DIZIONARIO GRAMSCIANO 1926-1937: UM ESTUDO FILOLÓGICO DOS - TopicsExpress



          

DIZIONARIO GRAMSCIANO 1926-1937: UM ESTUDO FILOLÓGICO DOS QUADERNI DEL CARCERE DE ANTONIO GRAMSCI. Antonio Gramsci (1891-1937) é considerado um dos principais intelectuais do pensamento político italiano da primeira metade do século XX. Dotado de um senso dialético e de uma visão ampla e crítica acerca dos fenômenos históricos, analisou os principais temas do desenvolvimento da Itália moderna e produziu, ao longo de sua vida intelectual, um grande volume de textos elaborados ao longo de pouco mais de duas décadas (1914-1935), período que correspondente ao início de sua colaboração com o jornal socialista Avanti e a redação das ultimas notas dos Quaderni del Carcere (QC). No Brasil, a educação foi o ambiente em que o pensamento de Gramsci teve sua maior aplicação, em especial a partir da década de 1980, quando na Europa e no Brasil o interesse e o número de estudos sobre Gramsci em outras áreas das Ciências sociais e humanas diminuíam. A partir de então, o pensamento de Gramsci passou a ser amplamente utilizado na história da educação brasileira como fundamento para teorias pedagógicas e políticas educacionais. Ainda que Gramsci fosse amplamente citado, suas ideias foram pouco estudadas e a leitura dos educadores brasileiros sobre o pensamento gramsciano resultou em uma aproximação superficial, que pode ter sido ocasionada pelas características editoriais com que os textos de Gramsci foram publicados no Brasil. A produção teórica de Gramsci pode ser dividida em dois conjuntos: 1. Escritos pré-carcerários (1914-1926); 2. Escritos do cárcere (1926-1935). O primeiro conjunto, denominado historicamente como escritos pré-carcerários, ficou conhecido, também, como Escritos Políticos (EP) e é composto de textos jornalísticos, redigidos entre os anos de 1914 e 1926, ano em que foi preso em decorrência da instalação do regime fascista na Itália e da oposição que fez à nova ordem política. O segundo conjunto é o dos escritos do cárcere, ou carcerários, que compreende as Cartas do cárcere (LC), redigidas por Gramsci a familiares, amigos e colaboradores e os apontamentos realizados em 33 cadernos escolares, que ficaram conhecidos como Cadernos do Cárcere (QC). Sua produção teórica consta ainda, de alguns textos anteriores a 1914, como é o caso do texto escolar Oprimidos e opressores redigido em 1910 e o artigo Neutralidade ativa e operante publicado em 31 de outubro de 1914 no Il Grido del Popolo, ambos disponíveis em português no primeiro volume dos Escritos Políticos de Antonio Gramsci (EP), organizado, traduzido e editado por Carlos Nelson Coutinho e publicado pela editora Civilização Brasileira. Na tradição dos estudos sobre o pensamento gramsciano, os escritos carcerários ganharam destaque, com ênfase especial às formulações teóricas contidas nos Quaderni del Carcere (QC). Grande parte das pesquisas sobre o pensamento de Gramsci se concentra nas formulações dos QC e empregam os conteúdos das cartas e dos escritos políticos como base de fundamentação e contextualização. Esse fenômeno é devido ao processo de amadurecimento vivido por Gramsci, que, ao ser encarcerado, afastou-se da militância e aprofundou suas análises sobre o desenvolvimento histórico, político e cultural da Itália. Um marco histórico para os estudos das ideias de Gramsci foi a iniciativa do Istituto Gramsci que, em 1975 publicou os QC na Edizione critica dell’Istituto Gramsci (EC) organizada por Valentino Gerratana (1919-2000). A EC teve o mérito de apresentar os textos dos QC o mais próximo possível de sua condição original, valorizando o período de produção de cada caderno, o que permitiu aos estudiosos analisar e interpretar as formulações de Gramsci sem a influência dos critérios editoriais utilizados nas várias edições e coletâneas de sua obra. Características como a fragmentariedade estrutural e a unidade temática parecem à primeira vista contraditórias, o número de cadernos disponíveis e o ritmo de elaboração das notas originaram um trabalho fragmentado, em que as temáticas se encontram em notas distintas e dispersas, redigidas em cadernos e tempos diferentes. Essa dispersão ocorrida na organização das notas é, no entanto, permeada por uma unidade temática demarcada por uma leitura marxista da história comprometida com a revolução proletária. Estas e outras características, embora componham a riqueza dialógica do pensamento de Gramsci, dificultam