Dez horas dentro do avião aqui sozinho Eu voo como um pássaro - TopicsExpress



          

Dez horas dentro do avião aqui sozinho Eu voo como um pássaro que quer voltar pro ninho Eu sempre vou e volto feito um bumerangue Pensei que era o morcego, mas sou eu que sempre dou meu sangue E é o tempo vampiro que suga tudo Suga minha alma e me transforma a forma e o conteúdo E sem escudo eu ofereço a veia e vou sorrindo Não fico mudo, falo e canto o que eu tô sentindo E falo tanto entre os meus voos e atropelos Que nem escuto a voz dos fios brancos entre os meus cabelos A voz das rugas quando o rosto se contrai Me olho no espelho e cada vez eu vejo mais meu pai Me lembro de telefonar, saber como ele anda Tenho que falar correndo, pai, tô decolando com a banda -Cê volta quando filho? -Terça, mas viajo de novo Manda um abraço pra mãe, tô com saudade do povo Tô com saudade de tudo, de comer sopa com ovo O ovo cru que cê jogava na panela quente Naqueles fins de semana que você tava presente E de deitar na sua cama como antigamente E quando você via os gols ou um programa qualquer E de repente beliscava a gente com seu pé O caranguejo doía, mas a gente ria Eu te imitava e o meu irmão não conseguia Você calçava o tamanco, pega a chave do Puma E a nossa tarde era na mesa do dolphin com a turma E o chope sem espuma, sem colarinho E eu no milk shake, lembro até do barulhinho Quando eu crescesse eu queria ser que nem você Agora eu já cresci e ainda quero ser Eu tenho a cara do pai e tenho cada vez mais Eu tenho os olhos do pai e o coração Quando eu crescesse eu queria ser que nem você Agora eu já cresci e ainda quero ser Eu tenho orgulho do pai e tenho cada vez mais É muito orgulho, meu pai e gratidão Pai, agora eu decolei, guardei meu celular, já tô no ar, mas não me desliguei O tempo voa e antes que ele acabe eu volto ao começo Pra me entender e me reconhecer do pai que eu conheço E quero conhecer mais, quero curtir meu coroa Até a extrema-unção te deram, pai, aquela foi boa Você internado de frente pra um cemitério Mas não perdeu a piada nem num momento tão sério E disse olhando a sepulturas do outro lado do muro -Que quarto ótimo, filho, com vista pro futuro Só você mesmo pra fazer a gente rir E com o coração parando em plena UTI Lembrando disso agora eu rio e reavalio A importância da minha eterna ânsia por mais desafios Sempre correndo, sempre ocupado na estrada Sem perceber que às vezes possa está perdendo a piada Você me deu um toque eu não falei pra ouvir Mas não vou esperar meu coração parar pra gente se encontrar pra rir, numa UTI Quando eu voltar vou te ligar pra combinar de almoçar Toda família na mesa, sem atender o celular Quando eu crescesse eu queria ser que nem você Agora eu já cresci e ainda quero ser Eu tenho a cara do pai e tenho cada vez mais Eu tenho os olhos do pai e o coração Quando eu crescesse eu queria ser que nem você Agora eu já cresci e ainda quero ser Eu tenho orgulho do pai e tenho cada vez mais É muito orgulho, meu pai e gratidão Minha memória viaja, você agora é o piloto Uns 30 anos mais novo e eu ainda garoto Pela BR 101 a gente vai Já veio o réveillon e como é bom viajar com meu pai E eu vou prestando atenção, Em como você sabe a hora certa de ultrapassar o caminhão Você me explica as frases dos para-choques No toca fita uma boa MPB ou rock Calma, Betty, calma Cada risada que você soltava plantava na minha alma Uma semente pro que eu tô colhendo agora E vou continuar colhendo depois que você for embora Me entendendo com o tempo, os ensinamentos Que você passa até hoje com o seu exemplo De respeitar as pessoas e ser correto De ser uma fonte inesgotável de carinho e afeto De encurtar as distâncias pra ver os amigos E de ser sempre sincero como também foi comigo Quando me deu um castigo depois da delegacia E hoje eu vejo que era isso mesmo o que eu queria Queria achar um caminho e ter você mais perto Mesmo com a cara fechada, seu coração tava aberto Eu tinha quase morrido Não tinha medo da morte Mas sua cara de decepção Falou mais forte Assim morria o meu vício de pichador Você matou o pixote, pai E fez nascer o pensador E muita coisa rolou, te transformei em vovô Te vi mais frágil e sério em alguns momentos de dor E enxerguei no teu silêncio o que eu desfaço em mim Que é uma angústia que parece que não tem mais fim E mesmo assim a gente brinca o tempo inteiro E sonhos os mesmos sonhos abraçando vários travesseiros Herdei essa mania, também herdei a teimosia E não me abro com meu velho como eu gostaria. Quando me sinto inseguro como um menino indeciso Pra escutar a voz do pai que dizia: Juízo Aquele simples aviso ainda me norteia Como seu sangue que corre nas minhas veias Muito obrigado por te me feito nascer Por ter me feito crescer Por ter me feito que nem você Por ter me dado vitamina C Café da manhã, o senso critico, a ironia Um irmão e uma irmã Por me levar no riam Tem ovo de codorna Que por mijar no meu pé nos banhos de água morna O chocolate em Gramado, o camarão na Joaquina Muito obrigado pelo amendoim torrado na esquina As figurinhas, o álbum As injeções e os remédios Os elogios, as notas do boletim do colégio Por me levar na vó Miriam, na vó Raquel Por eu ser o Gabriel, filho do doutor Miguel Por me levar no consultório pra te ver trabalhar Por ser o grande oftalmo que me fez enxergar Que a vida é boa e eu não preciso ter medo Muito obrigado, meu pai, por me contar seus segredos E confiar em mim Como eu confio em você Quando eu voltar vou te ligar, ainda tem mais pra dizer Quando eu crescesse eu queria ser que nem você Agora eu já cresci e ainda quero ser Eu tenho a cara do pai e tenho cada vez mais Eu tenho os olhos do pai e o coração Quando eu crescesse eu queria ser que nem você Agora eu já cresci e ainda quero ser Eu tenho orgulho do pai e tenho cada vez mais É muito orgulho, meu pai e gratidão
Posted on: Wed, 04 Dec 2013 22:54:37 +0000

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