DECISÃO DO M.M. JUIZ DA 2ª VARA DE CARAGUATATUBA: Vistos - TopicsExpress



          

DECISÃO DO M.M. JUIZ DA 2ª VARA DE CARAGUATATUBA: Vistos Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Município de Caraguatatuba contra o “Instituto das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada”, esta última pessoa jurídica de direito privado, filantrópica, prestadora de serviços de assistência social e hospitalares, que nesta urbe fundou o hospital "Casa de Saúde Stella Maris". Consoante se depreende da inicial, o Município autor afirma que somente a demandada lhe presta, há mais de cinquenta anos, serviços de pronto atendimento de saúde, pois não há qualquer outro estabelecimento congênere, público ou privado, capaz de atender a demanda local com os atendimentos de urgência e emergência, denominados serviços de pronto socorro, sendo o único hospital da cidade, referenciado para atendimento Sistema Único de Saúde - SUS. Relata que foram firmados com a requerida dois convênios (01/2012 e 02/2012), com vigência entre 22/05/2012 a 31/08/2012, objetivando a cogestão de serviços de Urgência e Emergência, serviços ambulatoriais, serviços hospitalares e de apoio diagnóstico e terapia, mediante mensal no importe de R$ 1.793.988,80. Porém, diante da iminência do término dos referidos convênios sem manifestação da conveniada quanto à prorrogação, e não havendo outro hospital na cidade, o Município autor assevera que se socorreu do Poder Judiciário para garantir a continuidade dos referidos serviços públicos, dando origem à ação cautelar preparatória n.1185/12, que tramita nesta 2ª Vara Cível. Enfatiza que, posteriormente, propôs a Ação Civil Pública n.1282/12 - ação principal àquela n.1185/12 -, distribuída a este Juízo por dependência, objetivando a não interrupção dos aludidos serviços conveniados, no bojo da qual, após o início do funcionamento da Unidade de Pronto Atendimento Municipal - UPA, pleiteou e foi deferida a continuidade apenas do Convênio n. 02/12, que é relativo aos serviços públicos médico-hospitalares. Assevera que a despeito de efetuar os repasses previstos no convênio 02/12, a demandada não lhe vem mantendo a retaguarda necessária, deixando se receber e de internar pacientes referenciados pela UPA Central, inclusive deixando de informar à Secretaria de Saúde o número de leitos disponíveis, dificultando a transferência para internações. Narra que todas as tentativas de conciliação extrajudiciais e judiciais resultaram infrutíferas, mesmo após a Prefeitura ter se comprometido adiantar os repasses financeiros que eram de competência estadual para auxiliar a entidade, quando, em 11/07/2013, a requerida infirmou, por ofício, a paralisação dos médicos quanto aos atendimentos referentes aos pacientes do SUS, o que de fato ocorreu, apesar de tais profissionais continuarem recebendo valores relativos aos atendimentos de particulares e convênios. Nesse ponto, o Município autor argumenta que a demandada assumiu postura intransigente, dificultando a solução do impasse, na medida em que se manteve irredutível quanto à necessidade, para funcionamento, de um repasse adicional mensal de R$ 1.100.000,00, sem prejuízo do montante de R$ 936.000,00 que já recebe atualmente. Segundo o autor, tal pretensão não se justifica, pois o repasse mensal à entidade requerida chegaria a R$ 2.036.000,00, valor bem superior aos R$ 1.793.988,80 mensais oriundos dos dois convênios considerados conjuntamente, logo, recebendo mais para fazer menos. Salienta que a demandada ainda recusou todas as demais propostas de composição amigável, inclusive aquela com elevação do repasse Estadual no valor de R$ 710.000,00, que ainda seria complementado com a elevação do valor do repasse “Pró-Santa Casa Municipal” para R$ 200.000,00, e caracterizado pela gestão compartilhada do hospital. O autor pontua que a entidade requerida tem recusado atendimento a crianças e gestantes, pessoas que acabam encaminhadas aos hospitais de outras cidades, sofrendo risco de vida pelo não atendimento imediato. Argumenta que tal conduta representa nítido descumprimento da decisão judicial proferida nos autos n.1185/12, e está em desconformidade com a obrigação de a entidade filantrópica prestar, no mínimo, 60% de seus serviços e internações aos usuários do Sistema Único de Saúde, consoante art. 4°, inciso II, da Lei n.12.101/09, e art. 20, do Decreto Federal n. 