DEMOCRACIA PLEBISCITÁRIA – 2 – POR QUE NÃO INSTITUIR O - TopicsExpress



          

DEMOCRACIA PLEBISCITÁRIA – 2 – POR QUE NÃO INSTITUIR O OSTRACISMO? Em 1995, sob o título “Democracia Plebiscitária – Utopia e Simulacro da Reforma Política no Brasil”, afirmei que o nosso sistema político carecia de um critério forte de atribuição de responsabilidade política. Denunciei que, por isso, se condenava a cidadania: ou a aceitar passivamente a falsidade ideológica dos seus governantes e representantes; ou, a virar a mesa da institucionalidade democrática, apostando no espoucar esporádico de um decisionismo espontaneísta das massas, promovendo julgamentos políticos sumários e alimentando o autoritarismo endêmico de pretensos governos de salvação nacional. Para você, meu amigo, que não aguenta mais a hipocrisia da vida política brasileira, eu reproduzo um tópico daquele texto: “PRESIDENCIALISMO COM OSTRACISMO: UMA ALTERNATIVA SÉRIA, CONSEQÜENTE E INDISPENSÁVEL, PARA A CONSOLIDAÇÃO DEMOCRÁTICA A questão atual da recorrência endêmica da ruptura institucional - ou do recurso ao golpe de estado - implica, antes do mais, numa resposta à questão substantiva, que o texto de Maquiavel já perscrutava: quem é o oprimido e quem deve exercer a soberania? Assim, quando a teoria democrática formula o conceito de cidadania - já postula normativamente o povo como soberano. A nobreza ou qualquer outra oligarquia passam à condição de uma simples elite, cuja relação com a soberania é acessória e instrumental. E o prospecto da governabilidade democrática, que reconhece a inevitabilidade da sua presença e a crucialidade da sua circulação, passa a visualizar como seus maiores inimigos a corrupção do poder absoluto e a ociosidade da classe dirigente, que promovem a conspiração, justificam a resistência e induzem a alienação da soberania, como alternativa de sobrevivência, face a intolerável opressão. Para o seu enfrentamento, a democracia tem postulado a necessidade de freios institucionais ao descontrole das elites, capazes de preservar a soberania e o interesse da cidadania. Tal é o sentido, que essa análise empresta aos mecanismos para atribuição positiva de responsabilidade política, que o princípio do governo republicano tem formulado. Caberia razão aos críticos doutrinários do presidencialismo, se esse regime, enquanto tal, fosse insuscetível de oferecer resposta ao problema da responsabilização política da sua elite executiva. Já vimos que, por meios informais, o presidencialismo real - em nações de democracia avançada se sustenta como fórmula política, capaz de assegurar razoável patamar de responsabilidade política. Cabe, no entanto, investigar se nas condições oferecidas pelos países em transição, que tentam consolidar democracias, onde o quadro partidário é frágil, o ethos burocrático é corporativo, e a cultura política é conformista e autoritária, o presidencialismo ofereceria alternativas para a cobrança da responsabilidade política, capazes de manter sob controle o processo endêmico do autoritarismo ou, como o pretendem alguns, o fantasma do presidencialismo plebiscitário, como se o termo plebiscitário enquadrasse um juízo de valor negativo. Exatamente, porque não se visualiza no termo plebiscitário uma característica, em princípio antidemocrática, mas ao contrário uma referência à soberania do povo, essencial à democracia, esta reflexão inclina-se a buscar no exemplo histórico das democracias plebiscitárias, o antídoto para o abuso do mandato popular em cargos executivos. É o que nos leva a explorar a possibilidade de resgate de um instituto ancilar da democracia grega. Seguramente, a forma mais radical e contundente de atribuição positiva de responsabilidade política numa democracia foi a institucionalização do ostracismo. Instrumento de legítima defesa da cidadania, contra a apropriação indébita do poder social, este instituto apresenta duas características, que o distinguem, do mero reconhecimento do direito de resistência da cidadania e da justificação da violência, no golpe de Estado ou no tiranicídio. Diferentemente do primeiro, que estabelece o princípio da sobrevivência com dignidade na desordem, que é opressão; o ostracismo é rotina de trabalho de uma