Filosofia de bêbado É mister que a verdade seja dita e cuspida - TopicsExpress



          

Filosofia de bêbado É mister que a verdade seja dita e cuspida sem piedade ou culpa, porque ela é que define o caráter, a intensidade da honra, da moral e da humanidade do ser. É a verdade que define a história como ela realmente é, dos detalhes à ideia principal, dos povos aos seus líderes, da paz ao caos, é ela quem tira a venda dos nossos olhos para que possamos enxergar quem somos. E uma das maiores verdades do mundo é que não há personagem mais mítico, mais antológico, filosófico e versátil socialmente que o bêbado. Uma das certezas mais profundas da vida é a de que pelo menos um dia de nossas vidas nós ficaremos bêbados. E essa é uma certeza até mais garantida que a perda da virgindade, porém ultimamente essas duas ocasiões estão diretamente ligadas. Mas antes de definir essa certeza é preciso discernir a estrutura psicológica do bêbado. Estar bêbado, ficar bêbado ou ser bêbado? Existem diferenças homéricas entre essas três vertentes da embriagues humana, mas como defini-las? Como diferenciar quem é bêbado, quem fica bêbado ou quem está bêbado. Uma tarefa árdua e de difícil conclusão. Primeiramente deve-se saber que o bêbado, assim como o gordo, ou o gay, ou até mesmo o feio, é um ser universal, existente em todas as classes econômicas, em todos os níveis sócias, em todo o lugar do planeta. Sendo assim admitida a sua existência global (palavra não muito bonita de se usar hoje em dia) admite-se que pra cada lugar em que o bêbado se desenvolve ele adquire certas características próprias da sua área de atuação, mas que não o fazem perder sua essência. Por exemplo, um bêbado brasileiro possui algumas características diferentes do bêbado inglês, mas ambos são bêbados imperdoavelmente. Primeiramente, como definir as pessoas que se dizem estar bêbadas? Aquele que está bêbado é a vertente mais inútil e patética que denigre toda uma estirpe social. Quem se diz “estar” bêbado é aquele que não admite o bêbado como uma condição de vida, ele teme ser taxado de alcoólatra, mas usa o álcool como desculpa para esquecer suas constantes frustrações pessoais. Ele está bêbado sempre sob o escudo de um motivo ou uma desculpa fracassada tais como: uma traição conjugal, perda de dinheiro, briga familiar, desemprego, etc. Mas na verdade ele não admite a própria personalidade, ele não se aceita como um bêbado com medo do preconceito, mas também não se atura sóbrio como um fracassado, ou um reles patético. Literalmente vergonhoso. Esse tipo de pessoa tem uma forte tendência a ser agressiva, pois se repreende constantemente, gerando sérios problemas de saúde. Porém esses tolos não devem ser citados mais que um parágrafo, para que o ego deles não se inflame mais do que o fígado. Uma das coisas difíceis dessa vida é como explicar uma fase transitória. A adolescência é um exemplo fatídico dessa situação. Toda transição é difícil de ser explanada, mas é por meio dela que se define o futuro. É refletindo sobre os resultados tidos nas experiências realizadas durante esse período transitório que pode-se escolher um caminho a ser seguido e descobrir a origem das consequências ocasionadas por essa escolha. Assim definimos então as pessoas que gostam de ficar bêbadas. O “ficar bêbado” é o ponto de decisão entre a sobriedade e a embriaguez, pois pessoas que se enquadram nesse grupo são aquelas que apreciam os efeitos do álcool por pura diversão superficial, mas essa singela busca por diversão proporciona uma reflexão mais profunda na construção da personalidade. Geralmente isso começa na juventude, quando experimentamos o álcool pela primeira vez. Obviamente na primeira vez é sempre desconfortável, estranho e nada prazeroso. Mas o que realmente conta não é o álcool em si, os importantes pontos a serem analisados são o lugar, a situação e as pessoas com quem se está em companhia quando se fica bêbado. Esse é o ponto que se debate. Pois as consequências