Caracterização psicológica do povo Português “ O - TopicsExpress



          

Caracterização psicológica do povo Português “ O Português é um misto de sonhador e de homem de acção, ou melhor, é um sonhador activo, a que não falta certo fundo prático e realista. A actividade portuguesa não tem raízes na vontade fria, mas alimenta-se da imaginação, do sonho, porque o Português é mais idealista, emotivo e imaginativo do que homem de reflexão. Compartilha com o Espanhol o desprezo fidalgo pelo interesse mesquinho, pelo utilitarismo puro e pelo conforto, assim como o gosto paradoxal pela ostentação de riqueza e pelo luxo. Mas não tem, como aquele, um forte ideal abstracto, nem acentuada tendência mística. O Português é, sobretudo, profundamente humano, sensível, amoroso e bondoso, sem ser fraco. Não gosta de fazer sofrer e evita conflitos, mas, ferido no seu orgulho, pode ser violento e cruel. A religiosidade apresenta o mesmo fundo humano peculiar ao Português. Não tem o carácter abstracto, místico ou trágico próprio da espanhola, mas possui uma forte crença no milagre e nas soluções milagrosas. Há no Português uma enorme capacidade de adaptação a todas as coisas, ideias e seres, sem que isso implique perda de carácter. Foi esta faceta que lhe permitiu manter sempre a atitude de tolerância e que imprimiu à colonização portuguesa um carácter especial inconfundível: a assimilação por adaptação. O Português tem um vivo sentimento da Natureza e um fundo poético e contemplativo estático diferente dos outros povos latinos. Falta-lhe também a exuberância e a alegria espontânea e ruidosa dos povos mediterrâneos. É mais inibido que os outros meridionais pelo grande sentimento do ridículo e medo da opinião alheia. É, como os Espanhóis, fortemente individualista, mas possui grande fundo de solidariedade humana. O Português não tem muito humor, mas um forte espírito crítico e trocista e uma ironia pungente. A mentalidade complexa que resulta da combinação de factores diferentes e, às vezes, opostos dá lugar a um estado de alma sui generis que o Português denomina saudade. Esta saudade é um estranho sentimento de ansiedade que parece resultar da combinação de três tipos mentais ditintos: o lírico sonhador – mais aparentado com o temperamento céltico -, o fáustico, de tipo germânico, e o fatalístico, de tipo oriental. Por isso, a saudade é umas vezes um sentimento poético de fundo amoroso ou religioso, que pode tomar a forma panteísta de dissolução na Natureza ou se compraz na repetição obstinada das mesmas imagens e sentimentos. Outras vezes é a ânsia permanente da distância, de outros mundos, de outras vidas. A saudade é então a força activa, a obstinação que leva à realização das maiores empresas; é a saudade fáustica. Porém, nas épocas de abatimento e de desgraça a saudade toma uma forma especial, em que o espírito se alimenta morbidamente das glórias passadas e cai no fatalismo de tipo oriental, que tem como espressão magnífica o fado, canção citadina, cujo nome provém do étimo latino fatu (destino, fadário, fatalidade). Este temperamento paradoxal explica os períodos de grande apogeu e de grande decadência da história portuguesa. Ao contrário do que muitos disseram, o Português não degenerou; as virtudes e os defeitos mantiveram-se os mesmos através dos séculos, simplesmente as suas reacções é que variam conforme as circunstâncias históricas. No momento em que o Português é chamado a desempenhar qualquer papel importante põe em jogo todas as suas qualidades de acção, abnegação, sacrifício e coragem e cumpre como poucos. Mas, se o chamam a desempenhar um papel medíocre, que não satisfaz a sua imaginação, esmorece e só caminha na medida em que a conservação da existência o impele. Não sabe viver sem sonho e sem glória. Em todas as épocas se verifica o temperamento expansivo e dinâmico do Português. Desde as épocas mais remotas, nos tempos em que a actividade era a guerra, os Lusitanos foram a expressão mais acabada da luta permanente e sem tréguas, que se prolongou pela Idade Média nas lutas da reconquista contra os mouros, para se transformar, finalmente, nas viagens de descobrimentos e de colonização. É também sintomático os Portugueses terem participado em grande parte das guerras europeias, mesmo quando não tinham interesses directamente ligados a tais conflitos. Até a série de revlouções fraticidas do século XIX e princípios do século XX provam o fundo de permanente inquietação e actividade. Porém, essa actividade traz sempre consigo um cunho de ideal. Quase nunca se verifica a acção precedida de cálculo interesseiro e frio. Embora não lhe falte, por vezes, um fundo prático e utilitário, o grande móbil é sempre de tipo ideal. A maior desgraça da nossa história, a infeliz campanha de Alcácer Quibir, em que desapareceu D. Sabastião, com a elite militar do seu tempo, não passou de um grande sonho vivido, de trágicas consequências. Mas a história está cheia de curiosos episódios, como o do Magriço e os Doze de Inglaterra, que vão defender em torneio umas damas ultrajadas por cavaleiros ingleses, a comprovar o fundo de sonhador activo do Português. Além