7237/10. Avocando a urgente necessidade de empreender medidas, em especial em razão da paralisação dos médicos da Casa de Saúde Stella Maris, o Poder Executivo Municipal, por meio do Decreto Municipal n. 92, de 12/07/2013, decretou estado de emergência e de calamidade pública no âmbito dos serviços de saúde pública desta urbe, aduzindo que “a única forma de restabelecer o atendimento e ampliar os serviços prestados, retomando, assim, a paz e a normalidade para a população é o Município assumir a gestão do hospital, o que só é possível mediante intervenção judicial no referido nosocômio”. Em razão de tal cenário, o Município autor pretende seja deferida tutela de urgência, inaudita altera pars, para que seja determinado, in verbis, o “imediato afastamento dos diretores administrativos e do corpo clínico da requerida, até ulterior deslinde final da presente ação, com a nomeação, por prazo inicial mínimo de 01 ano (passível de prorrogação, se necessário), de um interventor ou uma Comissão Gestora Interventora, em qualquer caso indicado pela Secretaria Municipal de Saúde, gestor do Sistema Único da Saúde no âmbito do Município, para administrar provisoriamente a entidade, visando, assim, garantir a continuidade da prestação dos serviços públicos de saúde de atendimento de urgência e de emergência, de serviços médicos hospitalares, em especial quanto à continuidade da prestação dos serviços de saúde objeto do Termo de Convênio n. 02/2012. Nomeado o interventor ou a Comissão Gestora Interventora, requer seja determinado que esta assuma imediatamente a direção da Casa de Saúde Stella Maris, tomando as medidas pertinentes à consecução de seu mister, com poderes, inclusive, de demissão e contratação de pessoal, seja para a área administrativa ou para o corpo clínico”. Ao final, pugna pela procedência para que, mesmo após a cessação da intervenção, “a requerida seja condenada a continuar prestando serviços de atendimento de saúde à população nos exatos termos de sua obrigação com entidade integrante do Sistema Único de Saúde, tudo de acordo com determina as Leis 8.080 e 12.101/2009, e o Decreto Federal n. 7237/2010”. Com a inicial vieram os documentos de fls.16/171. O Ministério Público se pronunciou pelo deferimento da tutela de urgência, mas não sem antes pontuar que, in verbis, “(...) o pedido formulado pelo Município, de intervenção judicial, deve ser compreendido como pedido de mera autorização judicial de intervenção a ser concretizada pelo Município, por seus próprios meios e com base em seu poder de requisição administrativa, o qual, a partir de então, deverá assumir os riscos que decorrem logicamente de tal ato, sem prejuízo do controle de eventuais abusos por meio dos remédios legais, inclusive pelo Ministério Público”. E mais, in verbis: “Penso que a atividade jurisdicional deva se esgotar em tal ponto. Ir além significaria assumir responsabilidades inerentes à administração pública, cujos serviços são norteados por princípios próprios, como os da permanência, eficiência e modicidade, os quais, por vezes, são conduzidos por decisões de natureza política, calcadas na discricionariedade do ato administrativo” (fls.173/180). Por meio da petição de fls.182/19, os Conselheiros Titulares do COMUS – Conselho Municipal de Saúde de Caraguatatuba, por iniciativa própria, informaram que a intervenção pretendida pelo Município não foi aprovada pelo aludido Conselho. Às fls.195, foi deferido o pedido formulado às fls.193 para a suspensão do processo, pelo prazo de vinte e quatro horas, para que o Município apreciasse possível proposta de acordo que aportou, por meio de petição, nos autos n.1185/12. Às fls.197, o Município infirmou que não sobreveio acordo. Vieram os autos conclusos. É o relatório. Fundamento e decido. As narrativas desenvolvidas na petição inicial revelam, mais uma vez, que se está diante de processo que envolve questão do mais alto relevo, cuja gravidade e repercussão não refogem à coletividade. Em essência, busca-se a efetiva e escorreita continuidade da prestação dos serviços de atendimento médico-hospitalar à população de Caraguatatuba, que notória e indubitavelmente vem experimentando os maléficos e danosos reflexos de uma paralisação de significativa parte de tais atendimentos. Saliento, desde logo, que o problema em tela não pode ser examinado à distância dos valores mais essenciais e dos princípios