As pombas do Rossio Naqueles anos, era quase impossível - TopicsExpress



          

As pombas do Rossio Naqueles anos, era quase impossível visitar um amigo em Luanda com amigos ou parentes na Tuga que não nos mostrasse o álbum a testemunhar o salto na vida. - Olha, este é o Paizinho, mandou-nos esta foto o mês passado. Está com bom aspecto, mais claro. Engordou um bocado. Bons ares, lá! E lá estava o bom do Paizinho rodeado de pombas, umas a esvoaçarem e outras bem quietas ao seu lado. De cócoras, mão estendida com qualquer coisa que não dava para ver bem na foto – milho? Grãos de arroz? – e um sorriso vencedor num rosto esticado, sem certeza se olha para o fotógrafo ou se se vira para as aves. O Rossio ficou assim famoso entre os angolanos. Era o lugar das pombas que não fugiam e o pessoal que ia de Angola com medo da guerra achava uma piada enorme àquele convívio desigual. Há dias, um dos meus cronistas favoritos, o Salas Neto, trouxe-nos de volta a atmosfera daqueles anos terríveis mas cheios de provincianismos festivos. Os tiros por um lado e, por outro, as famílias convencidas do seu progresso apenas porque um dos seus, depois de grandes peripécias migratórias, tinha podido chegar a Portugal. A foto das pombas podia ser um cliché gráfico mas tinha o valor de um testemunho descodificado de uma etapa cumprida! Tudo isso lembrou-nos o bom do Salas, no seu estilo inconfundível que os estudiosos das letras classificam como “realismo sujo” e é, cada vez mais, garantia de pleno sucesso na literatura dos dias de hoje porque põe toda a gente a falar do modo como as coisas acontecem na natureza, com porras e tudo! Sempre que passo pela Baixa pombalina, um dos meus sectores de eleição na luminosa Lisboa, rendo homenagem àquelas pombas e aos muitos turistas que, desconhecendo quiçá a saga dos angolanos das décadas de oitenta e noventa, prolongam o hábito agora ecológico de se fazerem fotografar ao lado delas. Fotografo os fotógrafos dos diferentes modelos que ajudam a manter a mística do lugar, nos últimos tempos, cada vez mais, rostos de uma Europa mais acima, que conserva o fôlego financeiro há muito perdido na Península Ibérica e arredores. É difícil passar pelas praças que compõem a vasta e majestosa região vizinha do rio Tejo sem colocar-me a curiosa questão de saber se os angolanos dos tempos da ‘pedreira’ (o emprego na construção civil) que ali imortalizavam em fotos a sua gloriosa ascensão hoje voltam a recolher imagens lembrando o passado, mesmo que já não seja para manda-las para Angola? As reviravoltas do mundo transformaram muitos daqueles antigos ‘tenistas’ – como eram conhecidos os pedreiros, na linguagem do meio – em endinheirados sortudos de uma Angola diferente! No voo solto ou reprimido daquelas pombas – os mwangolês quase nunca dizemos pombos – mas, sobretudo, no seu caminhar livre pelo solo, replicam-se vivências de uma história silenciosa e nunca contada de um país que se esvaía em sangue. Saberão as novas gerações esvoaçantes pelas animadas praças do Rossio como terá sido o passado trabalhoso dos seus familiares em linha directa? As fotos que tiveram de fazer todos os dias? Os angolanos de quem foram leais testemunhas? É nesta hora que apetecia compreender, em profundidade, os segredos codificados dos genes que explicam a hereditariedade. Muitas das pombas que se recusam a fugir de nós quando passamos pelas praças lisboetas são, com toda a certeza, sangue do nosso sangue, por via do velho parentesco das fotos dos ‘tenistas’. Está aí a explicação para tanta simpatia e benquerença, até num tempo em que os angolanos deixámos para outros os estúdios ao ar livre, alemães, ingleses, noruegueses, suecos, russos, americanos. Pensei nas pombas de Lisboa quando, do lado de cá, vi mil imagens da pomba que fala de paz, a branca! por: Luís Fernando
Posted on: Thu, 26 Sep 2013 14:49:34 +0000

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