EUTANÁSIA Dr. Roberto Brólio - Sócio fundador e Conselheiro - TopicsExpress



          

EUTANÁSIA Dr. Roberto Brólio - Sócio fundador e Conselheiro da Associação Médico Espírita de São Paulo, Professor Livre-Docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Médico Tisiologista I- INTRODUÇÃO A eutanásia ( gr. Eu, bem, e thanatos, morte), significa literalmente boa morte. É a prática pela qual se procura abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente em estado grave reconhecidamente incurável. No conceito jurídico, a eutanásia é definida como o homícidio praticado, por motivos de piedade, em doente desenganado ou portador de doença incurável. É o chamado homícidio piedoso ou morte por compaixão. A legislação brasileira encara-o como qualquer outro homícidio, punindo-o de conformidade com as circunstâncias. Para o jurista Hélio Gomes, citado por NAUFEL, é o direito que se pretende conferir a uma junta médica de dar a morte suave aos doentes que sofrem de dores insuportáveis, estejam atacados de doença incurável ou a desejem ou solicitem. O autor é explícito afirmando: o direito que se pretende conferir, o que vale dizer que nem mesmo a uma junta médica é dado o direito de suprimir a vida de um doente que sofre de dores insuportáveis ou seja acometido de doença incurável, ou que a deseje ou a solicite. No conceito médico-legal a condenação à eutanásia encontra fundamentos nos ensinamentos de HIPÓCRATES, visto que já em sua época (400 anos antes de Cristo), os médicos eram procurados por pessoas desejosas de morrer ou familiares de doentes em estado grave para que lhes fosse administrado um medicamento capaz de abreviar-lhes a vida. Daí a razão de constar do Juramento de Hipócrates a sábia instrução: A ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho que o induza à perdição. Para FÁVERO ao médico assiste o direito, que é também um dever, de aliviar os que sofrem, suavisando-lhes as dores. É uma das finalidades da Medicina que lhe dá uma emanação de divindade, na expressão latina: divinum est opus sedare dolorem. O médico deve esmerar-se nesse propósito, em relação aos sofrimentos de um agonizante, minorando-os bondosa e carinhosamente. Em face à situação de prestar assistência a um paciente acometido de qualquer estado patológico, o médico realiza o tratamento indicado e procura diminuir-lhe o sofrimento, sedando-lhe as dores e, sempre que possível, proporcionando-lhe o conforto no seu próprio ambiente, junto aos seus familiares. O ser humano é dotado de extraordinária capacidade de adaptação às transformações bio-psíquicas que se operam continuamente em seu organismo, desde o nascimento até a velhice. Adapta-se, igualmente, ao seu próprio estado de saúde e às limitações físicas que ocorrem no decorrer da idade, bem como às situações econômicas, sociais e ambientais que o envolvem. Contudo, na maioria das vezes, ao deparar-se com a iminência da morte, sente medo, e pode apresentar reações que no dizer de KUBLER-ROSS estariam relacionadas a cinco estados psico-emocionais: de negação, de revolta, de questionamento, de depressão, de aceitação. Segundo a mesma autora, a esperança é o sentimento que coexiste sempre, concomitantemente com qualquer dos estados mencionados. O paciente, mesmo em estado de vida vegetativa não é um ser inerte, destituído de percepção, embora muitas vezes seja incapaz de comunicar-se verbalmente, por apresentar alterações a nível de consciência ou por estar entubado ou traqueostomizado numa Unidade de Terapia Intensiva. O coportamento do médico junto ao doente não se limitar na atenção ao seu estado físico, mas na compreensão do seu ser como um todo, formado de corpo e alma, seus valores psíquicos e sociais. A dignidade do doente não pode ser subestimada por encontrar-se num leito de sofrimento, muitas vezes em compelta dependência dos que o assistem, incapaz mesmo de controlar suas funções fisiológicas. O médico deve ter condições para transmitir confiança ao doente e esperança na própria vida. E, como afirma LANE a nenhum paciente deve ser dada a impressão de que ele vai morrer, mas sim que se trata de um problema sério e que várias medidas foram ou serão tomadas para curá-lo. Essa postura não significa faltar com a verdade ou enganar o doente. A atitude de confiança do médico, pela palavra e pela ação, de que tudo está sendo providenciado para o seu tratamento, é muitas vezes a mensagem mais importante para estimular o sentimento de esperança, presente