jurídicos fundamentais de nosso ordenamento. E isso porque o eixo central da controvérsia está fixado nas bases do direito à vida, em torno do qual gravitam as necessidades elementares do ser humano, tais como seu direito à saúde e sua integridade física e mental. Posto isso, observo que a pretensão municipal é muito clara, pois objetiva seja autorizada judicialmente a requisição administrativa dos serviços médicos hospitalares e de retaguarda à Unidade de Pronto Atendimento – UPA, cuja causa de pedir, em essência, são as omissões e as práticas abusivas imputadas à entidade demandada, que, de forma injustificada, teria deixado de prestar o serviço médico-ambulatorial e de retaguarda em absoluta desconformidade com sua obrigação legal e em desobediência à ordem judicial. Tal desiderato encontra sua tônica no fato de que a casa de Saúde Stella Maris é a única estrutura hospitalar do gênero existente nesta cidade de Caraguatatuba, de modo que o atendimento de muitas pessoas vem ocorrendo em outras cidades da região, em especial mulheres gestantes, parturientes, nascituros, recém-nascidos e crianças, que incorrem em riscos ainda maiores em razão do deslocamento. Além de aparentemente rareadas as alternativas de solução ou de amenização do grave problema estrutural, anoto que a Unidade de Pronto Atendimento – UPA - que é habilitada para prestar assistência de urgência e emergência de média complexidade no Sistema único de Saúde - SUS -, deve funcionar ininterruptamente e, em razão de sua natureza, receber a retaguarda de uma unidade Hospitalar de atendimento às urgências e emergências de maior complexidade. Eis, pois, que a Unidade de Pronto Atendimento não é unidade hospitalar e, por isso, não pode e não deve subsistir sem a devida retaguarda de uma unidade Hospitalar, sob pena de desvirtuamento de sua finalidade e falência crônica de todo um sistema, fazendo com que milhares de pessoas deixem de receber atendimento médico adequado e, por conseguinte, sofrerem danos irreparáveis ou de difícil e incerta reparação. Ressalte-se que os efeitos negativos são diretamente sentidos no atendimento de casos de menor complexidade, justamente porque a Unidade de Pronto Atendimento - UPA integra um sistema em rede cuja atenção básica é realizada pelas Equipes de Saúde da Família - ESP e pelas Unidades Básicas de Saúde – UBS, às quais deve prestar retaguarda ou atender sua grande demanda quando tais unidades estiverem inativas. Outro problema bastante recorrente tem sido afeito ao atendimento pré-hospitalar móvel, a saber, o serviço de atendimento móvel de urgência – SAMU, pois é por ocasião de tais atendimentos iniciais que a equipe técnico-profissional, ao estabilizar o quadro de urgência, identificará qual o estabelecimento adequado que o paciente deverá ser encaminhado para continuidade do tratamento, seja à Unidade de Pronto Atendimento – UPA, seja ao Hospital nas hipóteses de maior complexidade, sempre observados os protocolos médicos ou as orientações do médico regulador de urgências. Não é demais relembrar e assinalar que a Unidade de Pronto Atendimento - UPA não existia quando da assinatura dos convênios 01/12 e 02/12, de modo que todos os serviços eram realizados pela demandada na Casa de Saúde Stella Maris. E tanto é verdade que a liminar inicialmente deferida nos autos n.1185/12 obrigou a requerida, in verbis, “a não interromper os serviços públicos de saúde de atendimento de urgência e de emergência no Município de Caraguatatuba bem como não deixar de prestar os serviços médicos hospitalares previstos nos Termos de Convênio 01/12 e 02/12, tudo pelo período de sessenta dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 100.000,00, até o limite de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais)”. Posteriormente, em atenção à inauguração e o início das atividades da Unidade de Pronto Atendimento, houve a necessidade de modulação da decisão liminar para que fosse mantido tão somente o convênio 01/2012, referente aos serviços médico-hospitalares, serviços de internação (internações eletivas ou de emergência ou de urgência) e serviços de assistência, já que aqueloutros previstos no convênio 02/2012, referentes aos serviços médico-ambulatorial, passariam a ser realizados pela Unidade de Pronto Atendimento – UPA. É de bom alvitre sublinhar que, evidentemente, a inauguração da Unidade de Pronto Atendimento – UPA