disso, o desprezo pelo pelo interesse mesquinho e o gosto pela ostentação e pelo luxo nunca nos permitiram o aproveitamento eficaz das grandes fontes de riqueza exploradas. Os tesouros passavam pelas nossas mãos e iam-se acumular nos povos mais práticos e bem dotados para capitalizar, como os Holandeses e os Ingleses. Soubemos traficar, mas faltou-nos sempre o sentido capitalista. No século XVI, quando Lisboa era o grande empório do Mundo, sob o brilho do luxo já se ocultava a miséria. Gil Vicente descreve os fidalgos cobertos de rendas e brocados, com a sua corte de lacaios, mas sem dinheiro para comer. Ao contrário dos povos burgueses do Norte e Centro da Europa, o nosso luxo não é um requinte que resulte do conforto, é-lhe quase oposto; é mero produto da imaginação, e não dos sentidos. Ainda hoje temos as camas mais duras da Europa e as ruas estão repletas de automóveis de luxo. São poucas as casas ricas com aquecimento e muitas delas não têm uma sala de estar. Mas essas mesmas casas têm salas de visitas ou até salões de baile cheios de porcelanas da Índia e da China. As pessoas modestas, cujas casas são despidas do mínimo conforto, andam nas ruas vestidas com elegância ou com luxo. Um pequeno empregado de comércio, de pouco ilustração e educação, faz mais figura na rua do que um intelectual alemão ou suiço de boa família e com recursos. Da mesma maneira, qualquer empregadita, que mal ganha para se alimentar, anda vestida impecavelmente e pela última moda. Outro constante da cultura portuguesa é o profundo sentimento humano, que assenta no temperamento afectivo, amoroso e bondoso. Para o Português o coração é a medida de todas as coisas. O sentimento amoroso é muito forte em todas as classes sociais, e fora o aspecto grosseiro, que se compraz em anedotas eróticas, são inúmeros os exemplos de grande e profunda dedicação, acompanhada de gestos de verdadeiro sacrifício. Não só a história como a literatura nos dão prova irrefutável da permanência desta característica através dos tempos. O exemplo mais curioso foi a grande paixão de D. Pedro por Inês de Castro, que nem a morte conseguiu extinguir e que ainda hoje serve de motivo poético e impressiona as sensibilidades. Na literatura basta lembrar a poesia medieval, tão sentida e original, em que com frequência se canta o amor da mulher pelo homem. A lírica de Camões, esse grande amoroso, dá-nos exemplos da mais bela e mais repassada emoção. As cartas de Soror Mariana Alcoforado, palpitantes de paixão veemente, os sonetos de Florbela Espanca, as poesias de João de Deus e muitos outros, sem esquecer a riquíssima poesia popular, particularmente impregnada de sentimento amoroso, são outras tantas afirmações desta constante alma portuguesa. Mas, além da forma puramente amorosa, a afectividade portuguesa revela-se em relação aos parentes, aos amigos e aos vizinhos. O Português não gosta de ver sofrer e desagradam-lhe os fins demsiado trágicos. Daí talvez a pobreza do género dramático da nossa literatura e as soluções felizes que Gil Vicente soube dar a casos de traição conjugal, que em Lope de Vega ou Calderón acabam em vingança sangrenta. Outro aspecto curioso dessa característica são as touradas portuguesas, em que o touro não morre e vem embolado para não ferir os cavalos nem matar os homens. O espectáculo perdeu a intensidade dramática que tem em Espanha, mas ganhou em beleza, pela valorização do toureiro a cavalo, e mantém a nota viril da coragem física com as pegas, em que os homens medem forças com o touro, que é dominado a pulso. Cabe aqui acrescentar que em Portugal não existe a pena de morte, certamente como consequência dessa maneira de ser. O Português tem um forte sentimento de indivudualismo, que se não deve confundir com o de personalidade. Enquanto a personalidade anglo-saxónica ou germânica não colide geralmente com os interesses sociais e só preza a sua liberdade individual, o Português, da mesma maneira que o Espanhol, tem uma forte ânsia de liberdade individual, que muitas vezes é anti-social. A tendência a opor-se a tudo que se lhe não apresente com carácter humano obriga-o a lutar contra as leis e organizações gerais. Detesta o impessoal e o abstracto e põe acima de tudo as relações humanas. O seu fundo humano torna-o extraordinariamente solidário com os vizinhos, e em poucas regiões da Europa existirá ainda vivo como em Portugal o espírito comunitário e de auxílio mútuo. Mas qualquer organização geral que limite as liberdades individuais produz imediatamente um movimento de reacção em que todos são solidários. Um pequeno exemplo anedótico verifica-se no costume de os automobilistas fazerem sinais com os faróis a todos os carros com que se cruzam sempre que tenham visto a polícia das estradas para os porem de sobreaviso. A polícia, como representante da lei geral, é considerada como inimigo, e logo surge a reacção. Nota: Este artigo foi retirado da obra Portugal como Problema da autoria do Dr. Pedro Calafate. O artigo foi adaptado à situação e não se encontra completo.
Posted on: Sat, 09 Nov 2013 10:17:16 +0000

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