no seu subsconsciente, ainda que em estado de incontido sofrimento. Mesmo a pretexto de dar ao doente uma boa morte, sem sofrimento, a filosofia médica repele a prática da eutanásia, como direito de matar, pelas seguintes razões: - Por ser contrária à supressão da vida. Os recursos médicos atuais permitem a utilização de medicamentos capazes de eliminar a dor e de amenizar o sofrimento do doente, sem a necessidade de suprimir-lhe a vida. A Medicina tem a possibilidade de proporcionar ao doente, em estado grave irreversível, uma boa condução para a grande viagem ao desconhecido, mas que seja dentro do horário, com amor ao que sofre e sem ferir a Étida Médica. - Em relação ao diagnóstico. O médico pode enganar-se quanto ao seu próprio diagnóstico e à capacidade reacional do organismo acometido de doença considerada grave. Em princípio não deve desanimar enquanto houver um sinal de vida. - Em relação ao prognóstico evolutivo do processo mórbido. O médico não ode considerar-se absoluto ao prever a evolução da doença, o tempo de sobrevida do doente ou sua incapacidade para readquirir condições físicas compatíveis de sobrevivência. Com muito menos razão deve considerar-se como o direito de desferir o golpe derradeiro, administrando ao doente um medicamento com a finalidade de interromper a atividade biológica ou desligando o aparelho que lhe mantém a vida. - Em relação aos recursos disponíveis. A palavra incurável tem um valor relativo diante dos progressos da ciência. A cada instante a Medicina ganha novos recursos que podem vir de encontro à necessidades de um determinado caso específico. FÁVERO cita o caso de um médico francês que apressou a morte da própria filha acometida de difteria, por não conter de recursos médicos para conter a evolução, então inexorável, da doença, e minutos depois recebia a promessa do sôro anti-diftérico que ROUX acabara de descobrir. A ciência médica evolui rapidamente, obrigando o médico à continuidade do estudo e reciclagem periódica. Além do mais, o médico não pode considerar-se senhor da verdade e proscrever outras terapêuticas ou modalidades assistenciais. A medicina moderna oferece várias modalidades alternativas para o tratamento do doente e o médico deve ter a mente aberta par aceitá-las se a sua metodologia não estiver correspondendo ao objetivo esperado. II - EUTANÁSIA PERANTE A MEDICINA Perante a Medicina, cumpre ao médico observar os seus postulados, defendê-la e cumprir os seus ensinamentos, acompanhando a evolução dos seus progressos científicos. A Medicina é eterna, desde que se corporificou como ciência e arte, e existirá sempre, constantemente, enriquecida pelo labor e atividades dos que a ela se dedicam, acompanhando os seres humanos em todos os ângulos de sua existência desde o nascimento até a morte. Seus própositos de respeito à vida estão contidos no Juramento de Genebra da Associação Médica Mundial, de 1948, citado por KASSAB, Guardarei respeito absoluta pela vida humana desde o momento da concepção. A Assembléia da mesma Entidade, realizada dos anos mais tarde, ratificou esse Juramento e recomenda às Associações Médicas Nacionais condenar a prática da eutanásia em qualquer circunstância. Essa resolução é aceita pela maioria das Associações Médicas Nacionais que inseriram em seus Códigos de Ética Médica a afirmações que constitui prática criminosa qualquer ato que provoque deliberadamente a morte do doente, qualquer que seja a sua motivação. A finalidade da Medicina transcende as especulações humanas. Ela proporciona recursos para a prevenção das doenças, para a promoção e recuperação da saúde, limita ou remedeia os males que não podem ser evitados ou curados e derrama o bálsamo da esperança ou a dádiva de uma consolação para os que sofrem. Os profissionais que a ela se dedicam gozam da consideração da sociedade. O verdadeiro médico, no exercício de sua profissão, há de merecer sempre o respeito e a justa estima dos seus semelhantes. III- A EUTANÁSIA PERANTE A LEI NATURAL O sistema energético que mantém o equilíbrio dos astros e a harmonia da natureza, em suas aparentes diversidades, é mantido por lei natural, imutável. Toda vez que o ser humano, de alguma forma, fere a lei, produz desarmonia no sistema de forças mantenedoras da vida e faz com que o próprio sistema responda com reações semelhantes, em sentido contrário. A resposta da natureza às transgressões acumuladas pode levar a grandes catastrofes, cujo objetivo é o de restabelecer o