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Convido-os a lerem minha resenha publicada no Caderno Pensar do jornal A Gazeta de 03 de agosto de 2013. RESENHA DO LIVRO CADA HOMEM É UMA RAÇA DE MIA COUTO – COMPANHIA DAS LETRAS Lançado no Brasil em 2013, “Cada Homem é uma Raça” foi publicado em 1990 e é a segunda coletânea de contos de Antônio Emilio Leite Couto – tornado Mia devido ao seu irmão não conseguir dizer seu nome direito e pela sua paixão pelos gatos. Nascido em 1955, na Beira, Moçambique, no coração de uma família de emigrantes portugueses, Mia Couto ingressou no curso de medicina na Universidade de Lourenço Marques (atual Maputo). Integrou, na sua juventude, o movimento pela independência de Moçambique do colonialismo português. A seguir à independência, interrompe os estudos e vira-se para o jornalismo, trabalhando em publicações como A Tribuna,Tempo e Notícias, e também a Agência de Informação de Moçambique (AIM), de que foi diretor. Em meados da década de 1980, regressa à universidade para se formar em Biologia. Nessa altura, tinha já publicado, em 1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho. Em 2013 ganhou o prêmio Camões de literatura e ofereceu o prêmio aos mais pobres e esquecidos de Moçambique. Os contos de Cada Homem é uma Raça mostram, além de personagens, um país com sua história, sua política. Na sua prosa poética o autor leva para a escrita a oralidade de Moçambique, sua pobreza, sua falta de esperança, seus órfãos. O elemento terra está quase sempre presente, seja nas estátuas ou nas solas dos sapatos alugados do conto Rosa Caramela (“Quando teve alta, a corcunda saiu à procura de sua alma minéria. Foi então que se enamorou das estátuas, solitárias e compenetradas. Vestia-lhes com ternura e respeito. Dava-lhes de beber, acudia-lhes nos dias de chuva, nos tempos de frio. A estátua dela, a preferida, era a do pequeno jardim, frente à nossa casa. Era monumento de um colonial, nem o nome restava legível. Rosa desperdiçava as horas na contemplação do busto. Amor sem correspondência: o estatuado permanecia sempre distante, sem dignar atenção à corcovada.”), (“Meu pai nem respondia. Parecia mesmo que ele mais se tornava encostadiço, cúmplice da velha cadeira. Nosso tio tinha razão: ele carecia de ocupação salariável. O único despacho de seu fazer era alugar os próprios sapatos. Domingo, chegavam os do clube dele, paravam a caminho do futebol. “Juca, vimos por causa dos sapatos” Ele acenava, lentíssimo. “Já sabem o contrato: levam e, depois, quando regressarem, contam como foi o jogo””), nas minas do marido da princesa russa (“O casal chegou por causa do ouro, como os outros todos estrangeiros que vinham desenterrar riquezas deste nosso chão. Esse Iúri comprou as minas, na espera de ficar rico. Mas conforme dizem os mais velhos: não corras atrás da galinha já com o sal na mão. Porque as minas, padre, eram do tamanho de uma poeira, basta um sopro e o quase fica nada”) nas árvores do passarinheiro ou ainda do barbeiro que tinha sua “barbearia” embaixo de uma maçaniqueira. A forma por vezes fantástica de narrar mostra que o autor não está preocupado somente com o real mas também com a gama psicológica variada do ser humano como no conto Mulher de mim (“Nesse enquanto, ela entrou. Era uma mulher de olhos lisos que humedeciam o quarto. Vagueou por ali, parecia não acreditar em sua própria presença. Seus dedos passeavam pelos móveis, em distraído afeto. Quem sabe ela sonambulasse, aquela realidade lhe fosse muito fictícia? Eu queria avisar-lhe que estava enganada, que aquele não era seu competente endereço”). Não é difícil entender as referências políticas em contos como O apocalipse privado do tio Gueguê ou em Os mastros do paralém. Moçambique, ex-colônia portuguesa, só obteve sua independência em 1975 e sofreu uma guerra civil de aproximadamente 20 anos, entre as décadas de 1970 e 1990 (com um milhão de mortos), ou seja, acontecimentos ainda muito presentes nas mentes dos moçambicanos. Ao contar sobre um órfão e sua solitária vida o autor mostra o que pode ser a origem de tantos desvios devido à falta de amor e cuidados - “Nasci de ninguém, fui eu que me gravidei. Meus pais negaram a herança das suas vidas. Ainda sujo dos sangues me deixaram no mundo. Não me quiseram ver transitando de bicho para menino, ranhando babas, magro até na tosse.” Mia Couto, poeta que também é da prosa, mostra filigranas de estórias feitas do ouro de um país que ainda luta, que veio de um passado onde sua população foi cativa e feita escrava inclusive para o Brasil, um país que está em busca de estabilidade para finalmente crescer. Sotaque da terra Estas pedras sonham ser casa sei porque falo a língua do chão nascida na véspera de mim minha voz ficou cativa do mundo, pegada nas areias do Índico agora, ouço em mim o sotaque da terra e choro com as pedras a demora de subirem ao sol (Raiz de Orvalho)
Posted on: Fri, 20 Sep 2013 21:17:10 +0000

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