As luzes nas ruas anunciaram o início de um raro dia de sol. - TopicsExpress



          

As luzes nas ruas anunciaram o início de um raro dia de sol. Olhei o relógio de parede bem à minha frente e o tic tac que soava doce marcou o sol nascente as 05:53 em algum café de uma Londres utópica. O ambiente estava perfeito. As luzes amarelas contrastando com as mesas, de um tom marrom escuro, deram à casa a toda classe que procurávamos. Débora estava muito animada com tudo aquilo. Eu pude perceber, na forma com que se apoiava ao cotovelo esquerdo sobre a mesa, no balançar levemente animado de suas pernas cruzadas e na maneira glamorosa com que falava e sorria ao mesmo tempo, que a simpatia do balconista inglês, e a presença discreta do casal que conversava na mesa mais ao fundo, criavam o cenário que ela tanto procurava para esbanjar sua divindade. Busquei ser discreto o tempo todo, para não atrair os olhares, pois, logo de inicio, já havia notado: hoje deveriam ser somente para ela. Mas também não deixei de lado meu ego, encontrei o equilíbrio entre o a discrição e a magnitude, completando, e não ofuscando, o brilho dela, me fazendo também ser percebido. Entre a conversa expressiva, marcada pela gestualidade e risos descontraídos, alternamos entre goles aprazes e observações curiosas ao lado de fora. A grande calçada era pouco notada até então. Entre um comentário e outro, apenas olhávamos para os pedestres. Alguns estavam apressados, outros eram distraídos, porém, todos se apresentavam tipicamente ingleses, o que virou alvo de alguns palpites durante a conversa. Meu cappuccino estava delicioso. Mesmo assim, bebi com a maior elegância, sem fazer nenhum comentário ou elogio. Estava vivendo uma utopia clichê. Ela também não comentou nada sobre o que bebia. Apenas bebia. Como se fosse apenas mais uma de muitas manhãs na Inglaterra. Acho que isso fazia parte da peça. E ela estava adorando tudo aquilo. Sorri satisfeito. Sinto-me bem ao proporcionar esse prazer, tanto que nem dei atenção à o que ela bebia. Apenas assisti ela beber, negando-me, de saber o que, e acabar com a sua fantasia de que não era um “o mesmo de sempre”. Após terminar, apenas esperamos o que restou no fundo do caneco esfriar, enquanto continuávamos a conversar, rir e observar. O fizemos atentamente. Entre algumas palavras, as quais nem mesmo dei atenção, mas atuei com se sim, reparei no ar simpático que o balconista passava para sua clientela, cuidadosamente tirando a poeira, com uma flanela branca, de um caneco de porcelana, enquanto sorria e memorizava o pedido de um rapaz que acabara de entrar. Voltei novamente o olhar para Débora e, estranhamente, notei suas luvas sobre a mesa, que estavam ali o tempo todo e, mesmo já as tendo visto, não as havia notado. De forma vivaz, vi-a recolher suas luvas, descruzar as pernas, levantar-se decidida e olhar para mim como quem diz que já havíamos ficado o tempo o suficiente para tornar tudo perfeito e um segundo a mais ira fazer perder toda a elegância. Concordei e também levantei. Elegantemente recolhi a cadeira para a mesa e a segui até o balcão. Escorada próxima ao balcão, fui mais cauteloso ao observá-la. Seus cabelos lisos sustentavam uma toca cinza que a fazia parecer a própria majestade inglesa, quando combinada ao sobretudo creme, acompanhado de uma discreta blusa de lã e uma calça preta, cheia de classe, que desenhavam suas pernas de cima a baixo, até se esconderem por entre o par de botas sem salto, com o cano alto sanfonado e combinando com a cor do sobretudo. Suspirei ao deslumbrá-la. Foi como se estivesse diante de algum Da Vince, Bonarotti ou Rembrandt. Senti-me ao lado da melhor das companhias para se viver uma amizade hollywoodiana. Aproximei-me e escorei ao seu lado. Ela esperava seu outro pedido e, enquanto o simpático balconista providenciava o copo de expresso para viagem, olhou-me eufórica e perguntou-me se faria companhia em outro café. Sorri por gratidão, mas recusei timidamente com um lento piscar de olhos: - Obrigado. Já estou satisfeito. E realmente estava. Assim que ela pegou seu expresso, saquei da carteira alguma nota em libras e apoiei ao balcão, olhando fixamente ao balconista, agradecendo pelo excelente atendimento. Assim como eu, ele também não reparou na cédula, que provavelmente quitava tudo e mais a gorjeta. Enquanto caminhávamos até a saída, divaguei sobre a possibilidade de Débora já ter pagado pelo seu café, afinal, até agora ela não demonstrava aceitar muitos cortejos.
Posted on: Sun, 11 Aug 2013 04:06:28 +0000

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