equilíbrio rompido. Perante a lei natural o homem deve respeitar a vida, no todo ou em suas partes, conservando-a e aprimorando-a sempre que possível. MONTEIRO comenta que ninguém é dono da vida, nem o próprio doente, nem os seus parentes, nem o médico. A ninguém é dado o direito de abreviar a vida do seu semelhante, ainda que seja por espírito caritativo. A vida, por si mesma, é um bem alienável, por mais precária, por mais sofrida que seja. O médico ao realizar o tratamento espera que o organismo do doente venha a apresentar reações favoráveis ao seu restabelecimento. A cura, isto é, o retorno, à saúde, vem a ser o resultado de uma reatividade orgânica realizada pelo próprio organismo. Como afirma LEMOS: Há erro em atribuir-se ao médico o sucesso da cura, e tanto mais descabida a pretensão, quando ele não chama a si o insucesso da morte, o que, de resto, seria injustiça. O médico emprega, na sua profissão, os recursos disponíveis, a fim de proporcionar às forças naturais do próprio organismo a reatividade necessária ao processo da cura. A evolução da doença mostra que, em alguns casos, a cura pode realizar-se com o médico, sem o médico ou apesar do médico. Diante do caso de um doente em sofrimento ou de qualquer outra emergência o médico só tem o direito de tratar. Direito de abreviar a vida, não. IV - A MANUTENÇÃO ARTIFICIAL DA VIDA Antes da década de 50, mesmo dispondo de recursos hospitalares, os doentes em estado grave eram, em gera, mantidos em seu ambiente domiciliar, assistidos pelo médico de família e rodeados pelos seus entes queridos. Com o progresso da ciência e da tecnologia, o hospital passou a caracterizar-se, cada vez mais, como local para o atendimento integral do doente, tanto para o diagóstico como para o tratamento de seus males. Tornou-se o local onde se realiza a grande luta contra as doenças, e para onde o doente em estado grave é encaminhado à espera de recursos excepcionais que possam restituir-lhe a saúde. O medo e a dramaticidade, que envolvem o doente em estado grave, fazem com que seja levado a um hospital onde possa dispor dos recursos da terapia intensiva, capazes de dar-lhe novas esperanças. Encontrando-se nesse ambiente, a par da assistência recebida, o doente torna-se vítima de inúmeras agressões, causadas pela imobilização no leito, pela utilização de aparelhos que emitem sons monótonos e repetidos, transfusões, iluminação continuada, assistência de profissionais estranhos e ausência de seus familiares. Embora seja mantido em locais com outras pessoas, o doente passa a viver estes momentos de sua vida num estado de crueldade solitária. Perde a sua individualidade e se transforma num ser dependente dos que o assistem e que utilizam recursos muitas vezes heróicos para restituir-lhe a saúde. A própria vida deixa de ser regulada pelo conjunto de processos vitais, para ser mantida por dispositivos mecânicos. O médico passa a ser depositário da responsabilidade perante a vida e a morte. O doente em estado grave apresenta-se desprovido de sua capacidade de auto-afirmação, e se transforma num ser inteiramente dependente de seu manipulador. Diante da gravidade do caso ou da evidência da impossibilidade de recuperação, o médico pode ser levado a cometer a eutanásia, desligando o aparelho que lhe mantém vida, ou administrando dose elevada de medicamentos, proporcionando-lhe a morte suave, sem padecimento. E não raras vezes os familiares do doente encontram consolo na própria morte, diante do prolongado sofrimento do seu ente querido, da impossibilidade da cura ou da evidência de se seguirem sequelas graves e irreparáveis, caso o doente pudesse sobreviver. Contudo, a eutanásia é desumana por interromper a continuidade da vida de maneira irreversível e não é justificada em nenhuma circunstância. Desligar o aparelho que mantém o fluxo biológico de um organismo, mesmo em estado de vida vegetativa, não é o mesmo que desligar um interruptor elétrico para apagar a luz e, ao fazê-lo, mesmo que a morte não venha a ocorrer, houve o desrespeito à vida, houve a intenção de matar. A vida humana constitui uma dádiva da própria Vida e o médico deve esmerar-se em melhorá-la e prolongá-la, a qualquer custo e em qualquer situação. V- TIPOS DE EUTANÁSIA A eutanásia pode ocorrer em várias modalidades: 1. Consentida - quando solicitada pelo próprio doente. O médico não pode atender à solicitação do doente para que a morte lhe seja antecipada, mesmo em casos de males muito traumatizantes e