acarretou inevitável redução do valor do repasse mensal à entidade, e isso porque enquanto no convênio 02/2012 previa receita à ordem de R$13.406.064,00 anuais, com parcelas fixas mensais de R$1.117.172,00 (artigo 7º da Portaria GM/MS n. 3.123 de 7/12/06), o convênio 01/2012 (cláusula 7ª) prevê repasse anual no importe de R$2.707.267,20, o que representa a receita mensal de R$676.816,80, devendo ser considerados o abatimento de mensal de R$ 156.653,95 (fls.17 item II), e o acréscimo de R$720.000,00 para reembolso de despesas (fls.17 item III), sem olvidar, ainda, os outros repasses da União Federal, do Estado de São Paulo, e ainda outros eventuais complementares previstos no parágrafo segundo da citada cláusula sétima. Dentre todos os efeitos decorrentes da inauguração da Unidade de Pronto Atendimento – UPA, os últimos episódios tornam evidente que toda a celeuma e discórdia está enfronhada pelos seus efeitos econômico-financeiros. Aliás, tanto é verdade que foi essa a essência do debate travado por ocasião das audiências de tentativa de conciliação realizadas neste Juízo, nos dia 09 de maio de 2013 e 12 de julho de 2013, conforme captado pelo sistema de áudio e vídeo, cuja mídia está acostada aos autos n.1185/12. Porque oportuno, e para melhor ilustrar a situação, foi por ocasião da segunda audiência que o Município afirmou ter cumprido tanto os termos do convênio 01/2012 quanto o acordo de antecipação de recursos assumido na primeira audiência, não se justificando a paralisação dos médicos. Frisou, ainda, que a demandada teria recusado a oferta do Governo Estadual que estava disposto a efetuar um repasse mensal no importe de R$ 718.000,00, e que a entidade não havia comprovado adequadamente os custos dos serviços prestados. De outro lado, por sua vez, a requerida apresentou balancete referente ao mês de maio/2013, afirmando tratar-se de conta individualizada e referente tão somente às despesas com o atendimento SUS, notadamente serviços de retaguarda, estrutura de funcionamento, plantão médico, etc. Ainda segundo a referida entidade, seriam insuficientes os repasses oriundos do convênio 01/2012 para o custeio dos serviços médico-hospitalares, mas não soube informar qual seria o recurso necessário para garantir a realização de tais serviços. Ainda no aspecto econômico-financeiro, também é preciso ponderar que a casa de saúde Stella Maris deixou de fazer atendimento espontâneo no que tange aos serviços de pronto socorro, e isso significa dizer que a referida unidade hospitalar passou a atender tão somente os pacientes que são referenciados pela Unidade de Pronto Atendimento – UPA, ou ainda na hipótese de pacientes politraumatizados. Essa consideração é de rigor porque, ao menos em tese, não causa reflexos nos custos mensais dos serviços, que estariam previstos no já aludido convênio 01/2012. Some-se, ainda, que a entidade requerida destina-se tanto a atendimentos oriundos do “Sistema Único de Saúde – SUS” quanto ao atendimento de particulares e de convênios, fato que conduz à conclusão de que a Casa de Saúde reúne outras fontes de receita. Todavia, segundo a própria demandada, as três fontes servem para custear a estrutura como um todo, não havendo uma individualização precisa quanto à parcela da estrutura ou quanto aos profissionais necessários ao atendimento SUS, o que gera evidente impacto na definição dos custos dos serviços. Ressoa intuitivo, ao menos por ora, que a pretensão do Poder Público Municipal, ao propor a gestão compartilhada, era não só instrumentalizar os serviços médico-hospitalares, mas também participar ativamente da definição dos custos decorrentes dos serviços prestados em decorrência do convênio 01/2012, e não tão somente analisar prestação unilateral de contas, pois, a rigor, tal possibilidade já encontra respaldo no próprio corpo do convênio e no poder de administrativo de fiscalização. Uma análise precipitada poderia conduzir à conclusão de que o Município estaria lançando dúvidas quanto à gestão empreendida pela requerida em relação ao repasse público, parecendo levar os limites da controvérsia para além do mero equilíbrio econômico e financeiro da atividade prevista no convênio 01/2012. Porém, tal extensão não ocorre, pois, além de não ser ela expressa, o pedido final deduzido pelo Município deixa claro que o seu propósito é a condenação da demandada a cumprir obrigação de ”continuar