FLORES RARAS Maria das Graças TARGINO 02/10/2013 Ao - TopicsExpress



          

FLORES RARAS Maria das Graças TARGINO 02/10/2013 Ao contrário do alarde que sempre cerca as grandes obras hollywoodianas, uma excelente produção do diretor brasileiro, Bruno Barreto, ”Flores raras”, chega devagarinho, sem muito alarde e sem muitas pompas às salas brasileiras de projeção no segundo semestre de 2013. Classificada como drama, fundamenta-se na biografia de Elizabeth Bishop, uma das maiores poetas norte-americanas de sua época (1911-1979), ganhadora de prêmios e homenagens, entre os quais o Prêmio Pulitzer (1956) e, mais adiante o National Book Award, além de constar como a única mulher, em 1976, a receber o International Neustadt Prize for Literature. Amor. Paixão. Encanto. Desencanto. Encontro. Desencontro. O peso que sufoca relações intensas. O sonho da maternidade. Criatividade. Nostalgia. Imenso sentimento de solidão. Otimismo. Pessimismo. O sonho de um Brasil mais justo em meio à esperança insólita alimentada pelo Golpe Militar de 1964. O cenário e o enredo remetem ao Brasil dos anos 50 e 60. A Bossa Nova explode. Brasília começa a ser idealizada. A história das duas grandes mulheres segue adiante. Tímida, arisca, asmática, aparentemente frágil e presa ao alcoolismo, Elizabeth (vivida pela australiana Miranda Otto) parte de Nova York para o Rio de Janeiro, aos 40 anos, 1951. Pretexto: livrar-se do vício e recuperar a inspiração que se esvai pouco a pouco. O ponto de partida é o reencontro com uma antiga colega de faculdade, Mary (no papel, está Tracy Middendorf) que vive maritalmente com Maria Carlota Costallat de Macedo Soares (1910-1967), cujo papel está sob a responsabilidade da vigorosa Glória Pires. Não demora muito e a premissa que ronda as conversas corriqueiras se confirma: os opostos se atraem. Ao contrário de Elizabeth, Carlota ou Lota é uma mulher voluntariosa, decidida e que sabe exatamente o que deseja da vida. “Despacha” Mary, mas realiza um sonho acalentado por anos pela ex-companheira: uma criança adotada. As três seguem uma vida de rotina – Lota trabalha para Carlos Lacerda como arquiteta. Segundo suas palavras, “nascera arquiteta”, e é com profissionalismo e competência que idealiza e constrói o Parque do Flamengo. Mary dedica-se a casa e à filha. Beth, à sua poesia, acompanhada sistematicamente do uísque, que lhe escraviza pouco a pouco. Sem meias-verdades, a protagonista confessa, ao início e ao fim do filme, sua adesão ao pessimismo e sua possibilidade de enfrentar perdas no caminho da vida. Aprender a perder, segundo a poeta, faz parte da viagem de todos nós. O difícil é aprender a conviver com as perdas. Decerto, trata-se de sentimento que lhe acompanha desde a infância. Aos oito meses, perde o pai. Quatro anos depois, sua mãe segue para um hospício (nunca mais se reencontram) e a criança fica com familiares, primeiro no Canadá e, posteriormente, nos Estados Unidos. Aliás, a história de amor já fora documentado em livro biográfico intitulado na versão brasileira de “Flores raras banalíssimas”, além de dar origem ao monólogo teatral “Um porto para Elizabeth Bishop”. E é exatamente a partir do primeiro verso do poema “A arte de perder” do referido livro que Bruno Barreto tece sua obra. E assim é. Levando consigo alegrias e mágoas, deuses e diabinhos, Beth retorna aos Estados Unidos em 1967 para ministrar aulas. Deixa no caminho Lota em depressão diante do quadro político do país, da perda de seus encargos e da saudade da companheira de 16 anos de convívio. O próximo reencontro lhe traz a verdade: a frágil Beth (carinhosamente Cookie para Lota) já tem novo amor. É quando a fortaleza chamada Lota desaba e se esvai numa tentativa de suicídio silencioso e sem estardalhaços... O filme não exacerba a relação homoafetiva vivida, em grande parte, na suntuosa residência de Lota em Petrópolis em meio à alta sociedade carioca. Trata o tempo todo de uma relação de amor – sem dar muito crédito ao fato de este existir entre mulheres. É um filme terno e denso. Porém, comete um leve “pecadilho”. Confirma o estereótipo de que o artista precisa de inspiração para produzir. Inspiração precisa de álcool, fumo e muito mais. Este muito mais talvez seja a decantada arte de perder: A arte de perder não é nenhum mistério; Tantas coisas contêm em si o acidente De perdê-las, que perder não é nada sério. ...................................................................... A arte de perder não é nenhum mistério. – Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça muito sério! Elizabeth Bishop . Maria das Graças TARGINO é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica
Posted on: Tue, 29 Oct 2013 15:11:40 +0000

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