reconhecidamente incuráveis, pois tem um único compromisso perante a Medicina, o de defender a vida a qualquer custo e em qualquer circunstância. Os recursos medicamentosos atuais possibilitam suavizar as dores, mesmos mais atrozes, da pessoa enferma, permitindo ao médico suavisar-lhe o sofrimento sem interromper o curso da vida. Por outro lado, perante a Lei Natural, o ser humano não tem o direito de dispor do próprio corpo, senão dentro dos limites da própria vida, a qual constitui sempre um bem, mesmo nas condições mais precárias. Em face `a Lei Jurídica o ser humano não tem, igualmente, o direito de dispor da própria vida. Como afirma BRUNO a vida humana é um bem individual e social. O interesse público e o interesse privado coincidem em valorizá-la. Isto faz com que não se possa conceder ao indivíduo a livre disponibilidade da própria vida, e, assim, não tem validade perante o Direito a autorização de alguém para que o matem. Em qualquer circunstância não é o consentimento mas o motivo que influi, possibilitando excluir ou atenuar a culpabilidade. 2. Por compaixão - É a eutanásia no seu verdadeiro sentido. Aplicada a doentes em estado grave, considerados irrecuperáveis, para os quais já não existem recursos terapêuticos para o tratamento. Embora possa ter seus defensores, é prática condenada pela Ética Médica e pela Legislação Jurídica brasileira, além de contrariar o princípio básico da Lei Natural de respeito à vida. Ao praticar a eutanásia o médico fere um dos propósitos mais sublimes da Medicina, o de conservar a vida e de consolar sempre. Se não tem condições para promover a cura do doente, deve ter a benevolência de assisti-lo e de transmitir-lhe a esperança na própria vida. Isto encerra basicamente um dever de humanidade. E tal procedimento redunda em proveito terapêutico porque beneficia as reações psico-emocionais do doente, fator de inestimável importância para o tratamento. 3. Justificada - quando praticada invocando critérios científicos, éticos, políticos, econômicos, sociais. Baseados no princípio de que os fins justificam os meios há os que defendem essa modalidade de homícidio. Seria a hipereutanásia, a morte causada a exilados políticos, a criminosos irrecuperáveis, a psicóticos incuráveis, a casos em que a vida deixa de ser agradável, produtiva e útil, a doentes mantidos em estado de vida vegetativa durante muito tempo, sem perspectiva de melhora, a casos em que envolvem interesses econômicos ou sociais de terceiros, a casos de dificuldades de família em manter o doente hospitalizado durante muito tempo, sem esperança de cura. De qualquer modo a morte da vítima seria indolor e o quanto possível, sem sofrimento. Como prevalece a intenção deliberada, premeditada, de matar, a Legislação Brasileira a qualifica como homício doloso. 4. Eutanásia positiva ou ativa - quando realizada ativamente, seja pela administração de medicamento em dose excessiva, capaz de inibir os processos vitais, seja pela retirada ou interrupção de aparelho mantenedor da vida, ainda que vegetativa, de um doente em tratamento. 5. Eutanásia passiva ou negativa - quando feita pela omissão deliberada de utilizar recursos que provavelmente prologariam a vida do doente, mas que seriam inoperantes para restituir-lhe a saúde. Compreende duas modalidades: 5.a) Ortotanásia - Do gr. Orthos, natural, e Thanatos, morte. É a morte considerada natural porque ocorre sem a utilização de recursos terapêuticos capazes de modificar a evolução do processo patológico considerado irreversível. As atenções ao doente convergem simplesmente no sentido de proporcionar-lhe certo conforto e minorar-lhe o sofrimento e a dor. 5.b) Distanásia - Do gr. Dis, mal, dificuldade, sofrimento, e Thanatos, morte. É a morte dificil, angustiada, agônica, lenta, dolorosa, que ocorre sem qualquer ajuda assistencial. Corresponde ao antônimo da eutanásia e nela não são utilizados recursos terapêuticos visando prolongar a vida ou diminuir a dor e o sofrimento do doente. VI - QUANDO O HOMEM PODE MATAR Segundo o Código Penal há três situações em que o homem pode matar: - em caso do país estar em guerra; - em legítima defesa; - em caso de sentença capital, nos países onde há pena de morte. Em caso do país estar em guerra o médico não pactua com a morte. Trata com igual desvelo tanto os feridos do exército do seu país como do país adversário. Um único sentimento o anima, o de que a dor humana não tem fronteiras e onde houver um seu semelhante em sofrimento, deve