prestando serviços de atendimento de saúde à população nos exatos termos de sua obrigação com entidade integrante do Sistema Único de Saúde, tudo de acordo com determina as Leis 8.080 e 12.101/2009, e o Decreto Federal n. 7237/2010”. Veja-se que não mais se faz referência ao convênio 01/2010, quedando-se evidente que o autor não mais pretende seja mantido aludido convênio, seja porque não mais existem vontades convergentes para a sua mantença, seja porque imperiosa a readequação dos serviços e a redefinição dos respectivos custos. Isso é plenamente passível de afirmação porque o pedido de liminar envolve providência de caráter excepcional, revelando que o Município pretende intervir na estrutura da demanda e assumir a gestão do Hospital, e tal ação, repita-se, foi apontada pelo autor como sendo “a única forma de restabelecer o atendimento e ampliar os serviços prestados, retomando, assim, a paz e a normalidade para a população”. Entretanto, referido pedido merece ser analisado com bastante cautela, pois representa a ocupação temporária da propriedade, bens e serviços da demandada pelo município, ainda que a intervenção no domínio econômico de tal atividade vise atender necessidades públicas apontadas como de perigo concreto e iminente. A cautela se justifica porque não se está diante de uma intervenção judicial, conforme quer fazer crer o Município autor, pois tal ação afina-se ao ato administrativo conhecido como requisição administrativa civil, e tais institutos são diametralmente diversos, com características e efeitos próprios, conforme se analisa a seguir. No que pertine ao caso em tela, a Lei n. 8.080, de 19.9.1990, que regula os serviços de saúde, prevê a hipótese de requisição de bens e serviços de pessoas naturais ou jurídicas, para atendimento de "necessidades coletivas, urgentes e transitórias, oriundas de perigo iminente, calamidade pública ou irrupção de epidemias” (art.15, XIII), sem prejuízo de eventual e justa indenização. No que tange ao tema, precisas são as lições de José dos Santos Carvalho Filho, segundo o qual, in verbis: “O administrador público não é livre para requisitar bens e serviços. Para que possa fazê-lo, é necessário que esteja presente situação de perigo público iminente, vale dizer, aquele perigo que não somente coloque em risco a coletividade, como também que esteja prestes a se consumar ou a expandir-se de forma irremediável se alguma medida não for adotada”. (...) O fundamento genérico das requisições é o mesmo das servidões administrativas: o art. 5º, XXIII, e o art. 170, III, da CE Ambos qualificam a propriedade como direito condicionado ao atendimento da função social. Além desse fundamento, a Constituição trouxe à tona dispositivo específico para as requisições. Dispõe o art. 5º, XXV; da CF: "no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano". O vigente Código Civil, confirmando o instituto na parte em que disciplina a propriedade, deixou expresso que o proprietário pode ser privado da coisa não só em caso de desapropriação, como também "no de requisição, em caso de perigo público iminente" (art. 1.228, §3º), o que reforça o caráter social da propriedade. De outro lado, a Lei n. 8.080, de 19.9.1990, que regula os serviços de saúde, contempla a requisição de bens e serviços de pessoas naturais ou jurídicas, para atendimento de "necessidades coletivas, urgentes e transitórias, oriundas de perigo iminente, calamidade pública ou irrupção de epidemias", assegurada justa indenização. Objeto das requisições é bem amplo: abrange bens móveis, imóveis e serviços particulares. A finalidade é sempre a de preservar a sociedade contra situações de perigo público iminente. Numa situação de iminente calamidade pública, por exemplo, o Poder Público pode requisitar o uso do imóvel, dos equipamentos e dos serviços médicos de determinado hospital privado. A requisição só não será legítima se não estiver configurada a situação de perigo mencionada na Constituição. Nesse caso, pode o proprietário recorrer ao Judiciário para invalidar o ato de requisição”. (in Manual de Direito Administrativo, 25ª Ed, São Paulo: Atlas, 2012, pags.781/784). Vê-se, pois, que a requisição administrativa é ato unilateral e auto-executório que a Administração Pública pode fazer uso, desde que presentes as hipóteses justificantes, sem prévia intervenção do Poder Judiciário. Nesse ponto, o renomado jurista