ordem estabelecida para assegurar a liberdade. Ao contrário do segundo, pelo qual se funda a excepcionalidade no trato da cidadania e a desigualdade no julgamento dos incumbentes, recusando ao tirano as garantias de processo, até mesmo para privação do direito pessoal inalienável, que é a vida; o ostracismo rotiniza o direito de opor-se uma interdição legítima ao exercício de mandatos futuros a quem se demonstrou inconveniente na gestão da coisa pública. H á diferença essencial entre a sanção imposta no tiranicídio e no ostracismo, embora o caráter ainda não republicano da cidade-estado grega, que integrava na polis o público e o privado, permitisse aproximar a excomunhão da cidade do conceito de morte física (Aydos, 1992). Mesmo assim, os gregos diferenciavam formalmente estas sanções - Sócrates foi condenado à morte, não foi objeto de ostracismo. É com base na extrapolação dessa diferença, e levando em conta a evolução da democracia no governo republicano, que podemos resgatar o ostracismo, como um instituto, capaz de contribuir ao aperfeiçoamento das instituições democráticas em nossos dias. Na complexidade da sociedade contemporânea, reconhecida também a distinção entre as esferas do público e do privado, torna-se desnecessária, ao ostracismo, a condição de exclusão física (por deportação ou morte). Trata-se, antes, de configurar uma interdição ao exercício da ação político-eletiva (aqui visualizada como exceção de inelegibilidade). Nestes casos, a sanção implicaria numa configuração mínima da cassação de direitos políticos, tradicionalmente praticada nas democracias contemporâneas. Na configuração do ostracismo, no entanto, a aplicação de sanção com a utilidade prática dessa penalidade (cassação de direitos políticos), pela limitação dos seus efeitos (ao campo da ação eletiva e governativa dos atingidos) e pelo seu inequívoco caráter plebiscitário, estaria afastada da região limítrofe da justiça retributiva. O instituto configura-se, indubitavelmente, como um critério forte de atribuição positiva de responsabilidade. Como conseqüência provável, a pressão plebiscitária sobre as instâncias institucionais da justiça retributiva seria consideravelmente reduzida. A cassação plena de direitos políticos, poderia ter assim, um curso processual compatível com o princípio da ampla defesa, minimizando-se a possibilidade de configurarem-se os perigosos precedentes do julgamento político, como esteve próximo de acontecer, se efetivamente não ocorreu, no clima que, de alguma forma, presidiu o impeachment do presidente Collor de Mello. Tal como o visualizamos, em roupagem contemporânea e compatível com o quadro metainstitucional do presidencialismo, o ostracismo configuraria uma condição rotineira de avaliação a posteriori, para o desempenho dos principais cargos executivos (prefeitos, governadores e presidente da república). Ao fim do seu mandato, na própria eleição do substituto, a população pelo voto de sim e não diria se mantém ou não a condição de elegibilidade do incumbente. Na hipótese da reeleição vir a ser introduzida em nossa sistemática constitucional, o incumbente concorreria no primeiro turno em ambas as modalidades do sufrágio - eleição e ostracismo. Mesmo eleito, ou qualificado para o segundo turno, pela soma dos votos eleitorais, esta condição somente se efetivaria pela aprovação da sua elegibilidade no sufrágio do ostracismo. Essa sistemática introduziria, provavelmente, na postulação de uma reeleição, um obstáculo adicional - sem negar, no entanto a sua possibilidade. Um contraponto útil, à vantagem competitiva da própria condição do governante, eis que concorreria para coibir o vício possível da inevitabilidade das reeleições - o principal risco da eventual adoção desse instituto. Aos ostracisados, seriam mantidos todos os direitos civis e os direitos políticos inerentes à pessoa, como o voto e a função pública da carreira, com a interdição, no entanto, dos atos políticos relacionados com o processo eletivo ou governativo (participação em campanha eleitoral, elegibilidade e possibilidade de designação para cargos de confiança ou de nomeação política). Entenda-se, assim, por ostracismo, a exceção imposta ao exercício de capacidade, cujo fundamento