Eis um dos textos que foram lidos no 2º convívio da Valeta 2º - TopicsExpress



          

Eis um dos textos que foram lidos no 2º convívio da Valeta 2º Convívio da Valeta 2013 No ano passado, fui-me relativamente fácil estruturar um artigo relacionado com este evento, pois era o primeiro, e, quando assim é, existe uma motivação intrínseca (que essa continua), uma imensidade de assuntos e de recordações que nos facilitam a vida e nos aumentam a inspiração. Falar e escrever sobre a Valeta e sobre os Arcos de Valdevez é e sempre será para mim um grande prazer. Se este ano a qualidade da minha intervenção não corresponder às expectativas, perdoem-me os presentes, não será por falta de vontade, mas quem dá o que pode e sabe, a mais não é obrigado. Não tenho a veleidade de querer ser escritora, apenas pretendo traduzir por palavras aquilo que me vai na alma, recordar tempos que já lá vão e porque não tentar deixar testemunhos escritos de um passado recente que correm o risco de desaparecer. Envio e peço um sincero pedido de desculpas a todos aqueles que não mencionei no referido artigo, sendo certo que as omissões resultaram de lapsos de memória e não de qualquer intenção deliberada, como não poderia deixar de ser. Aliás, o mesmo poderá acontecer com o presente artigo. Parece que foi ontem, mas já se passou um ano desde que se realizou o 1º convívio da Valeta, quiçá, o mais badalado dos últimos tempos e o mais pretendido, tal a vontade então demonstrada por imensa gente em participar no próximo. Algumas dessas pessoas que hoje estão presentes, apesar de terem poucas ou nenhumas raízes com a nossa rua, sempre admiraram e respeitaram o nosso bairrismo, a nossa mística, a nossa alegria, as nossas tradições e, por isso, são bem-vindos do fundo do coração. E para os quais peço uma salva de palmas. Uma vez mais, à semelhança do ano passado, atrevo-me a regressar à minha infância, e a recordar acontecimentos e situações que desapareceram e nunca mais voltaram à nossa vida coletiva arcuense e valetense. Todos se devem recordar que a feira quinzenal se realizava no campo do Trasladário, numa vastidão de cor que inebriava o espírito, com a imensidão de barracas de venda de roupas e tecidos, todas alinhadinhas em várias zonas, os comerciantes de frutas, lã, aves e cereais noutras (a minha tia Maria do russo era uma presença constante); a zona das vendedeiras (sobretudo de Vilafonche) de doces, bebidas e sandes, assim como da carne de porco; a zona da venda do peixe e depois das bananas onde hoje está o café DNA, etc. Há, desse tempo, diversas figuras típicas que me vêm à memória e que pretendo abordar neste humilde apontamento. Uma delas é o vendedor de água fresca (o aguadeiro) que, sobretudo nos dias quentes de Verão, percorria todo o recinto da feira com um cântaro de cortiça cheio de água (por vezes, à cabeça), água essa que ia buscar à fonte de Salzedas (nesse tempo a água de Salzedas era pura e límpida) ou à fonte da rua dos Açougues, ou à fonte do Piolho, misturada com um travo de aguardente, limão e açúcar, deliciosa e eficaz contra a sede, conjuntamente com um tabuleiro com copos de vidro (por onde bebia toda a gente) e que apregoava alto e a bom som: “olha a auga fresca, quem quer buber?!” Recordo também o vendedor de banha da cobra que tinha pomadas para todas as maleitas, com imensos interessados na cura dos seus males (reumatismo, sarna, inchaços, dores de cabeça, etc.). Outra figura que me fascinava era a cigana, toda vestida de negro, com os seus vestidos compridos, que procurava as moças desejosas de ouvirem promessas de um futuro risonho com marido e filhos, ou as mulheres que pretendiam afastar os males da inveja do vizinho ou um enriquecimento milagroso para lhes ler a sina na palma da mão ou das mãos, consoante o pagamento do serviço, que era marralhado, como, aliás, quase