o acesso dos leitores iniciantes à compreensão de sua obra e ao entendimento dos conceitos-chave de seu pensamento. Nos QC, Gramsci desenvolveu uma leitura histórica do desenvolvimento italiano e analisou criticamente as diferentes vertentes teóricas defendidas pelos principais intelectuais italianos, com destaque para o marxismo de Antonio Labriola (1843-1904) e o liberalismo de Benedetto Croce (1866-1952). Analisou o processo de positivação do marxismo ocorrido no interior do Partido Socialista (PS) e, em sua leitura marxista da história, ressignificou diversos conceitos como os de Estado, Hegemonia, Intelectuais e Partido político. Para mediar o acesso de estudantes e pesquisadores ao pensamento de Gramsci e em específico às categorias-chave dos QC, a International Gramsci Society Italia (IGS-IT) em conjunto com o Centro interuniversitario di ricerca per gli studi gramsciani publicou no ano de 2009, pela Editora Carocci de Roma, o Dizionario gramsciano 1926-1937. Organizado por Guido Liguori e Pasquale Voza, o Dizionario gramsciano, disponível apenas em língua italiana, apresenta ao longo de 918 páginas, um conjunto de 627 verbetes redigidos por especialistas de diferentes nacionalidades e áreas do saber. A elaboração do Dizionario gramsciano teve como objetivo “[...] reconstruir e apresentar ao leitor, em termos o mais acessível possível, o significado dos lemas, das expressões, dos conceitos gramscianos [...]” (p. 5). Os verbetes foram elaborados tendo em conta a produção teórica gramsciana elaborada no cárcere, abrangendo, portanto, o conteúdo das LC e dos QC, limitando-se ao período entre os anos de 1926 e 1937. A delimitação temporal foi uma opção metodológica que levou em consideração dois fatores: 1. que o pensamento contido nas notas e cartas do cárcere é mais coeso que o dos escritos pré-carcerários; 2. que o estudo das proposições carcerárias pode ser mediado pelos instrumentos filológicos disponibilizados pela EC elaborada por Valentino Gerratana, ainda não disponíveis para os escritos anteriores aos QC. Ainda que os verbetes se limitem aos termos empregados por Gramsci nos escritos carcerários, seus autores, em função da complexidade de alguns conceitos, recorreram aos escritos pré-carcerários. Esta proposta de análise e investigação do pensamento de Gramsci procurou manter o “[...] método de fidelidade ao texto e de atenção à dimensão diacrônica da reflexão carcerária, um trabalho iniciado há muito tempo para oferecer, a um público mais amplo, um instrumento que fosse de ajuda no conhecimento de uma obra tão complexa quanto não sistemática” (p. 6). O Dizionario gramsciano cumpre com maestria os objetivos pretendidos e se constitui como um instrumento valioso de introdução ao pensamento gramsciano, em especial às suas principais categorias e conceitos-chave. Deve-se ressaltar, porém, que a Rapresentação dos verbetes não deve ser tomada como um “engessamento” da leitura do pensamento de Gramsci, como um cânone que não deve ser questionado e sim como um ponto de partida para a leitura dos QC, como um guia, interpretativo que sempre remete aos QC. Os leitores, ao acessarem as páginas do Dizionario, devem ter em conta que este é um trabalho de análise filológica do pensamento gramsicano, cujo fim é apontar caminhos. É tarefa do leitor trilhá-los, para então, superar e ultrapassar as barreiras do intrincado labirinto que é o conjunto dos QC. O próprio Gramsci, no QC 11, redigido entre 1932 e 1933, desenvolveu uma análise crítica sobre o conteúdo dos manuais teóricos elaborados para as massas e apontou que os intelectuais, na tentativa de tornar o pensamento políticofilosófico de autores como Marx e Engels acessível aos leigos, esvaziavam-nos de sua crítica e reduziam seu pensamento filosófico a lemas e fórmulas facilmente decoráveis, que úteis nos discursos, pouco serviam para despertar e desenvolver a intelectualidade das massas de operários, aos quais os manuais se destinavam. Este não parece ser o caso do Dizionario gramsciano, que não deve ser entendido como uma obra isolada, um conjunto de textos que apresentam uma análise aprofundada dos conceitos apresentados por Gramsci e que permitem o desvelamento e a compreensão de seu pensamento carcerário. Antes, ele se estabelece como um complemento ao Apparato critico (AC) dos QC, elaborado por Valentino Gerratana e apresentado no volume 4 da Edizione critica del Istituto Gramsci. O AC apresenta uma descrição detalhada de todos os