Aos colegas escritores Almeri Espíndola de Souza, Silvania Maria - TopicsExpress



          

Aos colegas escritores Almeri Espíndola de Souza, Silvania Maria Anderson, Leda Soares, Leticia Wierzchowski, Fabrício Pires, Walter Galvani, Evanise Gonçalves, Suely Braga, Heloisa Helena Mascolo e Mário Feijó. A Última Carta de Hemingway Dedicado ao homem que cavalga as palavras do velho soldado, Ao Mestre Alcy Cheuiche. Fernando Lopes da Silva Não fui senão, em toda a vida, mais que um touro abatido antes mesmo de adentrar a arena. Tudo foi como um breve livro que li do fim para o início. Lembro-me dos fatos e, como se os tivesse vivenciado antes de terem ocorrido. Passava-me a nítida impressão, de enquanto vivia todas as coisas, mais a frente, eu saberia que ocorreriam logo ali. Porém o logo ali, eram apenas as coisas feitas por um soldado de coragem estúpida. Escrevo esta carta para você. Preciso contar-lhe um sonho que tive na noite passada. Tenho que revelar estas imagens antes que desapareçam para sempre. Por isso a pressa. Eu estava em Pamplona para a Fiesta de San Fermín. Tudo parecia como naquela época. Recordo que no sonho, não me encontrava bêbado. Assim mesmo, o cheiro do bom vinho do lugar parecia adormecido em minha barba. Por mais estranho que seja, senti-me nauseado pelo cheiro da bebida. Acho que foi neste momento que acertei Mary com violência fazendo-a despertar. Acordei-me vacilante, ela estava calma, acostumada com meus pesadelos e eu, voltei a dormir e a sonhar. Caminhava lentamente pelas vielas de Pamplona. A cidade estava mais iluminada do que apenas pelo seu colorido habitual e agradável às minhas mais sinceras sensações. As elevações e concavidades das ruas davam ares de realidade tão importante nestes sonhos. As sombras nas portas das casas refletiam a tarde que se ia. Logo percebi o que me perturbava. Não havia pessoas em parte alguma. A bela Pamplona estava abalroada por uma solidão rapidamente perceptível e por isso tão incomum. Ainda mais em dias de Fiesta. Estanquei de súbito. Olhei em todas as direções. Por um momento, temi encontrar ali, por mais idiota que fosse tal ideia, Zelda e Scott e o lamento impagável de ambos. Nada poderia ser pior que ouvir Zelda chorando merdas enquanto Scott deixava-se desumanizar por esta pequena bancarrota americana. Talvez pior, que de uma daquelas tantas vielas afluentes, surgisse minha mãe, falando deste ou daquele erro em minha literatura. Imprimindo-me a maior de todas as raivas possíveis. Mas nada disso aconteceu. De repente, tudo se tornou mais denso do que era. Ao longe eu podia escutar os velhos tambores daqueles dias da formidável Pamplona. O som ecoando dos foguetes, vindo de algum lugar que não o qual me encontrava. Junto a mim, apenas aquela solidão tão parecida com a que carreguei durante esta vida. Mesmo quando rodeado, nos bares da ardente Paris, por almas tão perdidas quanto a minha e por doses cavalares de vinho e conhaque. Entre cínicos sorrisos e falsas modéstias. Assim mesmo, deixei escapar um sorriso. Por mais absorto que estivesse neste sonho, eu sabia que não tinha a mesma idade e vigor daquela época. Pamplona também não era a mesma. Aliás, o mundo todo mudara. Eu deveria ter acordado aí. Ao contrário, senti-me vezes mais entorpecido, enfiado nesta pseudorealidade. À frente, sob uma alongada sombra, dentro de uma grande gaiola aberta, percebo dois grandes cornos voltados à minha direção. Um imenso touro. O maior que eu já vira. Seu peito musculoso arfava comprimindo-se e retornando. Bufando em demasia. Acredite, jamais vou esquecer o olhar vazio daquele animal. Tão sóbrio diferente de mim na maioria das vezes. Que falta me fazia um belo rifle neste momento. Ele não avançaria quinze metros se eu estivesse armado. Não estava. Depois de tanto me encontrava suscetível aos acontecimentos. Poderia dizer até indefeso diante do que viria. A fera avançou. Batia-se às paredes das casas. Erguia a poeira por trás das patas traseiras. Não havia esconderijo. Armei-me, meu caro, dos punhos. Únicas armas que me haviam. Mantive-me imóvel. Enchi o velho peito viril. Sem medo. Entrevi, entre o sol derradeiro e as sombras, a ponta punitiva dos cornos sobre suas ventas. Eu sabia que eles me dilacerariam o peito antes que eu pudesse vociferar qualquer impropério que fosse. Assim acabariam estes anos todos. Desta forma eu diria adeus a toda esta bobagem. Conforme ouvia os sons dos cascos ainda mais próximos, contemplei que de uma rua afluente, aproximava-se a procissão de translado de San Fermín. Organizada pela igreja e seguida por milhares de almas como a minha. Afundadas em uma fé que temem compreender. Agora, a minha frente, o maior touro de todos e a minha direita um santo. Prefiro enfrentar a morte. Pisei firme sobre as pedras do calçamento. Acho que por aí deste sonho, pedi a mim mesmo não acordar. Desejava travar mais aquela luta. Então, ergui os braços, mesmo sabendo serem inúteis. O animal vinha com a cabeça a meia altura. Senti seu hálito, tal a proximidade agora. Nesta parte, você dirá que estou louco. Pode ser. Mas o touro tinha o meu rosto. Eu era aquele touro. Morreria então como todos estes outros infelizes. Eu era o mal a minha frente. A procissão se aproximava. O odor da terra seca invadia-me as narinas. A falta de ar. As dores nas costelas. A débil mobilidade destas mãos anteriormente tão úteis. Não pedirei perdão pelo que ainda não fiz. Meus cascos socam a terra com muita força. Quase arrancando as pedras do chão. À frente, apenas a figura de um velho sem os dias de glória. Sem a ingênua infância. Eu atropelaria uma decrepitude carnal. Ele, eu, estávamos presos. Cativos de uma história que cedo nos escolheu. Por um momento, escutei as folhas das árvores ao lado aqui de casa, chicoteadas pelo vento. Acordei, deixando para trás um embate inexorável, mortal e iminente. Saltei da cama com a inquietude de sempre. Em pé a frente da janela, meu olhar arguto procura as montanhas. Não há medo no fim, como revelei nas cartas anteriores. Estes animais nunca me assustaram. Quero dizer-te, antes que venha outra noite e ele ou eu, possam vir e acabar com a minha raça, eu os darei o fim que merecem, à ambos. Na certeza que os abaterei com um só disparo. Certamente, os abutres de toda parte sentirão o meu cheiro antes de leres esta carta. Danem-se. Eu fui maior que todos. Desta vez, não pedirei desculpas por estas linhas como fiz das outras vezes. Estive em todas as linhas que escrevi e em nenhuma. Mais um a partir sem saber ao certo para onde e, nem bem quem foi. Estando onde estou ou onde estive. Novamente a sensação do breve livro do fim para o início toma-me por inteiro. Esta sensação que se fez companheira maior que as outras. Agora você entenderá do que estou falando. Pois ao iniciares a leitura desta carta, por certo já estarás a par do fim. Sem tempo para mais palavras e paisagens, Papa Ernest.
Posted on: Sat, 28 Sep 2013 00:28:04 +0000

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