todas as trocas comerciais. Nesse mesmo dia, de feira, claro está, realizava-se a feira do gado em S. Bento, sempre muito concorrida, (vacas, cabras, cavalos e carneiros) em cujo trajeto se encontravam vendedores de materiais ligados à lavoura e ao gado como sogas, tamoeiros, monelhas, malhos, correias, (os meus tios António e Manuel dedicavam-se a esse mister), enxadas, foices, engaços, carros de bois, arados, etc. Também no largo da Rotunda, no final da rua do Espírito Santo, se realizava a feira dos porcos, numa azáfama porcina cujo saldo era a troca comercial de porcos por notas (de vinte escudos) e muito esterco que no final ou no dia seguinte era lavado à mangueirada pelos funcionários da CMAV (antigamente as ruas da vila eram constantemente lavadas). E como era a Valeta em dia de feira? Fervilhava de gente. Eram as mulheres dos montes que depois de venderem os sacos de carvão e/ou de lã, que traziam às costas ou à cabeça, por caminhos tortuosos, desde os recantos mais recônditos da nossa bela terra (Lombadinha, Carralcova, Bouças Donas, Ferreiros, Buímo, Bustelinhos, Cabana Maior, etc.), se dirigiam às várias tabernas onde os homens bebiam um copo de vinho branco, a “Julieta”. Tabernas como: a (Tininha do Miguel (minha querida avó), a Flor do Minho (Sr. Domingos e Duartininha), João de Deus (a Rainha do Vez), o Sr. Melo, o Sr. Amorim (atual Laurinda), o Sr. Lima (Estrela Polar), o Sr. Armindo Cozinheiro, A Regional, o Sr. Cerqueira, (atual Delfim), a Fiinha e outras) para comer baratinho e caseirinho (que boa era a comida e que gostosa a feijoada com tripas, as papas de sarrabulho, o cozido à portuguesa, as batatas guisadas ou à espanhola, etc.), pois os tostõezinhos apurados ainda tinham de chegar para comprar umas sardinhas para o resto da semana para toda a família; eram as mulheres e homens do campo que traziam as arrobas e rasas de milho ou feijão, e com os trocados que conseguiam compravam alguma mercearia (uma onça de café moído na hora, uma quarta de cevada que custava um “cruzado” ou quatro tostões, um quilo de arroz, um pacote de massa, um quarteirão de azeite) no Sr. Miguelzinho (meu avô), na Sra. Lucinda, no Sr. Dario, na Cilinha ou no “Azeiteiro”. Era encantador apreciar toda aquela panóplia de utensílios: almotolias, cuncas, pesos calibrados para não roubar o freguês, copos de medidas de capacidade (litros), etc. Nesse dia, em dias de feira, os comércios da Valeta regurgitavam de alegria: o ferrador ferrava os cavalos; o funileiro consertava o funil ou a panela de alumínio; o carpinteiro alisava a madeira para fazer bancos, cadeiras, cómodas e masseiras; os alfaiates cosiam as calças; os sapateiros batiam a sola e entregavam os sapatos remendados; os açougueiros cortavam a carne nos talhos; os barbeiros aparavam o cabelo e a barba à navalha; os padeiros vendiam o pão trigo e milho (“broa”) que tinham confecionado durante a noite com a farinha moída nas azenhas da Valeta (que cheirinho inolvidável!). Tudo isto e muito mais se passava antigamente, “no meu tempo”, como sói dizer-se num dia de feira dos Arcos. Caros amigos, espero que esta minha viagem vos tenha feito viajar no tempo, relembrar e avivar muitas das vossas memórias e que possa ter contribuído para tornar este 2º convívio da Valeta ainda mais agradável. P.S. – Já agora, não acham que a Valeta tem um historial suficiente para se materializar num museu (que seria o primeiro) das artes e ofícios artesanais aqui praticados durante o séc XX até ao 25 de Abril? Casas históricas prontas a ser recuperadas e transformadas em museus é aquilo que aqui não falta. A palavra ou melhor a ação a quem de direito, leia-se autarquia local (municipal e/ou freguesia). Bem hajam Maria Clara Araújo
Posted on: Sun, 06 Oct 2013 21:48:38 +0000

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