já citado acrescenta que, in verbis, “Verificada a situação de perigo público iminente, a requisição pode ser de imediato decretada. Significa, pois, que o ato administrativo que a formaliza é autoexecutório e não depende, em consequência, de qualquer decisão do judiciário. É esse ato administrativo, portanto, que institui a atuação interventiva sob a modalidade de requisição. O ato de requisição apresenta dois ângulos que devem ser devidamente analisados. Sob o aspecto da necessidade da situação de perigo público iminente, pressuposto do instituto, o ato de requisição é vinculado. Quer dizer que o agente administrativo não pode praticá-la se ausente esse pressuposto; nenhuma liberdade de ação se lhe confere nesse ponto. A situação de perigo público, porém, só pode ser avaliada pelo administrador, e nessa avaliação não há como deixar de se lhe reconhecer o poder jurídico de fixá-la como resultado de valoração de caráter eminentemente administrativo. Nem por isso o ato pode ser infenso à apreciação judicial. A apreciação, todavia, há de cingir-se ao exame da legalidade do ato, e não aos aspectos de avaliação reservados ao administrador. Se falta o pressuposto do perigo público iminente, por exemplo, cabe ao Judiciário invalidar o ato por vício de legalidade. a mesmo sucederá se houver arbítrio do administrador na avaliação do perigo: nesse caso, o vício estará localizado no motivo ou no objeto do ato, ou, ainda, na falta de congruência entre esses elementos, o que possibilita a sua invalidação na via judicial. Mas, sem haver arbítrio na valoração, não pode o juiz substituir-se ao administrador; sendo assim, ser-lhe-á vedado alterar o conteúdo da manifestação volitiva do administrador. A extinção da requisição se dará tão logo desapareça a situação de perigo público iminente. Por essa razão, a requisição é de natureza transitória, sabido que aquela situação não perdurará eternamente.” (Autor, op. cit.). Atento a tais parâmetros, e tendo em vista a declaração de calamidade pública pelo Chefe do Poder executivo, é plenamente possível afirmar que o Município não depende de qualquer autorização judicial prévia para realizar o ato de requisição, conclusão esta que poderia facilmente conduzir ao abreviamento deste feito sem resolução de seu mérito, ou seja, em outras palavras, seria o caso de o processo ser extinto por carência de ação em razão de falta de interesse de agir (condição da ação), por desnecessidade desta via eleita. Sobreleve-se que o próprio Município autor afirmou que a decretação do estado de calamidade já “possibilitaria que o Município requisitasse os bens e serviços da requerida para garantir a não interrupção dos serviços”, mas em seguida argumenta que, com a judicialização da questão, tornar-se-ia necessária a autorização judicial. O que torna factível tal necessidade de autorização prévia é a evidente incompatibilidade entre eventual requisição administrativa, sem prévia autorização judicial, e a decisão liminar proferida por este Juízo nos autos n.1185/12, decisão esta que ainda vigora e obriga a requerida a prestar os serviços previstos no convênio 01/2012. Tal incompatibilidade exsurge na medida em que, caso fosse realizada a intervenção administrativa pelo Município, a requerida estaria impedida de cumprir a decisão judicial liminar, e tal liberação somente poderia decorrer, no caso em tela, de outra ordem emanada pelo Poder Judiciário. Logo, condicionar a requisição administrativa à prévia autorização judicial não significa desnaturar o ato administrativo, nem tampouco retira da Administração Pública sua prerrogativa de auto-executoridade, mas tem o nítido e preciso escopo de conformar a decisão de requisição ao fato de que ainda vige no mundo jurídico decisão judicial anterior que trata do mesmo substrato fático, porém com contornos obrigacionais distintos. Ainda nesse ponto, saliento o seguinte trecho do parecer do nobre representante do Ministério Público, enfático no sentido de que, in verbis: “Por isso, o pedido formulado pelo Município, de intervenção judicial, deve ser compreendido como pedido de mera autorização judicial de intervenção a ser concretizada pelo Município, por seus próprios meios e com base em seu poder de requisição administrativa, o qual, a partir de então, deverá assumir os riscos que decorrem logicamente de tal ato, sem prejuízo do controle de eventuais abusos por