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EZTETYKA DO SONHO 71 (...)Este congresso em Colúmbia é uma oportunidade que tenho para desenvolver algumas idéias a respeito de arte e revolução. O tema da pobreza está ligado a isto. As Ciências Sociais informam estatísticas e permitem interpretações sobre a pobreza. As conclusões dos relatórios dos sistemas capitalistas encaram o homem pobre como um objeto que deve ser alimentado. E nos países socialistas observamos a permanente polêmica entre os profetas da revolução total e os burocratas que tratam o homem como objeto a ser massificado. A maioria dos profetas da revolução total é composta por artistas(...). Arte revolucionária foi a palavra de ordem no Terceiro Mundo nos anos 60 e continuará a ser nesta década. Acho, porém, que a mudança de muitas condições políticas e mentais exige um desenvolvimento contínuo dos conceitos de arte revolucionária. Primarismo muitas vezes se confunde com os manifestos ideológicos. O pior inimigo da arte revolucionária é sua mediocridade. Diante da evolução sutil dos conceitos reformistas da ideologia imperialista, o artista deve oferecer respostas revolucionárias capazes de não aceitar, em nenhuma hipótese, as evasivas propostas. E, o que é mais difícil, exige uma precisa identificação do que é arte revolucionária útil ao ativismo político, do que é arte revolucionária lançada na abertura de novas discussões do que é arte revolucionária rejeitada pela esquerda e instrumentalizada pela direita(...). (...)Uma obra de arte revolucionária deveria não só atuar de modo imediatamente político como também promover a especulação filosófica, criando uma estética do eterno movimento humano rumo à sua integração cósmica. A existência descontínua desta arte revolucionária no Terceiro Mundo se deve fundamentalmente às repressões do racionalismo. Os sistemas culturais atuantes, de direita e de esquerda, estão presos a uma razão conservadora. O fracasso das esquerdas no Brasil é resultado deste vício colonizador. A direita pensa segundo a razão da ordem e do desenvolvimento (...). As respostas da esquerda, exemplifico outra vez no Brasil, foram paternalistas em relação ao tema central dos conflitos políticos: as massas pobres. O Povo é o mito da burguesia. A razão do povo se converte na razão da burguesia sobre o povo. (...)A razão de esquerda revela herdeiro da razão revolucionária burguesa européia. A colonização, em tal nível, impossibilita uma ideologia revolucionária integral que teria na arte sua expressão maior, porque somente a arte pode se aproximar do homem na profundidade que o sonho desta compreensão possa permitir. A ruptura com os racionalismos colonizadores é a única saída. (...)A revolução é a anti-razão que comunica as tensões e rebeliões do mais irracional de todos os fenômenos que é a pobreza. Nenhuma estatística pode informar a dimensão da pobreza. A pobreza é a carga autodestrutiva máxima de cada homem e repercute psiquicamente de tal forma que este pobre se converte num animal de duas cabeças: uma é fatalista e submissa à razão que o explora como escravo. A outra, na medida em que o pobre não pode explicar o absurdo de sua própria pobreza, é naturalmente mística. A razão dominadora classifica o misticismo de irracionalista e o reprime à bala. Para ela tudo que é irracional deve ser destruído, seja a mística religiosa, seja a mística política. A revolução, como possessão do homem que lança sua vida rumo à idéia, é o mais alto astral do misticismo. As revoluções fracassam quando esta possessão não é total (...),quando, ainda acionado pela razão burguesa, método e ideologia se confundem a tal ponto que paralisam as transações da luta. Na medida em que a desrazão planeja as revoluções a razão planeja a repressão. (...) Há que tocar, pela comunhão, o ponto vital da pobreza que é seu misticismo. Este misticismo é a única linguagem que transcende ao esquema irracional da opressão. A revolução é uma mágica porque é o imprevisto dentro da razão dominadora. No máximo é vista como uma possibilidade compreensível(...). O irracionalismo liberador é a mais forte arma do revolucionário. E a liberação, mesmo nos encontros da violência provocada pelo sistema, significa sempre negar a violência em nome de uma comunidade fundada pelo sentido do amor ilimitado entre os homens. Este amor nada tem a ver com o humanismo tradicional, símbolo da boa consciência dominadora. As raízes índias e negras do povo latino-americano devem ser compreendidas como única força desenvolvida deste continente. Nossas classes médias e burguesias são caricaturas decadentes das sociedades colonizadoras. A cultura popular não é o que se chama tecnicamente de folclore, mas a linguagem popular de permanente rebelião histórica. O encontro dos revolucionários desligados da razão burguesa com as estruturas mais significativas desta cultura popular será a primeira configuração de um novo significado revolucionário. O sonho é o único direito que não se pode proibir. (...)Hoje recuso falar em qualquer estética. A plena vivência não pode se sujeitar a conceitos filosóficos. Arte revolucionária deve ser uma mágica capaz de enfeitiçar o homem a tal ponto que ele não mais suporte viver nesta realidade absurda. Borges, superando esta realidade, escreveu as mais liberadoras irrealidades de nosso tempo. Sua estética é a do sonho. Para mim é uma iluminação espiritual que contribuiu para dilatar a minha sensibilidade afro-índia na direção dos mitos originais da minha raça. Esta raça, pobre e aparentemente sem destino, elabora na mística seu momento de liberdade. Os Deuses Afro-índios negarão a mística colonizadora do catolicismo, que é feitiçaria da repressão e da redenção moral dos ricos. Não justifico nem explico meu sonho porque ele nasce de uma intimidade cada vez maior com o tema dos meus filmes, sentido natural de minha vida. Glauber Rocha Columbia University – New York Janeiro de 1971
Posted on: Sat, 03 Aug 2013 23:25:06 +0000

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