empenhar-se para minorar-lhe a dor e proporcionar-lhe melhores condições de saúde. Em casos de legítima defesa ou para proteção de seus familiares ou guarda de seus bens, o ser humano pode ser levado a ferir seu semelhante, mas como médico deve empenhar-se em prestar-lhe toda a assistência a que tem direito como ser humano. Para os países onde há pena capital não participa da execução dos condenados à morte, cabendo-lhe a responsabilidade de prestar-lhes assistência em qualquer situação, se já estiver ferido, doente ou em sofrimento. Relativamente à pena capital, KASSAB escreve que em 1981, o Tribunal Norte Americano do Estado de Oklahoma condenou à morte um criminosos por meio do injeção endovenosa. Evidentemente o método de execução deve ter tido inspiração na eutanásia. A injeção endovenosa obrigaria a participação de médico na concretização da pena capital. Não somente a escolha da substância, como a determinação do ato, seriam de competência médica. Em caráter urgente, a secretaria geral da Associação Médica Mundial emitiu comunicação, difundida pela imprensa, mostrando que é enfaticamente condenada a participação do médico na execução da pena capital. Apresentado o assunto ao Comitê de Ética Médica, este redigiu resolução que foi aprovada pelo Conselho da Assembléia, na qual está dito que a participação dos médicos na pena capital é contrária à ética, embora isto não os impeça de certificar o óbito. Situação semelhante ocorre quando a determinação para suprimir a vida provém de autoridade constituída (hipereutanásia). Honroso para a profissão médica o episódio do médico Des Genettes, citado por MONTEIRO. Napoleão ao visitar um hospital lotado de doentes de peste, na cidade de Jaffa, na Palestina, localidade conquistada pela França em 1799, determinou ao médico que abreviasse a vida dos doentes internados, para os quais não havia tratamento. No decurso de violenta discussão o médico exclamou: minha missão é a de conservar a vida. Realmente, este é o papel reservado ao médico, o de preservar a vida. Não lhe é dado o direito de suprimi-la, a pretexto de liberar o doente de seu sofrimento ou por não dispor de recursos para o seu tratamento. VII - O MAL MAIOR E A EUTÁNASIA No esforço para salvar uma vida, o médico pode ser levado a praticar mutilações, e mesmo, o sacrifício de outra vida. É eticamente aceito que em face de um mal maior se cometa o mal menor, como no caso de um órgão lesado que poderia pôr em risco todo o organismo. Na decorrência de um prenhez ectópica é feita a retirada do produto conceptual e a ligadura da trompa, como recurso para salvar a vida da paciente. O mesmo ocorre no caso de se ter que interromper uma gestação normal que põe em risco a vida da gestante. Ainda, nos casos da retirada de órgãos ou membros, patologicamente comprometidos, que põem em risco a vida do organismo. São situações em que não há propriamente eutanásia, nas quais o médico atua no pleno exercício de suas atividades, dentro dos princípios da ética médica. VIII - EUTANÁSIA E TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS Um novo capítulo inseriu-se na medicina contemporânea, o dos transplantes de órgãos provenientes de cadáveres, envolvendo necessariamente a caracterização de dois aspectos fundamentais: - o conceito de morte; - o possível interesse do médico em realizar o transplante e ser levado a acelerar a morte do doador de órgãos. O conceito de morte transcende ao da simples parada cardíaca, pois o coração pode parar e voltar a funcionar novamente, generalizando-se o conceito de que para haver morte é necessário que haja parada da atividade cerebral. MORAES lembra que para o transplante de um órgão exige-se que sua vitalidade seja preservada, e pergunta: no caso da retirada de órgão de cadáver, como esse órgão poderá ser obtido em boas condições de vitalidade se for retirado depois de interrompida a sua circulação?. Nesta circunstância, o médico diante da eventualidade da realização do transplante pode ser levado a deliberação apressada, movido por interesse científico, por desejo de sucesso profissional ou por interesses econômicos, políticos e sociais. Segundo KASSAB, a Declaração de Sydney de 1968, da Associação Médica Mundial, foi motivada atendendo a dois aspectos fundamentais: - a possibilidade de se manter, por meios artificiais, a oxigenação de tecidos; - a utilização de órgãos de cadáveres para transplantes. Ficou conceituado que o médico pode definir o momento da morte, na