não concerne à igualdade substancial do incumbente, enquanto pessoa, mas ao livre e expresso consentimento da cidadania. Acrescente-se, como fundamento desta exceção, que o incumbente terá ocupado publicamente posição institucional de poder, portanto assimétrica em relação com a cidadania, que lhe assinalou o estigma de uma identidade indesejada. E, como só há duas maneiras de obedecer em liberdade (a fórmula da autoridade): o consentimento ou a identidade com o legislador (Aydos, 1992, p. 77), pelo ostracismo, como exceção de inelegibilidade, em ato próprio, personalizado e circunstanciado, a promessa do consentimento se lhe nega e a identidade se lhe recusa contra o futuro. P ara a cidadania e a sociedade organizada, a rotinização do ostracismo se apresenta, assim, como um sucedâneo do golpe de estado e, no seu limite, do tiranicídio, liberando o quadro institucional das respectivas tensões. O que se terá de calibrar, provavelmente, são as regras de duração dos mandatos governativos, com vistas a tornar mais efetivo o instituto, reduzindo-se a extensão do mandato e abrindo-se espaço para uma ou várias reeleições. A necessidade de continuidade administrativa, sendo contemplada pela liberdade de reeleição, será utilizada, inclusive, como argumento para assegurar a sobrevivência política dos mandatários. De outro lado, a extensão reduzida dos mandatos assegurará a efetividade do controle e a desnecessidade da ruptura institucional. Com o ostracismo, o critério fraco da periodicidade eleitoral se acrescenta de um critério forte para atribuição positiva de responsabilidade política, que será tanto processual (atuando sobre o recrutamento da elite dirigente), como pontual (atingindo todos e cada um dos mandatários executivos). É bem verdade, que a função governativa, com o ostracismo, será estigmatizada de forte desincentivo - será necessário coragem e desprendimento para candidatar-se a um cargo, que poderá encerrar a carreira política do incumbente. Mas não é exatamente isso, que lhe consignaria qualidade? Aos aventureiros, a magnitude do risco provavelmente desencorajaria. Aos golpistas de toda a estirpe, como aqueles que se acostumaram a se eleger com os pobres e a governar com os ricos, o ostracismo provavelmente arrefeceria. Se veriam constrangidos a levar a sério a condição primeira da democracia, que é a necessidade de um governo consistente com a vontade e o julgamento da maioria. Quanto aos homens de boa estirpe, que a carreira não seduz, senão pela oportunidade do serviço à causa da cidadania, as eventuais “injustiças” do processo, as aceitariam como a taça de cicuta pelo filósofo grego, que amava a cidade ao ponto de compreender, que a dignificava em se matando, que a conservava em se perdendo. Isso é tão mais verdade, porque a rotinização do ostracismo, atingirá a gregos e troianos, honestos pela sua truculência e desonestos pela sua insídia, demagogos pela sua incompetência e tecnocratas pela sua insensibilidade, reformadores carentes de persuasão e conservadores destituídos de razão. Nivelaria por cima, o que o processo eleitoral tende, nas circunstâncias da democracia brasileira, a nivelar por baixo, atraindo, pelo excesso de incentivos, individualistas e inescrupulosos à investidura dos cargos eletivos, transformados em patrimônio profissional de uma autopretendida classe política. Como conseqüência, a desobstrução das artérias esclerosadas da nossa vida política, abrirá espaço para lideranças mais comprometidas com a missão do serviço público, do que com as suas mordomias, sem prejuízo da remuneração digna, compatível com o exercício da missão. A reforma das atitudes, que o cotidiano da política democrática demanda, exige estruturas de sustentação. A institucionalização do ostracismo é uma alternativa séria, conseqüente, e até mesmo indispensável, para a consolidação democrática de uma sociedade em transição que, definitivamente, no descortino de um horizonte político, optou por um regime de direta investidura do mandato executivo.” (Excerto de “Democracia Plebiscitária, Editora da Universidade – UFRGS e La Salle, Porto Alegre, 1995.)
Posted on: Sat, 29 Jun 2013 23:48:18 +0000

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