QC e um Indice per argomenti, que permite aos leitores identificar a presença de determinados argumentos nos QC. O Dizionario gramsciano, seguindo o instrumental fornecido pelo AC, apresenta uma análise dos conceitos ou argumentos trabalhados por Gramsci ao longo dos QC. Um dos riscos que se corre ao tornar o pensamento gramsciano acessível a todos os tipos de leitores é a promoção de uma visão reducionista do pensamento de Gramsci, no qual o entendimento de categorias elimina as contradições e a fragmentariedade estrutural, característica dos QC, ao mesmo tempo em que perde de vista a perspectiva dialética e revolucionária que dá aos Cadernos do cárcere coerência e unidade teórica. O conjunto dos verbetes apresentados no Dizionario é resultado dos estudos e debates sobre os QC desenvolvido pela Internacional Gramsci Society – Itália (IGS-IT) entre os anos de 2000 e 2006 sob o título de Seminario sul lessico dei “Quaderni del Carcere”. Organizado e coordenado por Fabio Frosini e Guido Liguori, o Seminário foi desenvolvido em duas “séries” e consistiu de encontros regulares com intervalos de três ou quatro meses. Cada encontro foi dedicado à análise de uma categoria dentre aquelas consideradas centrais no pensamento gramsciano. A primeira série iniciada em outubro de 2000 se encerrou em julho de 2003, com cerca de quinze seções em que foram debatidostemas como a estrutura e a datação dos cadernos, escola e educação, Estado e sociedade civil, estrutura e superestrutura, filosofia da práxis, hegemonia e ideologia. Esta iniciativa, que agregou o debate sobre outros temas, resultou na publicação de uma coletânea de textos organizada por Frosini e Liguori, publicada em 2004 pela editora Carocci sob o título Le parole di Gramsci. Per un lessico dei “Quaderni del Carcere”. A segunda série, desenvolvida entre julho de 2004 e novembro de 2006, avançou os debates e permitiu o aprofundamento das pesquisas sobre o pensamento de Gramsci a partir do uso da EC de Gerratana e, em sete encontros, discutiu temas ligados à imanência, à cultura, ao senso comum, ao historicismo, à literatura popular e aos intelectuais. Os verbetes possuem uma estrutura comum, seguindo as indicações do AC elaborado por Gerratana. Apresentam os temas, lemas, conceitos, neologismos e nomes próprios presentes nas páginas dos QC e remetem o leitor aos textos QC e das LC e, em alguns casos, aos escritos pré-carcerários. Como ocorre com o verbete hegemonia redigido por Giuseppe Cospito, que apresenta o termo hegemonia desde a sua primeira menção no QC 1 à última, no QC 29. Apresenta, além da definição, as análises gramscianas sobre o termo, passando pelas relações de poder entre sociedade política e sociedade civil, com a cultura, a linguagem e a luta pela hegemonia ocorrida no campo das superestruturas. O verbete é uma apresentação bem elaborada da concepção de hegemonia, que transcreve passagens dos QC e estabelece relações com temas correlatos. Outro verbete que chama a atenção é ideologia (p. 399-403). Redigido por Guido Liguori, o verbete, além de remeter aos QC, apresenta uma análise das particularidades e da evolução do conceito no pensamento de Gramsci a partir dos escritos pré-carcerários. É uma análise histórica do termo que parte da concepção de ideologia como sistema de ideias políticas eexplora o caráter negativo e pejorativo que o termo encerra, discutindo os desdobramentos do marxismo como ideologia, encaminhando-se para o entendimento do termo como concepção de mundo, com destaque para o folclore e a religião. Ao todo são 627 verbetes, entre os quais se destacam: bloco histórico, bom senso, ciência, classe (média; dirigente; operária), coerção, cosmopolitismo, crise orgânica, cultura, dialética, direção, domínio, educação, escola, escolástica, espontaneísmo, Estado, ético-político, filosofia da práxis, gênero humano, guerra (de movimento e de posição),historicismo, homem coletivo, intelectuais (italianos; orgânicos; tradicionais), trabalho, luta de geração, marxismo, materialismo e materialismo vulgar, materialismo histórico, mezzogiorno, molecular, nacional-popular, objetividade, orgânico, partido (comunista;popular), passado e presente, pedagogia, questão meridional, questão vaticana, religião, reforma intelectual e moral, reformismo, senso comum, simples; socialismo; sociedade civil, subalterno, superestrutura, transformismo e vontade coletiva. Dentre os colaboradores podemos destacar renomados especialistas do pensamento