Estava devendo essa para Jomi Hubner, Ricardo Garcia, Morisso - TopicsExpress



          

Estava devendo essa para Jomi Hubner, Ricardo Garcia, Morisso Fernando: Li recentemente Messner, onde ele diz, em outras palavras, que o sucesso de suas escaladas resultaram sempre do fracasso de várias outras. Messner relativiza o fracasso, e não apenas por força de retórica (como se quisesse se conformar de algo que não deu certo), mas, nos casos dos seus empreendimentos, especialmente aqueles acima dos oito mil, fracassar o cume representou, objetivamente, regressar, voltar vivo. Nos diz: “Qual é o êxito na montanha? É regressar”. Li algo semelhante com relação as navegações, na idade média, para as Índias e China: líderes das expedições diziam aos seus marinheiros que o sucesso não era alcançar as Índias, mas regressar - inspirações distantes estas e, guardadas obviamente as devidas proporções, vou narrar aqui sobre sentimentos que experimentei – e com frequência experimentamos em escaladas tradicionais – que é abandonar uma via. A ideia é apenas compartilhar as condições objetivas que estão associadas a esses sentimentos e entendimentos que precisei elaborar desde o segundo seguinte que tomei a decisão, bem objetiva, anunciada ao meu parceiro de escalada, de que não seguiria ao cume da Leste e que deveríamos baixar – o sentido dessa conversa depende, é claro, do sentido compartilhado sobre esse lugar, chamado cume, e quem pratica escaladas tradicionais sabe que ele é bem mais do que um lugar de onde se vê o mundo lá embaixo, mas é tb um lugar de onde se é visto pelo outro: então seu valor também está ligado ao êxito de um empreendimento, de um projeto, de um conjunto de esforços ... é portanto, muito mais que o lugar mais alto da montanha. A decisão de não chegar ao cume foi tomada às 13h:30 quando estávamos na p9 (ou p.10, dependendo da versão do croqui) que é a primeira parada depois da primeira chaminé. O cálculo que fundou a decisão foi bem simples: baseado nas informações que tínhamos – e depois a escalada do Jomi e Ricardo confirmam essas informações - estávamos cerca de 1/3 do cume, mas esse terço final ocupa, em geral, metade do tempo total da via. Não queríamos arriscar rapel à noite na linha usual Sylvio Mendes, nem estávamos equipados para passar a noite no cume: resultado dessa equação objetiva e simples, voltar! Ao mesmo tempo que fazíamos esse cálculo simples, outro bem complexo se processava simultaneamente nos sentimentos: desistir... putz! Quem gosta de desistir? O sentimento de fracasso ganhou força... e aquele segundo de silêncio ficou tendo a força de horas... Mas, voltei à razão: apoiado pelo cálculo racional, o insurgente sentimento de fracasso acabou suplantado pela força de outro conjunto de sentimentos: o que tínhamos feito até ali nos satisfazia? Pela primeira vez naquele dia contemplei o horizonte, bah, fazia tempo que não tinha acesso a um visual como aquele, fantástico! Fazia tempo que não dedicávamos a um empreendimento que demandasse o conjunto de cuidados que aquele ambiente de escalada tradicional nos demandava. A satisfação tomou conta e criou, nesse caso, um falso cume – um cume inventado!! Isso mesmo, não foi o cume de verdade, mas foi um bom critério subjetivo que estabeleceu a divisão entre uma zona de conforto e segurança (de onde estavámos, para baixo) e uma zona de desconforto e insegurança (de onde estávamos, para cima). A satisfação de ter chegado até ali nos fez optar pela primeira zona. Bom, o cume inventado (o falso cume) assegurou nosso regresso seguro e isso foi importante para mim e para meu parceiro. Mas, agora vamos ao que deve interessar e pode ser importante aos meus amigos escaladores: as respostas para a pergunta: ”o que saiu errado?” Em 2012, lá