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Este texto parece-me imbuído de grande lucidez, e portanto CONCORDO COM A OPINIÃO DE Daniel Oliveira POR ISSO DIVULGO O TEXTO Abaixo: (NOTA: FAÇAM UM FAVOR A VÓS MESMOS E LEIAM ATÉ AO FIM) Daniel Oliveira Brasil: já não chega pão e circo O Brasil assiste às maiores manifestações das últimas décadas. Na rua, milhares de pessoas, sobretudo jovens, contestam as prioridades do governo de Dilma Roussef. O rastilho, se é possível identificá-lo, foi o aumento das tarifas de transportes públicos. E, a partir daí, a contestação à orgia de gastos com a organização do Mundial de Futebol e a indignação com a violência policial. Não deixa de ser perturbante que um país que viveu, nos últimos 15 anos, um autêntico milagre económico e que viu milhões de pessoas passar da pobreza para a classe média mostre este súbito grau de indignação. Como pode um país que vive com péssimos serviços públicos desde sempre, com uma vida urbana insuportável, com índices de criminalidade assustadores e com graus de pobreza indignos acordar repentinamente para velhos problemas quando, apesar de tudo, a sua situação é melhor do que nunca? Como pode o mesmo País que se entusiasmou com a "Tropa de Elite" indignar-se agora com a atuação da polícia militar perante os manifestantes? Como pode um povo que vive soterrado em corrupção espantar-se com as derrapagens na preparação do Mundial de Futebol? Como pode um povo tido como alienado pela bola e o carnaval ganhar tal grau de exigência que pede que o dinheiro vá antes para saúde e educação? Há quem pense que a razão destas manifestações seja o abrandamento do crescimento económico e a evidência de que o governo está, perante esta conjuntura, a fazer as apostas erradas. Parece-me demasiado simplista para a dimensão das manifestações em causa. Na realidade, o crescimento económico e algumas políticas sociais mínimas, mas bem sucedidas, da última década, mudaram a realidade social brasileira. Um país composto por uma pequena elite milionária e uma multidão de miseráveis passou a ter uma pujante classe média. E a classe média é a chave da exigência democrática. Sem a autonomia financeira da burguesia e sem a dependência social dos pobres, sem os privilégios dos ricos e o desespero dos miseráveis, sempre foi ela a linha avançada da defesa do Estado Social, da transparência na política e da democracia. E a classe média brasileira cresceu. Cresceu muito. Com o crescimento da classe média, que é quem se está a manifestar nas grandes cidades, a democracia amadureceu. Ficou mais exigente. O PT já não se pode ficar pela mera distribuição de dinheiro, que o milagre económico permitiu. Nem pode lidar com a contestação como os coroneis e ditadores do passado lidavam com o próprio PT. Os brasileiros estão preparados, porque têm hoje mais formação, informação e ambição, para passar para outra fase: a do desenvolvimento sustentado, a da democracia plena, a de serviços públicos de qualidade, a de um Estado que respeita as liberdades públicas e combate a corrupção, a de uma polícia que se rege pela lei e pelo respeito pelos direitos humanos. E não aceita calado que o mesmo Estado que esbanja dinheiro no Mundial aumente o preço dos transportes públicos. Quer que a riqueza seja canalizada para o futuro e não para os bolsos de milionários e corruptos, os maiores beneficiários de obras faraónicas que deixam pouco para os investimentos que realmente distribuem a riqueza por todos: a saúde, a educação, os transportes e infraestruturas públicas. Aos novos brasileiros já não chegam os subsídios contra a pobreza. Já não chega a bebedeira do Mundial e dos Jogos Olímpicos e a festa do carnaval. Já não chega pão e circo. Já não chega terem dinheiro para comprar carro. Já não chega almoçar e jantar. Já não chega o acesso à educação e à saúde. Querem cidades onde seja possível viver com o mínimo de qualidade. Querem transportes públicos para todos (mesmo que muitos dos que se manifestem não os usem). Querem escolas de qualidade e um serviço de saúde público