Dois tipos de transição históricas: revolucionárias e - TopicsExpress



          

Dois tipos de transição históricas: revolucionárias e catastróficas Na história existiram, no entanto, tanto transições de tipo revolucionário, quanto transições de tipo catastrófico: as segundas foram, para o fundamental, quase uma regra, até a transição do feudalismo ao capitalismo na Europa, pela inexistência de um sujeito social revolucionário. Mas, não nos enganemos: todo processo histórico tem suas complexidades, as desigualdades de proporções e maturação das relações econômico-sociais, e os amálgamas mais surpreendentes não são exceção. Não existem processos quimicamente puros na história. A transição burguesa foi repleta de elementos semi-catastróficos e, mesmo considerando-se a forma catastrófica do desmoronamento do escravismo em Roma, existiram intensas luta de classes na passagem para as relações de servidão que se impuseram no feudalismo europeu. Mas o lugar da teoria é através da análise separar o essencial da dinâmica de cada processo daquilo que foi acessório. Nesse sentido, denominamos transições revolucionárias ou semi-revolucionárias aquelas que foram fundamentalmente determinadas pelos fatores endógenos de uma formação econômico-social, as suas lutas de classes internas, e classificamos como catastróficas aquelas que tiveram na sua raiz causas exógenas ao modo de produção. No Mediterrâneo, por exemplo, apesar da longa decadência do império romano, não ocorreu uma transição revolucionária impulsionada pelo protagonismo da massa de escravos. E o império veio finalmente a sucumbir sob a pressão das grandes migrações germânicas, depois de uma longa decadência interna. Não há controvérsia histórica que o escravismo freou o desenvolvimento das forças produtivas no mundo antigo, mas as relações sociais não foram revolucionadas a partir de dentro, porque inexistia uma classe capaz de assumir, social e politicamente, um projeto superior à organização econômica das civilizações clássicas. Assim, por séculos, as forças produtivas decaíram, estagnaram, retrocederam, ou seja, a sociedade, de conjunto, regrediu, para somente sob as ruínas do desmoronamento de Roma, e após um longo intervalo de barbárie, entre o século V e o VIII, poder encontrar um caminho de progresso social, sob a base das novas relações feudais. Entre os processos mais inverossímeis da história se destaca o efêmero reino dos Vândalos em Cartago. Depois de vagarem pelo sul da Europa durante alguns anos dedicados ao saque e à rapina, como outras tribos germânicas, os Vândalos cruzaram o estreito de Gibraltar e fixaram-se no norte de África onde impuseram o seu domínio feroz, escravizando impiedosamente os conquistados. Foram processos como esse, que levaram a maioria dos historiadores marxistas a considerarem que as revoltas de escravos não eram portadoras de qualquer projeto de reorganização da produção econômico-social que fosse muito diferente dos limites históricos que emprisionavam as força produtivas no escravismo do Mediterrâneo greco-romano. Vejamos agora a questão da transição socialista. Marx dedicou toda a sua obra à defesa do argumento de que ela seria a mais consciente de todas as transições, porque não dependeria somente da abertura de uma época de revolução social, condicionada por fatores objetivos, mas da organização de uma vontade política de ir além da propriedade privada. Mesmo um sumário e limitado olhar comparativo sobre a transição do feudalismo ao capitalismo nos permite observar a originalidade desta hipótese teórico-histórica. A extensão e generalização das relações mercantis, impulsionada pelo saque do ouro e da prata americana e pela escravização africana, permitiram à burguesia desenvolver o capitalismo nas entranhas da sociedade feudal muito antes da conquista do poder político. A burguesia conquistou posições econômicas nos burgos, acumulou riqueza e até uma certa autonomia política nas cidades em formação, incentivou a fundação de universidades, gerou cultura, moral e ideologia, o que permitiu uma identidade, consciência e organização de classe muito antes de ter afirmado sua hegemonia política no Estado. Ainda assim, mesmo considerada