Faz quase três semanas que dei uma entrevista para um jornal da - TopicsExpress



          

Faz quase três semanas que dei uma entrevista para um jornal da UFES que, não sei por qual motivo, não saiu até hoje. Sendo assim, para não perder o material, reproduzo-o aqui. As perguntas são de autoria dos entrevistadores e as respostas são minhas. 1) Considerando o fato de que a geração dos jovens de 2013 já nasceu sem consciência política, sem aprender, realmente, a respeito do assunto - ao contrário das gerações passadas -, como você vê os protestos e manifestações e sua importância como movimento histórico, social e político? R.: Primeiramente, não acho que toda essa nova geração que está agora por volta dos 20 anos seja despolitizada. Convivo com jovens que são filhos de militantes políticos dos anos 70 e 80 e que apresentam um grau de compreensão bem alto sobre a vida política do país. O que acho é que vivemos nos últimos 24 anos o predomínio da lógica de mercado que levou as pessoas a julgarem que os investimentos em sua carreira e “empregabilidade” seriam determinantes das suas condições de vida, estimulando as pessoas para a competição em vez da cooperação. Nesse sentido, o fato de que essa nova geração esteja agora vindo às ruas em grande número para protestar contra mazelas públicas é muito relevante, pois parece que há uma redescoberta da ação coletiva como forma de transformar a realidade social e política. Isso parece significar também que as pessoas começam a reconhecer que sem um ambiente público, coletivo, adequado as iniciativas individuais correm o risco de serem infrutíferas. Por enquanto as ações estão quase que exclusivamente no plano do protesto, mas creio que elas indicam a possibilidade de que pelo menos uma fração dessa juventude passe a dedicar parte de seu tempo e energia para a construção de soluções para os problemas da sociedade. E apesar do antipartidarismo de grande parte do movimento, essa parcela mais politizada da juventude pode ser de grande importância nesse processo se ela souber respeitar o ritmo dos demais e não tentar reproduzir simplesmente dentro desse novo grupo as orientações de seus partidos ou organizações políticas prévias. 2) Qual é a sua opinião sobre a influência e participação das redes sociais e tecnologias em geral nisso? R.: Elas são muito importantes exatamente porque permitem a criação de espaços para interação que prescindem do lugar e, um pouco menos importante, do tempo. No passado, se um grupo queria se reunir para discutir qualquer assunto ou promover qualquer campanha, precisava se abrigar na sede de algum sindicato ou partido, no salão de alguma igreja ou associação, o que implicava em certa lealdade e compromisso com essas organizações. Os membros do movimento que contavam com o acesso a essa “máquina” naturalmente se tornavam elementos vitais dos movimentos, o que fazia com que os militantes ligados a essas organizações se projetassem com mais facilidade como lideranças desses movimentos. No caso do tempo também há o fato de que as lideranças se tornavam importantes, pois eram aquelas que podiam acompanhar cotidianamente o movimento, participar de um conjunto de reuniões, concentrar e distribuir conforme sua vontade a informação e, assim, organizar os movimentos. A máquina novamente se mostrava relevante, dado o custo de deslocamento para as reuniões, de acesso a telefone e correspondência para a articulação das ações. As TICs promoveram a possibilidade de um descentramento do fluxo de informações que põe em questão, em parte, as funções clássicas da liderança. É possível reunir as pessoas virtualmente numa conversa no facebook, compartilhar informações no twitter, marcar eventos, tudo isso a baixo custo e numa velocidade antes inacessível aos participantes de movimentos sociais. Isso permite também uma participação de pessoas menos conectadas a organizações prévias, como o movimento sindical, os partidos, igrejas ou as associações comunitárias, mas também reduz a importância das empresas, dos governos e, em especial, da grande mídia. 3) Como você vê a organização do movimento, o comportamento das pessoas - inclusive os atos de depredação pública - e da polícia/tropa de choque? R.: A palavra comportamento aí é importante, pois remete a um modo de agir condicionado por um conjunto de forças das quais as pessoas nem sempre estão conscientes. Essa ideia de comportamento se opõe à ideia de ação, que remete a uma maneira de agir em que as pessoas têm clareza de seus motivos e de seus objetivos, calculando as consequências de seus atos e as possíveis reações de outras pessoas que podem interagir com elas ao longo do processo. A forma como essas manifestações têm sido compreendidas caminha para toma-las mais como um comportamento coletivo que como uma ação coletiva. Os discursos que buscam explicar as manifestações remetem a sentimentos como revolta e indignação, tomando os momentos de maior violência como uma explosão, mais ou menos irracional, de raiva das pessoas tendo em vista um conjunto de ações e situações que as ofendem e oprimem em seu dia a dia. Essa linha de raciocínio leva a crer que o movimento não tem objetivos claros e que sua utilidade para as pessoas que dele participam é a de uma catarse coletiva, de um desabafo, de uma válvula de escape para uma pressão que se concentrou além do tolerável. Se for assim, caberia à polícia e às autoridades apenas tentar evitar que essas explosões tragam maiores prejuízos materiais e humanos, e, ao mesmo tempo, evitar que a própria ação da polícia e das autoridades sirva para instigar ainda mais a revolta, que tenderia a se esvaziar na medida mesmo em que a função de catarse do movimento se realiza. Obviamente, cenas de uso excessivo da força por parte da polícia, declarações raivosas ou debochadas de autoridades em relação ao movimento, ou tentativas mais ou menos explícitas de manipulação do mesmo só servem para causar mais indignação e revolta. Mas a outra linha de raciocínio, que considera essas manifestações coletivas como ações, exige que se busque identificar os sujeitos dessas ações, seus objetivos, os recursos de que estes dispõem, e quem são seus aliados. Exige que se pense essas manifestações como um jogo em que às ações de uns correspondem reações de outros atores, conformando uma dinâmica à qual cada sujeito envolvido responde remodelando sua maneira de agir conforme os objetivos que almeja alcançar. Nesse caso, em vez de tomar as depredações como uma explosão mais ou menos irracional motivada pela indignação, deveríamos pensa-la como a ação intencional de um grupo de atores tendo em vista provocar certas reações da parte de outros atores, a saber, a imprensa, os governos, a polícia, os demais participantes do movimento. Obviamente, também as reações desses demais atores (imprensa, governos, polícia etc.), dentro desse modelo de análise, teriam que ser pensadas a partir de seus objetivos, o que explica as guinadas mais ou menos abruptas que pudemos observar na maneira de agir e nas declarações de alguns desses atores ao longo dos últimos dias. Mais uma vez, interessa saber se ação da polícia está servindo como resposta esperada e desejada de grupos que, dessa forma, se aproximam de alcançar seus objetivos ou, pelo contrário, ela está promovendo o fracasso dessas iniciativas e funcionando como desestímulo a novos atos de depredação. Para deixar o viés analítico de lado e fechar com um viés normativo, gostaria de ressaltar que, numa ordem política democrática, o direito à livre manifestação pública e não-violenta deve ser garantido pelas autoridades e pela polícia. Por outro lado, a proteção da segurança das pessoas, do patrimônio público e privado e da ordem legal e constitucional também é obrigação das autoridades e da polícia. Dentro desses limites, as manifestações públicas consistem em um grande bem para as sociedades democráticas, pois servem de canal de expressão para demandas e insatisfações coletivas e desafiam as instituições ao aprimoramento de modo a que se abram canais de participação efetiva da sociedade nas decisões públicas.
Posted on: Tue, 09 Jul 2013 16:31:39 +0000

Trending Topics




© 2015