meio dos remédios legais, inclusive pelo Ministério Público. Penso que a atividade jurisdicional deva se esgotar em tal ponto. Ir além significaria assumir responsabilidades inerentes à administração pública, cujos serviços são norteados por princípios próprios, como os da permanência, eficiência e modicidade, os quais, por vezes, são conduzidos por decisões de natureza política, calcadas na discricionariedade do ato administrativo” (fls.180 - grifei). Superado isso, entendo que a pretensão do Município deva mesmo ser deferida para que seja empreendida a requisição administrativa civil, justamente para que os serviços de saúde prestados pela requerida sejam retomados. Oportuno entronizar o fato de que todas as possibilidades de conciliação foram franqueadas por este Juízo, e os inúmeros documentos e petições que aportaram nos autos n.1185/12 e 1282/12 revelam que o impasse econômico-financeiro tem se mostrado de difícil ou impossível transposição, e a população não pode continuar sofrendo cada vez mais com as amargas consequências. Verdadeiramente, o amparo fático da medida excepcional está suficientemente demonstrado, pois é notória a caótica situação pela qual passam os serviços de saúde neste Município, sem perspectiva concreta de melhora em curto espaço de tempo, com reflexos negativos e impactantes nas cidades vizinhas. Logo, tal constatação não está resumida à mera apreciação e avaliação do Administrador Público, e também não cabe ao Poder Judiciário fazê-lo, pois não lhe cabe assumir o papel de administrador público, devendo se limitar à analise da legalidade, da proporcionalidade, da razoabilidade e eventuais desvios de finalidade, tudo para garantir o atendimento do interesse público. Assim, nem se atribua, indevidamente, ao Judiciário, no contexto em exame, qualquer intrusão (inexistente) em esfera reservada ao Poder Executivo. É justamente com base em tais premissas fático-jurídicas que não se me afiguram presentes vícios capazes de macular ou infirmar a legalidade da medida de requisição administrativa, máxime porque milhares de pessoas anelam por soluções imediatas e eficazes. Francamente, de um modo geral, os debates acerca da precariedade dos serviços de saúde nem de longe são assuntos novos, e os episódios mais recentes são meros reflexos de um sistema que intuitivamente precisa ser aprimorado, pois não se justificam as paralisações gerais dos médicos, os deslocamentos de pessoas para serem atendidas em outras cidades, a impossibilidade de realização de algumas cirurgias, etc. Reservando-me à generalidade, observo que as atividades em exame envolvem o manejo de recursos públicos com destinação vinculada, recursos estes que devem ser desenvolvidas com eficiência em prol da prevalência do direito à vida, não sendo demais frisar que o interesse público é indisponível e supremo. Ressalte-se que as correntes notícias acerca da calamitosa situação da saúde em diversos Municípios brasileiros jamais poderão servir para justificar a situação ora vivida pelo povo caraguatatubense, pois, a despeito de a saúde ser um problema crônico em quase todo o país, é dever do Poder Público empreender medidas para saná-lo. Relembre-se que a Constituição da República, de acordo com os artigos 6°, 196 e 197, elegeu a saúde como direito social e fundamental do cidadão e dever do Estado (União, Estados e Municípios), assegurando o acesso universal e igualitário de todos às ações e serviços de saúde pública, na amplitude dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e das garantias fundamentais do direito à vida e à saúde. Em recente julgado da nossa Suprema Corte, destaca-se que, in verbis: "Consolidou-se a jurisprudência desta Corte no sentido de que, embora o art. 196 da Constituição de 1988 traga norma de caráter programático, o Município não pode furtar-se do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde por todos os cidadãos. Se uma pessoa necessita, para garantir o seu direito à saúde, de tratamento médico adequado, é dever solidário da União, do Estado e do Município providenciá-lo." (AI 550.530-AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, OJE de 16-8-2012). E mais, porque relevante: "O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço." (AI 734.487-AgR, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010.) Vide: RE 436.996-AgR, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 