Do livro: Escritos de um paciente de esquizoanálise Meu corpo - TopicsExpress



          

Do livro: Escritos de um paciente de esquizoanálise Meu corpo todo é, agora, um complexo teorema não-esquemático que ao contrário do que rezo, eu, cientista, não faz uma pergunta. Seus movimentos multidirecionais que remexem minhas vísceras, nervos e faz suar as mãos não se chamam transtorno de ansiedade, nem compulsiva nem crônica – se chamam eu e o mundo, e do que eu tenho feito com e do mundo. E vice versado. Novas formas de amar, que virtuais, não liberam os neurotransmissores da mesma forma que antigamente – no toque, no cheiro, no lamber, no gozar; solidão hiperbólica, que devido aos altos e múltiplos projetos anti-direitistas – filosóficos, artísticos, cientificistas e até espiritualistas – causam uma colossal misantropia, mas sabemos que a solidão-projeto é causa e não efeito da misantropia! Mas sabemos que não existe pergunta nem resposta para o corpo, muito menos causa e efeito. Como não existem também para os N fatores que me formam, que atuam em mim e me fazem atuar no mundo. Pra ser menos esteta (por tanto espiritualista), posso dizer de todas as infinitudes com que o mundo me configura, e como eu reconfiguro o mundo – em mim, mundo subjetivo, e no mundo mesmo. Todo o arcabouço teórico e prático, dos trans-humanistas aos pré-socráticos, e aos antecessores, todas as minhas milhões de absorções nos meus parcos vinte e nove anos... Formam o que para resenhar não se criou uma melhor palavra que enigma. “Que faço entre coisas”, “viver é decifrar enigmas”, “afinal, existe o homem?”, “viver é cogitar hipóteses*”, “a vida é uma louca que ri, vacilante, entre as frestas do absurdo*”. Em tudo isso, na literatura, nas artes em geral, se vê uma tentativa demasiadamente humana, pois única, de decifração do jogo. Somos pilhas energéticas que dá vida às máquinas como em matrix? Claro que não tão cinematograficamente, e não tão pósmodernamente cientificista, quero criar a metáfora do meu lugar no mundo, do nosso. E o lugar do mundo na gente. Quero dizer que, como no meu livro Notas e Rascunhos filosófico-marginais mapeei, sinto que sou uma partícula a serviço da espécie. (e aqui é inevitável não cair no erro das similitudes de Foucault e dizer que a espécie serve a um conjunto de espécies, e assim, sucessivamente, criando um eterno retorno do mesmo). Onde se dá o sujeito que eu sou? Qual o campo de sua atuação? Que ele tenha múltiplas personalidades, mas sucessivas – o que configura o esquizo psicanalítico – ele tem de ter um palco, e me parece que esse palco é reduzido por Hartiman, Freud, e Lacam, que à exemplo de Schopenhauer e Nietzsche, dá ao sujeito um campo poético – o inconsciente. Vemos isso tão claro na diferença entre Freud e Lacan neurologistas, instruídos em tempos diferentes por Charcot (Lacan por herança, é claro), e os dois como teatrólogos do sujeito dando-lhe sempre personalidades e campos trágico-gregos. Para tal deve haver, por mais que Freud e Lacan tentem recuar, uma estrutura dada – personagens e palcos. E, sobretudo um enredo, seja ele edipiano, seja ele uma noção filosófico-intuitiva como a pulsão de morte. Ou ainda um enredo de alteridade Lacaniana, sempre um outro, eu e o outro, ou Eu e o Outro, e vice versa mais outras combinações sintáticas. Mas, quando Gullar diz: facas velhas, garfos enferrujados, quintanda da rua daa alegria, pés de araroeira... e no fim pergunta, na minha opinião a melhor pergunta de toda a humanidade: que faço entre coisas? Não existe eu, Eu, outro e Outro. Não existe personalidade, sujeito, enredo, impulso de qualquer coisa... Existe uma coisa entre outras coisas que se vê (civilizado que é) diferente das coisas que vê. Você percebe, por uma visão acurada, que mesmo o poeta querendo e fazendo nascer a poesia humana, ele se equivale às coisas das quais lembra. O enigma que ele quer decifrar é: em que campo se dá a possibilidade do amontoamento de tantas coisas, tantos