maioria dos casos, sem a ajuda de recursos especiais, somente à luz dos critérios clássicos. Ficou igualmente assinalado que a morte, a nível das células, é um processo gradual, pois os diferentes tecidos não tem reações iguais quando lhes falta o oxigênio e os demais elementos do metabolismo celular. O interesse médico não é baseado na preservação das células isoladamente, mas da pessoa. Não é a morte das diferentes células e órgãos que tem importância, mas a certeza da irreversibilidade do processo, quaisquer que sejam os métodos de ressuscitação que possam ser empregados. MORAES recomenda a necessidade do médico, na eventualidade de realizar um transplante de órgão, não perder de vista o objetivo primeiro que é o de cuidar do doente que procura socorro ou é levado ao hospital em estado grave, e se dedique com afinco, à luz dos seus conhecimentos e dos recursos disponíveis, para minorar-lhe o sofrimento, prolongar ou salvar-lhe a vida. IX - A EUTANÁSIA SEGUNDO O ESPIRITISMO O ser humano é formado de corpo e alma ( espírito encarnado) e o perispírito participa como elemento de ligação entre ambos. Em sua trajetória evolutiva, o espírito passa por encarnações sucessivas que lhe dão repetidas oportunidades de aprimoramento. A doença teria sua sede no perispírito e surge em decorrência dos próprios atos e pensamentos da pessoa, tanto da vida atual como de vidas passadas. O perispírito funciona como receptor de estímulos provenientes das ações que ocorrem durante a vida, e ao mesmo tempo, como programador automático dos recursos capazes de ressarcir as falhas acumuladas na vida atual e nas vidas passadas, em fade à Lei de Causa e Efeito à qual o ser humano está vinculado. A doença seria, assim, imposta à humanidade como uma forma de resgaste de suas próprias faltas. Desde o instante em que o ser humano toma consciência de transitoriedade da vida, o adoecer e o morrer tornam-se preocupações que veladamente o acompanham como inexorável realidade. Mesmo sabendo que o organismo vai se transformando gradativamente no decurso da vida e que a morte pode ocorrer a qualquer instante, independentemente da idade, a maioria das pessoas postergam a possibilidade desse evento para mais tarde, e agem como se fossem eternas, na efêmera ilusão da imortalidade. Esse comportamento individual representa, contudo, um extraordinário elemento de estímulo para a própria vida e estaria relacionado à presença do espírito imortal que vivifica o corpo e que está destinado a transcender os parâmetros da transitoriedade da vida biológica. Na verdade, a morte não deveria constituit motivo de apreensão, por se tratar de um acontecimento comum a todos os seres, e deverá ocorrer infalivelmente em decorrência do próprio nascimento. Com exceção da morte repentina, o processo realiza-se paulatinamente, de tal modo que cada um morre um pouco a cada instante, até completar o seu ciclo de vida na Terra. Para o homem comum a doença é, por si mesma, o espectro de coisa indesejável, e nos casos de doenças crônicas que exigem cuidados e tratamentos continuados, ou nos estados patológicos graves, representa, na maioria das vezes, o sacrifício, dispêndios, incapacidade, dor, sofrimento, perda da dignidade ou a sombra da própria morte. Para o espírita, embora a doença possa ter essas conotações, é uma responsabilidade a enfrentar, e representa muitas vezes o recurso programado pelo próprio espírito para corrigir erros cometidos, ou a oportunidade de reflexões mais profunda, que podem abrir-lhe novas perspectivas a caminho da luz. O espiritismo tem por base o respeito à vida desde o momento da concepção, e conden qualquer modalidade de ação que tenha por fim interrompê-la, por mais insignificante que possa parecer. A condição de um ser humano em luta contra a doença ou estado patológico grave não lhe diminui a dignidade que é inerente à sua própria condição humana, ao fato de ser gente. Sendo o planeta Terra a grande escola para as almas encarnadas, qualquer situação pode representar uma oportunidade para a reflexão, mesmo que seja dada sob a forma de sacrifício num leito de desconforto e sofrimento. Do mesmo modo, o espiritismo não aceita a revolta contra a doença e não justifica a falta de utilização de recursos capazes de prolongar ou melhorar a vida, ou minorar o sofrimento do doente. O médico se destaca, na sociedade, como um instrumento de misericórdia divina, cuja missão é de ajudar sempre e nunca de interromper a vida. Segundo a Lei de