22-11-2005, Segunda Turma, DJ de 3-2-2006; RE 271.286-AgR,Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 12- 9-2000, Segunda Turma, DJ de 24-11-2000). "O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente. O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. ( ... ) O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/Aids, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts, 5°, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade, Precedentes do STF," (RE 271.286-AgR, Relator Ministro Celso de Mello, julgamento em 12-92000,Segunda Turma, DJ de 24-11-2000) No mesmo sentido: AI 550.530-AgR, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 26-6-2012, Segunda Turma, DJE de 16-8-2012; RE 368.564, Relator p/ o ac. Ministro Marco Aurélio, julgamento em 13-4-2011, Primeira Turma, DJE de 10-8-2011; STA 175-AgR, Relator Ministro Presidente Gilmar Mendes, julgamento em 17-3-2010, Plenário, DJE de 30-4-2010, Vide: AI 734.487-AgR, Relator Ministro Ellen Gracie, julgamento em 3-8-2010, Segunda Turma, DJE de 20-8-2010). Não há menor dúvida de que a Constituição Federal de 1988 é moderna e profundamente principiológica, impondo aos agentes políticos valores éticos de equilíbrio, discernimento e serenidade, para que, pautados em padrões de condutas, possam equalizar os valores da eficiência e da celeridade, e desempenhar seu papel legítimo em uma sociedade cada vez mais adversarial. O Poder Judiciário brasileiro tem a característica de independência política, diferentemente do que ocorre em outros países da América Latina, propiciando um Judiciário independente e plenamente capaz de fazer cumprir os mandamentos constitucionais, e garantir sua eficácia jurídico-social. O caso em exame é tão delicado que não se faz excessivo ponderar que a Justiça, por não ser um conceito subjetivo, não pode ser confundida com bons sentimentos, pois antes é objetiva, com a aplicação da lei e dos princípios ao caso concreto. Enquanto o Poder Público Municipal e a entidade demandada seguem rivalizando, certo é que há entre tais interesses um terreno comum, preponderante, a saber, o interesse público de prestação dos serviços de saúde e a preservação da vida e da dignidade humana. Porque da narração dos fatos reputo presentes os requisitos legais para a concessão da tutela de urgência pretendida, em especial porque o periculum in mora envolve valores jurídicos de especial essencialidade, em âmbito de relevância constitucional, sob pena de perecimento do direito ou geração de danos irreparáveis ou de difícil reparação, concluo que deve ser deferida a requisição administrativa civil para que o Município, observado todo o acima exposto, possa assumir e restabelecer os serviços de saúde nesta urbe, até então prestados pela requerida. Posto isso, com fulcro no artigo 273 do Código de Processo Civil, e art.15, XIII, da Lei n. 8.080, de 19.9.1990 DEFIRO EM PARTE a tutela de urgência para autorizar o Município de Caraguatatuba requisitar, imediatamente, pelo prazo inicial de um ano, bens, serviços e a direção da Casa de Saúde Stella Maris, administrada pelo “Instituto das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada”, para o fim de atendimento de necessidades públicas urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, conforme Decreto Municipal n. 92, de 12/07/2013, por meio do qual foi declarada a situação de calamidade pública. Para tanto, compete unicamente ao Município, sem qualquer outra necessidade de autorização ou pronunciamento jurisdicional, definir a formação e nomeação de Comissão Gestora Interventora, escolha, nomeação e remuneração de Interventor, bem como lhe é de exclusiva responsabilidade a execução de todos os atos inerentes à requisição administrativa civil, tais como contratações e demissões. Considerando a nítida incompatibilidade desta decisão com aqueloutra liminar proferida nos autos da ação 0008777-67.2012.8.26.0126 (ordem n.1185/12), e considerando que as vontades do Município e da requerida não mais convergem para a manutenção dos convênios 01/2012 e 02/2012, revoguei, na data de hoje, aludida liminar. Espeça-se o necessário com a máxima urgência. Cite-se. Intime-se. Ciência ao Ministério Público. Caraguatatuba, 18 de julho de 2013. JOÃO MÁRIO ESTEVAM DA SILVA Juiz de Direito Titular
Posted on: Fri, 19 Jul 2013 00:51:44 +0000

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