por outubro, quando o Jomi anunciou que ia com Ricardo para Salinas, escalar a “Leste”; prontamente “me convidei” para ir junto e a condição seria que eu formasse uma dupla, já que uma cordada de três não estava nos planos do Ricardo, em função das características da via. O Ricardo já havia passado uma noite nessa via (em 2010) e não queria repetir a experiência: com base na experiência acumulada, treinos e disciplina ricardo-jominiana, a dupla criou condições para pôr em prática a sua estratégia de ataque ao cume: “leve e rápido” – Jomi tem um descrição da escalada, igualmente leve e rápido em seu site. O Fernando Morisso, meu parceiro histórico de escaladas, estava afastado das rochas, mas mantinha um ótimo condicionamento fisico em função dos treinos no tatami do Jiu Jitsu. Ainda em 2012, bastaram uns dias em Laguna na pousada do Sapo e o Morisso retomou namoro com a rocha, mais umas cevas Coruja no C3 (bar que fica ao lado do Campus 2 da Universidade Feevale) e tínhamos a reação química necessária para meu parceiro sair da toca. O Ricardo e o Jomi nos passaram todas as orientações que seriam seguidas por eles, em síntese: quanto ao treino, o fundamental seria condicionamento aeróbico; quanto à escalada em si: escalar leve e rápido e NÃO CAIR. Eu e morisso fizemos algumas poucas escaladas em ambiente de vias esportivas, o que, efetivamente, está muito distante do que poderíamos chamar de “treino para a Leste”, mas foram importantíssimas para retomarmos a sincronia e a rotina de uma dupla de escalada, o que envolve basicamente em: “porra alemão, libera a porra dessa corda” ... bom, por aí vai! Esses elementos de sincronia foram decisivos para o sucesso da nossa fracassada escalada na Leste. Na minha cabeça, a estratégia seria seguir a poeira de magnésia da dupla Jomi-Ricardo. Chegamos sábado à tarde na pousada com a idéia de entrar na Leste na segunda-feira. Aproveitaríamos o domingo para retomar a trilha e fazer umas duas cordadas de aclimatação, tudo leve. Mas, diante das notícias de chuva a partir de terça-feira e a ansiedade em garantir a escalada principal da trip, foi unânime a decisão de antecipar para domingo a escalada na Leste; no sábado à noite, depois de uma caminhada de ida e volta à base da via (aproximadamente 2 horas de caminhada) deixamos tudo preparado. Enquanto arrumávamos os equipos, tratamos de afinar a abordagem: o Ricardo reforçou então seu propósito de estar às 14h30 no cume; para isso levantaríamos às 4h30 para estar na base perto das 6h30; ficou acordado que as duplas seriam totalmente independentes e avançariam conforme seu ritmo, tendo Ricardo como guia nas primeiras 5 cordadas, uma vez que já tinha escalado a via e que essas seriam “à francesa”. Algo nesse desenho me desconfortou, mas não sabia o que... Interpretei como ansiedade e cansaço da caminhada, e das horas dirigindo... Comecei a escalar 7:10, e seguia bem na poeira do Jomi, que era o segundo da dupla, mas, a partir da p3, uma mudança na estratégia da nossa escala acabou por impor distância entre nós e a outra dupla, o que redefiniu nossa escalada. Cabe aqui retomar nossa chegada à base: enquanto nos arrumávamos para começar a escalada, arregalamos os olhos com a força dos ventos que batiam naquela face que iríamos escalar... Mesmo na base era desconfortável. Lembro que eu e o Jomi, quando passávamos pela p1, comentamos preocupados em seguir à francesa, pois as rajadas, além de exercerem força nos nossos corpos, jogavam as cordas de tal forma que nos desestabilizava ainda mais. Por rádio (gritar era inútil), o Jomi propôs ao Ricardo fazer segurança desde a p3. Enquanto o Jomi seguia para a p3, para se reunir com o Ricardo, me ancorei na p2 e pedi para o Morisso seguir na minha segurança. Até aqui tudo