“Era um sonho dantesco”, como diria o maior poeta baiano. As - TopicsExpress



          

“Era um sonho dantesco”, como diria o maior poeta baiano. As referências literárias continuavam a passear por minha cabeça, enquanto tentava espantá-las para lidar com a triste realidade que se anunciava. Parafraseava o poeta itabirano, entre suspiros: “penetra surdamente no reino das audiências de ‘conciliação’, lá estão as sentenças que ainda esperam ser promulgadas”. No umbral da sala, vislumbrei o pórtico de Dante Alighieri, não o da Divina Comédia inteira, só o do Inferno. Tentei ser otimista e pensei: com sorte passo incólume pelo Purgatório e, com mais sorte ainda, chego ao Paraíso. Mas sorte é o que tem faltado a este sorumbático ser humano. Ali está, já vejo os dizeres: “Abandonai toda esperança, vós que aqui entrais”. Não, ôps, foi um devaneio: a plaquinha sobre a sala era mais simples e direta: “Segunda Vara de Família”. Nem quero fazer a infame extrapolação, mas, de fato, a situação não mudava em nada, “abandonai toda esperança...” Sem ter por onde fugir, atendi ao chamado do oficial de Justiça e entrei no Inferno, digo, na Vara, nem sei se faz diferença. Olhei pro lado e vi a Parte (Ah, esqueci de dizer que eu sou a Contraparte). “Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada etriste, e triste e fatigado eu vinha”. Sentamo-nos à volta da mesa, ladeado por advogados, de olho nas alturas, na representação emblemática da Justiça. E ela se debruçou sobre nós, com seu poder altaneiro, e disse de maneira retumbante: “querem se separar, não é?” Quase desisti, mas voltar atrás não era uma opção. A Parte expôs sua justa e modesta demanda. A Contraparte tentou ao menos preservar suas cuecas. A Justiça vociferou: “O senhor comprou casa, apartamento, carros... não importa, nada é seu, tudo é dos dois”. E tome pensão, tome guarda do filho. Tentei apresentar um raciocínio sobre o valor dos bens e como poderiam ser divididos salomonicamente. A Justiça bradou: “O senhor pretende me ensinar matemática?”. — Não, não!, rapidamente acudi. — Não tenho essa pretensão!, mas era tarde, havia perdido a imensa benevolência da Justiça. Quase terminando a audiência, a Justiça se pronunciou sobre as dívidas do casal: “O senhor as assuma, elas lhe pertencem até o último fio de cabelo, até a mais recôndita letra do seu DNA!” — Mas, Meritíssimo — tentei argüir — o código civil estabelece a equivalência da união estável com o matrimônio tradicional, como se fora sob o regime de comunhão de bens, na qual os haveres e os ônus pertencem a ambos... Tristíssima idéia! A Justiça empoderou-se ainda mais e reverberou: “Tu és pó, e ao pó retornarás!”. Ôps, me confundi de novo. A Justiça apenas ponderou: “O senhor, não satisfeito em tentar me ensinar matemática, agora quer me ensinar Direito?” E todos os nove círculos do Inferno, três vales, dez fossos e quatro esferas se fecharam sobre minha alma.
Posted on: Tue, 08 Oct 2013 01:45:40 +0000

Trending Topics



body" style="min-height:30px;">
Bedbugs Problems? We provide cost effective bedbugs extermination
On any given day, it is estimated by the Arizona Department of

Recently Viewed Topics




© 2015