recuperação. Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças. DJ 09.06.2009)
Posted on: Sat, 28 Sep 2013 21:47:52 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015