confiável. Querem uma polícia civil e civilizada. Querem uma classe política decente. Querem, no fundo, um país onde eles próprios tenham lugar. Porque a classe média não pode pagar os serviços privados que os ricos usam nem está disposta a viver como os pobres. Foi sempre a sua posição intermédia que pressionou, em todo os países desenvolvidos, para a criação e crescimento de um verdadeiro Estado Social, de uma Escola Pública de qualidade e de um serviço público de saúde para todos. É por isso que é idiota acreditar que se pode criar um Estado Social apenas para pobres. Nunca tal existiu. Porque aos mais pobres falta a capacidade reivindicativa para o defender. Só a aliança social entre classes médias e classes baixas o pode garantir. Lula conseguiu, no meio de muitos erros e escândalos, dar o primeiro salto. Dilma não está a conseguir dar o segundo e dedica-se a alimentar a velha elite, que sempre viveu bem com a miséria do país, e nova elite "petista", que tomou conta do Estado para proveito próprio. E os brasileiros parecem sentir, quando o tempo das vacas gordas está a chegar ao fim, que ou conseguem agora conquistar um grau de desenvolvimento diferente ou perderão tudo o que conquistaram. O que está a acontecer no Brasil é bom sinal. A nova classe média brasileira quer obrigar o poder político a garantir o futuro de um país onde ela tenha lugar quando houver menos dinheiro. E quer impedir que o dinheiro se esfume em foguetório e bons negócios para uns poucos. Quando olhamos para Europa e vemos o processo inverso, com a destruição da classe média e a degradação da exigência dos povos, percebemos a tragédia que podemos estar a viver. Enquanto turcos e brasileiros exigem o que há dez anos nem lhes passaria pela cabeça, na Europa aceita-se o que há dez anos seria impensável tolerar. Não são, ao contrário do que se tem dito, os custos do Estado Social e dos serviços públicos de qualidade a razão para este recuo. É o aumento da desigualdade, a consequente degradação das condições de vida da classe média europeia e a alteração da correlação de forças sociais que permite este retrocesso político. Assim como é a redução da desigualdade (mesmo que o Brasil nunca tenha conhecido tantos milionários), o consequente crescimento da classe média e a alteração da correlação de forças sociais que permite a maior exigência de turcos e brasileiros. Não é possível conquistar mais democracia sem lutar por uma redistribuição mais igualitária da riqueza, na qual o Estado Social e os serviços públicos desempenham um papel central. Não, a questão não é apenas saber se há mais ou menos dinheiro. O Brasil não teria crescido se não tivesse distribuído um pouco melhor a riqueza e não tivesse criado um mercado interno pujante. E não estaria a exigir transportes públicos decentes e uma gestão transparente dos dinheiros do Estado se não tivesse distribuído o seu dinheiro por uma nova classe média, mais informada e exigente. O nosso Estado Social não está a definhar por falta de dinheiro para o financiar. Está a definhar porque a crescente desigualdade económica na Europa está a enfraquecer a sua principal base de apoio: a classe média. Se permitirmos que este processo continue espera-nos o passado brasileiro. Um passado onde a democracia era uma ficção. Onde a inexistência de uma classe média forte dava às elites e ao Estado que as servia um poder discricionário. É por isso que a luta central é por mais igualdade. A única que garante uma maioria social que trave os abusos, defenda a democracia e exija a dignidade. O Brasil vive um momento fundamental da sua história: ou dá agora o salto ou volta para trás. A Europa vive um momento fundamental da sua história: ou trava agora a queda ou perde o que conquistou. E a chave, nos dois lados, é a classe média. Quem a trata como privilegiada, perante a dificuldade dos pobres, não percebe que está a criar o caldo social e político em que os pobres nunca deixarão de o ser.
Posted on: Sat, 22 Jun 2013 21:17:14 +0000

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