dados. Por isso Deleuze e Guattari são tão frios quando buscam nas diversas ciências, e como disse um interlocutor meu: principalmente matematicistas, a geometria ou a topologia desse espaço. O valor, numinoso ou não, que Gullar vê nas coisas que enxerga, é o remexer-se de todo corpo que mais do que ocupar, faz parte do todo do universo. Gullar valora e a gente chora, porque é poeta (e poetas e filósofos nasceram pra criar valores), mas, esquizoanalizando Gullar, vê-se um simples movimentar físico das coisas do mundo dentro de sua memória. Por isso a esquizoanálise chama o sujeito de resíduo, de uma coisa a mais, de um dado a mais no campo onde ele coexiste com milhões de outros dados. Por isso as linhas de fuga do sujeito centralizado podem se dar e se dão por devires animais, vegetais, e devires (eles não dizem isso, eu digo) coisificados. Tales de Mileto e Clarice Lispector devéem água, sendo que a segunda devém água viva, outra forma de dizer água essencial, criadora, como o primeiro. Gullar é lúdico como as crianças quando diz que as formigas pareciam fazer parte da casa, golfadas que eram da parede. Ou quando diz que um garfo enferrujado voa com ele sobre o atlântico num boing 107. Formigas criam valores, garfos criam valores, Gullar não os dá, ele os recebe. Porque a coisa que ele também é se chocou a dezenas de anos e se choca de novo, duas vezes mais – ao escrever o poema e ao lembrar das coisas quando voa no avião. Entendam o que preciso fazer ficar claro: valor é o modo como uma coisa reage à interação, ao choque com outras coisas. Paredes falam com poetas, esquizofrênicos e crianças; vassouras voam, pedras tornam-se armas numa guerra lúdica, e os mais diversos objetos inanimados são antropologizados no campo onde coexistem com a coisa que se chama sujeito. Por isso Deleuze e Guattari chamam de resíduo, por isso tornam maquínico o sujeito, por isso lhe conferem um adjetivo intensivo (e por intensidade leia claramente intensidade física, cientificista), para desvalorar os choques, as interações, para despersonalizar o homem. Para dizer à Gullar o ponto máximo e mais profundo, onde um conjunto de partículas intensivas pergunta às outras partículas: que faço entre vocês? Existe o homem? Pergunta Drummond em especulação em torno da palavra homem. Como um vírus de computador que toma vida própria, a consciência humana tem processos submoleculares que talvez nunca conheçamos, o que chamamos de Hardware. Mas sabemos que a vontade de potência que os move e os cria não tem uma pré-significância antropológica, e nem estruturalista. A engenharia elétrica, com todas as suas linguagens específicas é uma decodificação dos códigos da Vontade de Potência, assim como a literatura, a pintura, a dança, etc., o são. Aí poderíamos pensar, mas a transcendência, a infinidade e outros conceitos literários estão na matemática, na geologia, na geometria – nas artes em geral, etc. E eu interrogo, não é pelo fato de cada uma delas não saber decodificar com sua especificidade natural? Na atualidade da potência, que posso metaforizar como o transe dionisíaco que Nietzsche defendia e buscava ou nas religiões, há a decodificação específica a ser feita, do que a Vontade lhe diz... Mas a dança antropologizou o corpo, e assim o fizeram todos os tipos de veículos da vontade. Tanto que, repito, o projeto de Artaud é salvar o teatro dos valores literários e antropologizados e recuperar a decodificação específica dos gestos. Clarice Lispector por diversas vezes sabe ser desumana e atualizar a vontade de potência decodificando-a intensivamente. O que nos faz voltar à esquizoanálise e descobrir A NATUREZA do campo sartreano do existencialismo – intensivo, produções de desejo, ou produções de choques e interações com um mundo inteiro de outras partículas, como dizia no inicio. Existencialismo ou materialismo underground. Thiago Mariano
Posted on: Mon, 25 Nov 2013 05:28:25 +0000

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