bem. Enquanto o Morisso subia fiquei de olho no Jomi que puxou a quarta cordada, vi por onde ele passava e onde protegeu com móveis. Ele tocou direto e assim que a corda esticou o Ricardo resolveu seguir a francesa de modo que quando chegamos na p3 eles já não estavam mais no nosso campo de visão e deveriam estar entre p4 e p5. Aquela situação, não descartada, mas certamente indesejada por mim e pelo Morisso, impôs pressão... Lembro que o Morisso comentou “porra alemão, estamos perdendo os caras, temos que agilizar...” Saí tocando... como tinha observado a cordada do Jomi eu guiei a quarta cordada. Protegi onde o Jomi havia protegido com móvel (perto de um ponta de pedra, bem indicada no croqui)... Até onde havia acompanhado o Jomi, escalei por onde ele escalou, mas na sequência atingi uma área onde o havia perdido do campo de visão e não achei a sequência da via... com a frase “não cair” ecoando na cabeça, fiz o primeiro lance “no escuro” simplesmente seguindo, puxando corda, mas alguma coisa saiu errado com o procedimento de proteções, pois o arrasto era absurdo... não consegui mais prosseguir e por sorte cheguei numa chapa ... Chapa? Mais uma coisa estava errada, pois não deveríamos encontrar chapas naquele trecho! Por rádio pedi para o Morisso subir, mas teria que subir sem minha segurança, pois eu não conseguia recolher corda... Passado um tempo, o Morisso avisou que havia soltado a corda que, por ser dupla, havia tramado numas macegas e além disso os mosquetões de duas proteções, alongadas com fitas, haviam ficado muito próximos e com o movimento das cordas acavalavam, formando involuntariamente um sistema de freio. Com as cordas finalmente liberadas, pude assumir a segurança do Morisso e logo nos agrupamos. Nesse momento, então, “se realizou” o desconforto que havia ocupado minha intuição na noite anterior, quando estávamos preparando nossos equipos: escalaríamos sozinhos! Sabia o tempo todo que esse era o desenho objetivo, mas eu havia projetado um ideal e, pior, acreditava piamente nele! Lembro as vezes que comentei com amigos que iria escalar a Leste e eles comentavam sobre se perder na via, pois os grampos são distantes e a escalada é bem diferente do que estamos acostumados com linhas evidentes: “bom, vamos com o Ricardo, que já escalou e conhece a via ... ah tá, bem melhor assim”! Freud explica. Não sei se essa postura “de me engana que gosto” estava criando condições ideais para encarar o empreendimento, mas o fato é que, em algum lugar entre p4 e p5, estávamos diante do choque de realidade... Nesse ponto, lembro de ter dito para o Morisso “cara, vamos fazer nossa escalada, no nosso ritmo”, “é isso aí alemão”!! Sem a pressão de seguir a dupla Jomi-Ricardo, foi aí que nossa escalada efetivamente começou: daí a diante errar a via não seria mais errar a via, seria escalar tradicional, simplesmente isso! Seguimos bem, administrando uma escalada “errante”. Na primeira chaminé, fizemos a parada para lanche e decidimos tocaríamos até o primeiro ponto de rapel que tivesse acima da chaminé (p.9 ou p10). O Morisso começou a escalar a chaminé, procurando o tal “p” de onde deveríamos “sair por baixo” “Porra alemão, cadê essa porra de “p” e eu sentado olhando para o meu sanduba só dizia “o Ricardo disse que está por aí, mas não muito pra cima” ... o Morisso chovia suor... chegou, enfim, no “p” e dai ficou na minha segurança. Descansou um tempinho e pergunto “e agora alemão?” “Sai por baixo, sai por baixo” “porra alemão, vai tomar no cu”, tem certeza que é por baixo” “sim, tenho certeza, passei aí várias vezes... deixa de frescura, se pendura logo aí... segue aí por baixo e vai encontrar um piton bomba”. Funcionou: o nanico se pendurou em uns cristais e logo achou pé ... fez o contorno da