As cavas dos bandeirantes Entre as cidades de Cruzília e - TopicsExpress



          

As cavas dos bandeirantes Entre as cidades de Cruzília e Baependi, o trajeto programado era tão comum que Alberto e Popó resolveram realizar, quase à noite, novo reconhecimento. Foi a mais encantadora, surpreendente e sensacional alteração de roteiro da Estrada Real: as cavas, que são barrancos com mais de cinco metros de altura em algumas passagens. Encobertas pelas árvores aparentavam ser um passo secreto, por onde penetrava a luz do sol entre a vegetação e o frescor noturno demorava para se dissipar. Havíamos conhecido aquelas de Cocais e São Brás do Suaçui, onde a Estrada Real foi cercada com arame por particulares; nada, porém, comparável com a sensação que sentimos quando adentramos as cavas originadas desde o tempo dos bandeirantes e, quiçá, muitos séculos antes. Aqueles valentes homens, movidos pelos sonhos de encontrarem pedras preciosas e ouro, seguiam os cursos dos rios e as trilhas dos índios. Na prática, escravizavam índios para vendê-los como escravos aos colonizadores, quando não eram massacrados ou nem regressavam, vítimas de suas vítimas, conflitos internos e emboscadas, febre, picadas de cobras e animais selvagens. As mais importantes foram as de Fernão Dias Pais e seu genro Borba Gato, que desbravaram o território de Cataguá ( denominação inicial de Minas Gerais ). Fernão Dias, rico e descendente de tradicional família paulistana, gastou toda a sua fortuna , à época a maior de São Paulo. Explorou uma grande área da região centro-sul do país, das cabeceiras do rio das Velhas, no sertão de Sabarabuçu, até Serro Frio, ao norte. Durante sete anos, a partir de 1674, percorreu a região e com sua bandeira nasceram os primeiros arraiais mineiros. Aos 73 anos, sem ter encontrado o ouro e acometido pela febre, que já matara muitos de seus homens, o velho bandeirante morreu a caminho do arraial do Sumidouro. Borba Gato e Garcia Pais fixaram-se em Minas Gerais, que continuava a atrair bandeirantes, como Antônio Rodrigues Arzão em 1693 e Bartolomeu Bueno de Siqueira, em 1698, ano em que o ouro finalmente foi descoberto pelo paulista Antônio Dias de Oliveira. Os feitos tão decantados dos bandeirantes não tinham muito de nobreza, mas contribuíram para que Portugal expandisse as fronteiras internas, conquistando terras que pertenciam à Espanha, como Goiás, Mato Grosso, grande parte de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Mais de 300 anos após a descoberta do ouro em Minas Gerais estávamos percorrendo aqueles caminhos, que há séculos eram trilhas dos indígenas, tornaram-se passagem para os bandeirantes em busca do ouro e, finalmente, denominados Estrada Real, serviram de passadouro do nobre metal. Estranha sensação assenhorou-se de nós e nos comportamos como se estivéssemos andando por um campo sagrado, prestando tributo ao universo, à fauna e à flora, aos seres que lá deixaram suas marcas e pegadas. Tamanha era a comoção que a cada instante alguém registrava seu sentimento através de palavras, gestos, fotos. Visivelmente o grupo fora quase apoderado por antigos espíritos. A cada passo, um olhar para cima e para os lados, o barranco quase barroco, o cheiro do barro úmido e colorido, as folhagens e as raízes foram contendo-nos, impregnando-nos, apossando-se de nós. À medida que acostumamo-nos ao ambiente, o peso secular daquele caminho foi dando vazão ao orgulho de Popó e Alberto e, com toda justiça, sentiam-se recompensados pela criativa iniciativa. Aos poucos o transitório êxtase deu lugar à estrada de terra e ao asfalto da rodovia; quando percebemos, estávamos na rotatória da entrada de Caxambu. Mais alguns quilômetros ao longo de uma interminável avenida e aquela etapa estava findando junto aos portões do Parque de águas da cidade. Do grupo compacto na deslocação pela cava restou um solitário caminhante a cada centena de metros, ainda possuído pelo clima quase que sobrenatural de muita adrenalina. Finalmente, acordados para a realidade, demo-nos conta que Parati ainda não era aí e que teríamos de enfrentar 300 km de retorno até BH, na van do recém chegado Marzagão; menos Popó que, em sua pick-up e com sua lindinha da região das cavas, iria deleitar-se em São Tomé das Letras. Quando retornamos à Caxambu para a etapa derradeira em direção à Parati, entre a cava de uma adega e a cava dos bandeirantes ficamos com as duas: uma na memória e a outra na história.
Posted on: Wed, 06 Nov 2013 17:26:42 +0000

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