de se tomar uma garrafa de cachaça na porta de uma escola, após matar aula com os colegas de classe serão muito diferentes ao se tomar uma garrafa de vinho na companhia de uma mulher em um restaurante. Obviamente que após o término das garrafas cada situação terá um final diferenciado. Do mesmo modo que o consumo exacerbado de cerveja em um churrasco comemorativo entre mulheres e homens solteiros não resultará nem de longe em itens com pudor, timidez ou religiosidade. Porém em todas as três situações a diversão é garantida. Mas é óbvio, como uma candidatura petista, que sempre haverá divergências de opiniões e ideias, resultando naturalmente em discussões ligeiramente acaloradas e pequenos desentendimentos. Mas nada que um bom litro de soro, alguns curativos e um pouco de gesso não resolva, porém se esse resultado for constante talvez essa pessoa venha a perceber que a sua busca por diversão não é lá muito saudável. É com base na análise desses fatores e produtos que os seres pertencentes à essa vertente ébria da sociedade decidem se continuam “ficando bêbados” , tornam-se definitivamente bêbados ou distanciam-se do álcool até o fim de suas miseráveis vidas. Agora que rufem tambores e toquem as tubas dos altos dos montes de cana, de uva e de malte, para que entre e seja aplaudido, cambaleante e soluçando, o protagonista das maiores aventuras e desventuras sociais, das histórias mais absurdas, dos contos mais improváveis, simplesmente o sobrevivente de uma espécie, simplesmente o bêbado. O bêbado sem culpa, sem medo, sem compromissos, sem preconceitos, nem vergonha e muito menos arrependimento. Esse personagem único acolhe em seus braços até hoje grandes personalidades e grandes feitos, assim como importantes momentos de nossas vidas também contaram com a participação dessa ilustre figura. Ser bêbado não consiste em apenas um simples estado de embriaguez física, é olhar por um telescópio de ironia para o buraco negro do social. Mas como havia dito a princípio não é fácil defini-lo, pois mesmo o bêbado clássico assumido se divide em algumas categorias, pelo menos aqui no Brasil existe uma quantidade boa dessas vertentes embriagadas. Não tenho conhecimento de todos os tipos, mas vou explanar os mais famosos. Geralmente representado por senhores de meia idade , que tiveram uma vida um pouco mais confortável e com um nível cultural ligeiramente superior,mas que sofreram um grande trauma no decorrer da vida, está sentado no primeiro banco do balcão o bêbado cavalheiro. Sempre bem vestido e de olhar superior, cumprimentando a todos com mesuras e inclinações exageradas, seguidas sempre de comentários decorados e frases feitas, mas que sob as rédeas do álcool recebem uma entonação que se torna agradável a qualquer ouvido. Nunca é o primeiro a chegar e nem o último a sair, não admite grosserias na presença de mulheres, mas é sempre o primeiro a entortar o pescoço ao primeiro rabo de saia que cruzar as portas do recinto onde se encontra. É sempre respeitoso e selecionador com os assuntos em pauta, e sempre em busca de rivalizar com qualquer um pela defesa do seu nível de erudição, sendo em comentários sobre a política local ou citando fragmentos da história decorados em livros antigos. Sempre houve e sempre haverá um tio ou um avô com essas características na família, até porque em nosso país família que não tem uma bêbado não existe. Seguindo pelo balcão do bar na sequência temos o famoso bêbado herói; ah... esse é inesquecível! Quantas e quantas promessas, quantos e quantos feitos, quantas batidas secas no peito de mão aberta e gesticulações infinitas dos seus feitos grandiosos. Salvou um vizinho de infarto, salvou o filho de ser atropelado, pagou a dívida do cunhado, arrumou o carro do sobrinho e não cobrou um só centavo, consertou a máquina de lavar da esposa quando nem mesmo o técnico que ela contratou conseguiu resolver o problema. Todos feitos bradados com um copo em uma mão e a outra a gesticular sem parar, como