travessia, encontrou o píton... xingou alguma coisa que não entendi... Foi... chegou na parada em disse, “tá na segue alemão” ... Minha vez: a chaminé foi bem tranquila, pois a progressão é facilitada pelos muitos apoios para os pés e mãos... Dá até para sentar e descansar em alguns pontos (bem diferente da segunda chaminé, segundo nos narrou Jomi)... O difícil é soltar a proteção e se largar, indo de segundo, no tal “por baixo do grampo”... a sensação de pêndulo é de esfriar ... Fui recebido pelo Morisso, todo sorisso por ter feito a chaminé. “E agora alemão?” Eu respondi, olhando para cima: “Vamos embora”. Ele: “Pra onde?” “Pra casa” .13h30 Começamos os rapéis. Meses antes fui convencido pelo Jomi que deveríamos ir com duas cordas, caso precisássemos rapelar pela Leste. Foi providencial: emendamos as cordas e tínhamos 60 metros para gerenciar os rapeis. Íamos seguir a linha que escalamos, mas eu tinha ouvido algo sobre seguir a linha da p6 até a p3, o que foi confirmado, por radio, pelo Ricardo que nos disse que se vai da p6 direto para a p3. Obviamente que esse trecho está dividido com grampos exclusivos para rapel. Só que essa “obviedade” ficou fora do nosso foco de concentração e nosso cérebro registrou somente parte da fala do Ricardo “direto da p6 para a p3”. O Morisso foi quem fez esse trecho e disse pelo rádio: “oh alemão, não vejo a parada, vejo só um “p” uns 6 metros para baixo...” “Cara, não pode ser... procura melhor...” O Morisso: “cara estou na ponta da corda e nada de parada...” conversamos e concluimos que era aquele p depois da p 3 e antes da travessia para a direita que leva para a p04. Aí a decisão do Morisso: “cara não vou escalar, nem ascender pela corda; vou ficar aqui num platô, laçado numa ponta de pedra e vou liberar a corda!”. “não cara, isso não”; “mas não tem outro jeito”. Senti a corda livre. Não gostei nem um pouco dessa alternativa, mas era “o que a casa oferecia”. Conversamos então que eu desceria de rapel o máximo possível, que seria a p5. Quando cheguei na p 5, temendo que não tivéssemos corda suficiente optei por ganhar mais uns 4 metros e armei o rapel numa arvorezinha que tinha no platô. Acertamos a linha do rapel passando ao lado de uma parede que é bem quando se esta na p3 ... cheguei onde estava o Morisso sentado feito uma estátua, não mexia nem os olhos... tava rezando. Pedi desculpas pela demora; levei mesmo muito tempo para chegar onde ele estava. Tive mesmo muita dificuldade com o manuseio da corda, pois uma nova variável tinha de ser administrada: como o grau é bem positivo e a pedra muito aderente, a corda não deslizava como de costume... a corda ia rolando e torcendo, rolando e torcedo e duas cordas torcidas quando colocadas uma ao lado da outra se juntam e formam uma única corda... fica “aquilo”!!! Depois de desfeita a maçaroca o negócio foi manter uma corda na mão, soltando aos poucos, separada da outra corda. O resgate do parceiro foi tranquilo. Fomos desescalando para não forçar a ancoragem na arvorezinha. Já com as Lamps ligadas chegamos na P2, na P1 e aí, bom, e aí finalmente a CORDA ENRROSCOU!! Na p1 a conversa ficou engraçada: deixou de existir pronome pessoal, e foi só pronome indefinido: “alguém vai ter que escalar!” “Alguém precisa desenroscar a corda!”; “daí alguém vai ter que encontrar algum ponto de rapel” e nada do “alguém” aparecer... Só apareceu no dia seguinte: como tínhamos corda suficiente para chegar na base, deixamos para retornamos no dia seguinte... E assim foi: descansados, tranqueilos, dia belíssimo, nada de vento; escalei até a p2 e em menos de 10 minutos recuperamos a corda que estava super bem embolada numa fenda. Voltamos...
Posted on: Thu, 10 Oct 2013 13:20:34 +0000

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