Apesar de meus MMA com a morte, já enterrei muita gente e vivo com a dor de Edgecomb. Não suporto velórios. Não pela dor que se instaura ali, a dor da ausência, mas pelos vivos que fazem daquilo uma cerimônia do remorso. "Eu devia ter..." é a frase dos sepultamentos. Deus nos livre dos "eu devia ter...", mas nos encha de "até breve!". Não rara as vezes sou convidado para um velório, para poder cantar uma canção antiga. Os protestantes gostam de cantar "Mais perto quero estar", música de Sarah Flower Adams que escreveu entre 1805 e 1848 e é lindo e tema do naufrágio do Titanic no filme de James Cameron. Já cantei tanto essa canção em velórios; confesso, que no meu, eu possa morrer de enjoo se cantarem! Eu já escolhi um repertório e a maneira com a qual eu gostaria que fossem realizado minha despedida, fiz uma lista de poesias e versos e escolhi alguns amigos que pudessem lê-las, mas eles me mandaram calar a boca e não me levaram à sério. Minha mãe ficou 3 semanas sem conversar comigo e só de pensar nisso, minha namorada entra em crise com umas cólicas e enxaquecas. Todo mundo tem medo desse papo! Não sei se morrerei amanhã e nem quero, mas caso aconteça, gostaria muito que tudo no funeral fosse legal e bonito. Sem stress, sem "eu devia ter...", sem choro de arrependimento, talvez algum de saudade somente até o reencontro, muita das músicas que eu gostava e algumas poesias! O velório é meu, então, que se cuidem os religiosos xiitas. Terão surpresas! E espero que compareçam todos os tipos esquisitos e marginalizados pela sociedade. Os animais estarão permitidos. Leve seu cão, piriquito, porco, tartaruga, até lá eu penso se permitirei gatos. E se forem servir a galera, como se faz nos States, nada de álcool. Não quero nenhum amigo animado demais para contar minhas desventuras sem que eu esteja lá para desmentir! Cobrem ingresso dos que me xingavam na vida. Cobrem caro! E doe o dinheiro para qualquer coisa de criança menos o Criança Esperança. Escolham alguém para ler "Por ser seu amigo" poesia de Vinícius de Morais. Cantem "Thumbing my way" do Pearl Jam. Leiam a oração sacerdotal de Jesus. Cantem "Come to Jesus" do Chris Rice. Leiam este texto! Aí a coisa vai começar a ficar divertida! Então cantem para os meus filhos, se eu os tiver: "O filho que eu quero ter" do Toquinho e do Chico. Essa é a hora dos amigos falar de suas lembranças. Contem causos, histórias, piadas, mensagens (Quem não contar direito, eu queimo o filme no céu e peço permissão para voltar como fantasma!) Cantem "Peace Train" do meu irmão muçulmano Yusuf Islam. Me enterrem com os dedos dando jóia. Bandeira do Palmeiras a sete palmos de fundura! Peça para não colocarem algodão no nariz, eu tenho alergia e mesmo morto, eu devo espirrar. Dá agonia só de pensar. Coloquem flores da barriga para baixo e me deixem pelado. O terninho pode ser usado. Só o blazer e camisa. Não gastem dinheiro com essas coisas. As funerárias exploram! Se puderem me enterrar embaixo duma árvore numa montanha, seria sensacional! Pode ser um ipê amarelo ou uma palmeira que dá aquele cheiro doce no verão. Se não rolar, pode ser qualquer canto. Enquanto a galera estiver nessa com meu cadáver, eu estarei criando caso com Adão no céu. Talvez esfregando a cara dele numa maçã! Coloquem no meu epitáfio: Gito Wendel. Ele teve um caso de amor com a Vida. Meus livros devem ser doados aos amigos mais chegados. Tudo, menos a pasta com palestras e ideias. Essas são dos herdeiros. Se esse testamento passar de 30 anos, desconsidere. Farei novas observações! Há uma lista de canções e poesias para serem lidas em poder de Sr. Javier, meu comparsa de tramóia fúnebre. No dia, ele se manifestará. Esse é um nome falso, para ninguém estragar a festa! Isso se ele não for primeiro! Se até lá inventarem uma lei que não se pode mais enterrar e for preciso cremar, jogue minhas cinzas em Cordeirópolis - SP. Pó por pó, ninguém vai notar, naquela cidade poluída pelas cerâmicas de piso! Não grile! Seu "corpitcho" também não é eterno e será comido de bicho. Vai chegar a sua vez! Não precisa ir se preparando, mas é importante saber. Tem gente que esquece e aí faz o maior escândalo! Viva como se não houvesse amanhã. Ame, cuide, se doe, sorria, chore, ore, cante. E aí o fim, nada será além de uma consequência de estar vivo. Eu não tenho medo de morrer, tenho é pena! Viver é bom demais e essa terra é linda e a galera que eu conheço é massa demais! Mas tenho uma promessa de coisas melhores que meus olhos não viram, nem meus ouvidos ouviram e nem chegou ao meu coração humano. Essa esperança me dá tanta vida que nem a morte pode tomar! Aqui eu sou forasteiro e peregrino. Lá está o meu tesouro!
Posted on: Tue, 16 Jul 2013 02:44:02 +0000
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