esta capacidade incontestavelmente superior de construir forças subjetivas em um lento processo de longa duração, a transição burguesa foi recheada de períodos de estagnação, intervalos acidentais, recuos transitórios. Por isso dizemos que foi semi-catastrófica e semi-revolucionária. Em relação à transição burguesa, utilizamos o conceito de passagem semi-catastrófica no sentido de que o processo foi, apesar das formas revolucionárias, em grande medida, “inconsciente”. Em outras palavras, a passagem ao capitalismo foi, sem dúvida, acelerada por sucessivas rupturas revolucionárias, como a rebelião das províncias Unidas contra a Espanha no final do XVI, ou a revolução de Cromwell em 1640 na Inglaterra, mas desenvolveu-se pela coexistência de relações sociais mercantis e relações arcaicas medievais em um amálgama de combinações, variáveis de região para região, mas de forma alguma incompatíveis entre si. Há que tomar com pinças e com cuidado este conceito, porque só pode ser considerado de forma relativa já que, a rigor, toda ação humana supõe algum grau de consciência e, portanto, a questão consiste em apreciar se, o nível de consciência, estava maduro, proporcionalmente à tarefa. O que é sempre uma avaliação que o presente faz do passado, com uma margem de erro necessariamente grande. Por outro lado, vale a pena sublinhar que a transição burguesa foi de longuíssima duração (para alguns autores existem elementos capitalistas desde os século XI), com recorrentes regressões, em que os elementos capitalistas eram bloqueados ou mesmo destruídos. Nos apoiamos para essas conclusões em Vilar: “Resta considerarmos que um regime social não está constituído exclusivamente por seus fundamentos econômicos. A cada modo de produção corresponde não somente um sistema de relações de produção, como também um sistema de direito, de instituições e de formas de pensamento. Um regime social em decadência serve-se precisamente deste direito, dessas instituições e desses pensamentos já adquiridos, para opor-se com todas suas forças às inovações que ameaçam a sua existência. Isto provoca a luta das novas classes, das classes ascendentes, contra as classes dirigentes que ainda acham-se no poder (...) O regime feudal não morreu sem defender-se”(grifo nosso)[6] Existiu também na historiografia de influência marxista uma tendência abusiva a caracterizar como feudalismo outros modos de produção baseados na produção agrária extensiva e na coerção político-militar camponesa. O que foi realmente extraordinário, mas freqüentemente se esquece, em relação ao feudalismo europeu, é que ele criou as condições para a única passagem revolucionária que favoreceu a revolução industrial. Como se sabe, o feudalismo foi um dos modos de produção que se caracterizou na história pela apropriação do sobreproduto social por métodos extra-econômicos. Mas não foi o único. Na verdade, todos os modos de produção pré-capitalistas se caracterizaram exatamente por isso. Logo, o que o diferenciou, essencialmente, mais do que apoiar-se na coerção político-militar camponesa, foram as formas específicas das relações sociais e políticas (a soberania parcelada, um complexo sistema de hierarquia de vassalagem, o sistema dos feudos) que permitiram a formação de uma classe média urbana de comerciantes e artesãos. Entre essas formas estaria, segundo Perry Anderson, as características peculiares da super-estrutura do Estado feudal. Ocorreram, também, passagens de tipo reformista (transições negociadas ou controladas, em que predominam os acordos, as concessões mútuas, as acomodações de interesses, diante de um perigo maior), quase sempre, como uma conseqüência de passagens revolucionárias prévias no plano internacional. Em resumo, esses eram, portanto, para Marx, os fatores que, com regularidade histórica, definiam a abertura de uma época revolucionária: a maturidade das forças produtivas, para uma reorganização da vida econômico-social, impulsionada por relações de produção superiores, e a existência de um sujeito social explorado que tenha interesses incompatíveis com a preservação da ordem.
Posted on: Mon, 23 Sep 2013 17:06:12 +0000

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