Deus, a advertência é taxativa: não matarás. Embora não diga o que acontece com a pessoa que mata, deixa subtender que a mesma terá o seu julgamento na vida espiritual. Segundo a Lei dos homens, a pessoa que comete homicídio, está sujeita a um julgamento, variável para cada país, de acordo com as circunstâncias que o determinaram. Segundo o Espiritismo, há o respeito à Lei Civil e revela que a pessoa que mata estará sujeita a cumprir penalidade correspondente, na mesma vida ou em vida futura, segundo a Lei do Retorno ou de Causa e Efeito. Para o espírita a doença deve ser encarada como recurso que lhe é imposto como necessário à sua evolução, visto ser ela de sua própria responsabilidade e não decorrente da fatalidade ou de maldição do Criador. A doença proporciona a oportunidade de uma reflexão mais profunda, que não está ausente mesmo no estado de vida vegetativa, com a paralização das atividades cerebrais superiores, na qual a consciência se mantém vigilante, capaz de captar e analisar os fenômenos que lhe estão ocorrendo, como constatou MOODY Jr., nas pesquisas que realizou com pessoas que foram acometidas de afecção grave, e estiveram ao estado de coma, e posteriormente retornaram ao estado de vida consciente e relataram pormenores de tudo o que passaram. Esse fenômeno vem confirmar a proposição de que a consciência é a voz secreta da alma que julga os próprios atos da pessoa, e está relacioanda à presença do espírito que vivifica o corpo e é sempre atuante no organismo vivo, mesmo nos estados em que a mente consciente possa estar inativa. Sempre que possível deve ser dada assistência espiritual ao paciente, sem imposições, de acordo com sua formação religiosa, respeitando sua própria vontade ou de seus familiares. A atitude de confiaça das pessoas que assistem o doente tem força para estimular o sentimento de esperança que atua como bálsamo valioso a iluminar o caminho dos que sofrem e que já se encontram, muitas vezes, na senda do inevitável para a vida espiritual. Em sua mensagem sobre Sofrimento e Eutanásia, EMMANUEL lembra a necessidade do respeito à vida, a importância para o espírito de alguns instantes a mais de participação no corpo físico, e as conotações que envolvem as pessoas que assistem os doentes nas fases terminais: Quando te encontres diante de alguém que a morte parece nimbar de sombra, recorda que a vida prossegue além da grande renovação... Não te creias autorizado a desferir o golpe supremo naqueles que a agonia emudece, a pretexto de consolação e de amor, porque, muita vez, por trás dos olhos baços e das mãos desfalecentes que parecem deitar o último adeus, apenas repontam avisos e advertências para que o erro seja sustado ou para que a senda se reajusta também. Ante o catre da enfermidade mais insidiosa e mais dura, brilha o socorro da Infinita Bondade facilitando, a quem deve, a conquista da quitação. Por isso mesmo, nas próprias moléstias reconhecidamente obscuras para a diagnose terrestre, fulgem lições cujo termo é preciso esperar, a fim de que o homem lhes não perca a essência divina. E tal acontece, porque o corpo carnal, ainda mesmo o mais mutilado e disforme, em todas as circunstâncias, é o sublime instrumento em que a alma é chamada a acender a flama da evolução. É, por esse motivo que no mundo encontramos, a cada passo, trajes físicos, em figurino moral diverso. Corpos - santuários... Corpos - oficinas... Corpos - bênçãos... Corpos - esconderijos... Corpos - flagelos... Corpos - ambulâncias... Corpos - cárceres... Corpos - espiações... Em todos eles, contudo, palpita a concessão do Senhor, induzindo-nos ao pagamento de velhas dívidas que a Eterna Justiça ainda não apagou. Não desrespeites, assim, quem se imobiliza na cruz horizontal da doença prolongada e difícil, administrando-lhe o veneno da morte suave, porquanto, provavelmente, conhecerás também mais tarde o proveitoso decúbito indispensável à grande meditação. E usando bondade para os que atravessam semelhantes experiências para que te não falte a bondade alheia, no dia de tua experiência maior, lembra-te de que, valorizando a existência na Terra, o próprio Cristo arrancou Lázaro às trevas do sepulcro, para que o amigo dileto conseguisse dispor de mais tempo para completar o tempo necessário à própria sublimação. O texto acima foi retirado do Boletim Médico - Espírita da Associação Médico Espírita de São Paulo
Posted on: Sun, 17 Nov 2013 23:04:19 +0000

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