de Gramsci,como Fabio Frosini, responsável por 65 verbetes, Lelio La Porta (48), Guido Liguori (40), Michele Filippini (36), Giuseppe Prestipino (33), Jole Silvia Imbornone (32), Derek Boothman (25), Pasquale Voza (23), Giorgio Baratta (16), Lea Durante (11), Marcos Del Ro Moliternoio (11) e Carlos Nelson Coutinho (8). Dentre os 627 verbetes, 76 são de nomes próprios, que destacam familiares, amigos, colaboradores, contemporâneos e objetos de estudo de Gramsci. Os verbetes Giulia (p. 360-362) e Tania (p. 837-838), redigidos por Lea Durante e dedicados à esposa e à cunhada, fundamentam-se nas LC e apresentam mais do que dados biográficos, descrevem a natureza da relação afetiva e intelectual desenvolvida entre elas e Gramsci. Entre os companheiros e amigos de Gramsci podem ser apontados os verbetes dedicados à Piero Sraffa (p. 798-799) e Piero Gobetti (p. 362-364). Eles apresentam como os desdobramentos da vida como militante, líder comunista e prisioneiro político influenciaram em suas relações e apresentam indicações sobre a interlocução desenvolvida entre eles e Gramsci. Enquanto Sraffa, colega de faculdade, acompanhou Gramsci ao longo de toda a sua vida e vivenciou a experiência carcerária de Gramsci, por intermédio de Tania e até mesmo pelas visitas que fez à Gramsci, Gobetti, amigo dos tempos de L’Ordine Nuovo em Turim perdeu contato com Gramsci em 1922 quando este foi transferido à Moscou, encontrando-se com Gramsci em novembro de 1924 por ocasião de um encontro de opositores do regime fascista. O conjunto dos verbetes dedicados a nomes próprios constitui uma valiosa introdução aos fundamentos do pensamento gramsciano e permitem ao leitor situar-se dentro do universo teórico a partir do qual Gramsci desenvolveu sua reflexão, em especial pela análise crítica ou oposição desenvolvida por ele ao pensamento de determinados intelectuais, com destaque para pensadores que aparecem nos QC também foram contemplados, dentre eles Aristóteles, Henri Bergson, Friedrich Engels, Erasmo de Roterdão, Sigmund Freud, Johan Goethe, Leonardo da Vinci, Georg Lukács, Martinho Lutero, Rosa de Luxemburgo, Blaise Pascal, Pierre-Joseph Proudhon, Jean-Jacques Rousseau, Giambatista Vico e Max Weber. Os organizadores apresentam o Dizionario gramsciano em um breve prefácio de pouco mais de duas páginas, evidenciando o objetivo da obra e o trabalho de análise filológica do pensamento de Gramsci desenvolvido pela IGS-IT. Liguori e Voza enfatizam que os autores são intérpretes do pensamento de Gramsci e que os verbetes, assim como o dicionário, não encerram em si toda a riqueza de seu pensamento e, portanto, não isentam os leitores do acesso aos textos de Gramsci. Os organizadores apresentam ainda, uma lista das abreviaturas usadas na identificação das obras de Gramsci e uma lista organizada em ordem alfabética com a indicação dos verbetes e de seus respectivos autores e, ao fim, são apresentadas as referências dos textos utilizados pelos autores na fundamentação dos verbetes. Além dos 627 verbetes, são apresentadas ainda 107 indicações remissivas que, ao remeter o leitor aos verbetes ampliam as possibilidades de relação e análise do pensamento carcerário de Gramsci. O Dizionario gramsciano é um instrumento valoroso para os estudiosos do pensamento de Gramsci, em especial para os estudiosos da área de história da educação,dada a importância que o pensamento de Gramsci assumiu no desenvolvimento do pensamento educacional brasileiro. Ainda que se proponha um instrumento simples, o Dizionario gramsciano 1926-1937 é constituído de rigor acadêmico e atende as necessidades metodológicas da produção científica contemporânea e se inscreve como leitura obrigatória para aqueles que se propõem a desenvolver um trabalho sério de investigação do pensamento gramsciano. O conjunto da obra, por si, representa uma vasta coletânea que atualiza o leitor sobre o atual patamar dos estudos e pesquisas sobre o pensamento de Gramsci no mundo, ao mesmo tempo em que orienta estudiosos e pesquisadores por uma leitura marxista de seu pensamento, que valoriza os elementos que compõem um pensamento original, dialético e revolucionário. * Doutor em Educação Pela UNICAMP (1996), professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR). Direção eletrônica: [email protected] ** Aluno do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR), Mestrado.
Posted on: Tue, 02 Jul 2013 16:30:46 +0000

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