se não bastasse a simples menção dos seus atos ele tenta, incansável, desenhá-los no ar para que não reste dúvidas da verdade. Este é o tipo de bêbado que está presente em todos os bares, em todas as festas, em todas as rodas de amigos, adoram histórias repetidas e piadas sujas, falam alto não só com a boca, mas com o corpo inteiro, pulando, cantando e agitando os braços conforme o desenrolar do ato heroico realizado. E quando alguém aparece às portas do bar pedindo ajuda para empurrar um carro quebrado, ou se queixando de um assalto ou pedindo auxílio médico ele é o primeiro a saltar de onde estiver, interrompendo qualquer conversa , por mais interessante e calorosa que seja e a e a se prontificar perante o solicitante prometendo tudo o que for necessário para acalmá-lo e que todos os seus problemas serão solucionados, de cabeça erguida e peito aberto, mesmo que ele não consiga fazer absolutamente nada. Escondendo-se atrás do bêbado herói está sempre o bêbado medroso, sempre a reclamar da situação econômica, dos acontecimentos políticos e principalmente da criminalidade. Enquanto o herói desbrava o limite da realidade com seus feitos o medroso replica a cada pausa da conversa se benzendo com o sinal da cruz, ou contando, com uma expressão de horror, outro caso parecido ao recém contado, porém com um fim trágico. Esse é o verdadeiro repórter sensacionalista do boteco, já chega com uma cara de pesar, pedindo uma dose e soltando um suspiro de angústia. Porém nunca começa uma conversa, pois tem medo até de quebrar o silêncio, mas sempre tem, prontas na manga, todas as notícias trágicas da cidade: os últimos acidentes, os últimos assaltos, as últimas brigas e , obviamente, o obituário do dia na ponta da língua. Cita todos os mortos como se fossem íntimos, descreve com detalhes esmiuçados a causa da morte de cada um, falando baixo e sem encarar as pessoas, mas sempre de uma maneira exagerada que faz com que seus "colegas de cana" prestem atenção, silenciosos, enquanto ele fala. Lógico que sempre o término do relato resulta em anedotas e gracejos, mas sempre de maneira respeitosa, afinal ele é um membro importante do grupo. Não obrigatoriamente, mas na maioria dos casos, esse tipo de bêbado tende a ser hipocondríaco, sempre se achando próximo da morte, queixando-se de uma dor ali ou de uma gripe aqui, lembrando-se de pessoas que sofriam de males parecidos e que morreram por isso. Adoram citar santos e frases bíblicas enquanto dissertam seus pavores, estremecendo e arregalando os olhos buscando sempre o exagero para defender seus medos. Essas pessoas não são lá motivo de muito orgulho, mas são de extrema necessidade em um bar, pois são motivo de muitas risadas. Seguindo pela linha sinuosa do balcão logo vemos, agarrado com força em seu copo e bebericando de cenho fechado, o bêbado mal humorado, o rabugento. Sempre a olhar para seus colegas com uma sobrancelha levantada ironicamente, como a tentar convencer de que não acredita em nada que está sendo dito. A cerveja nunca está gelada o suficiente, sempre está calor demais, tudo está muito caro, nada funciona, o carro está sempre com defeito, fulano é um caloteiro, sicrano é mentiroso, o filho é um vagabundo, a mulher uma sanguessuga, a sogra é uma cruz, os vizinhos são uns arruaceiros, ninguém do time joga direito, e por aí segue uma lista de reclamações constantes, repetitivas, mas que já fazem parte do cotidiano. Da sua boca só saem respostas sarcásticas e piadas satíricas, apelida constantemente os amigos, pois tem um olho clínico para os defeitos alheios. Nunca dá um elogio, nunca ri de uma piada, não gosta de nada que faz, mas se acostumou a tal ponto com a rotina que já desistiu há muito de muda-la. Chega ao ponto de emprestar dinheiro só para ter um motivo para reclamar de alguém. Geralmente tende a ser brigão, mas sem o objetivo de prosseguir com uma rixa, gosta de criar só um caos momentâneo quando sente que o assunto está fugindo da sua alçada. Mas todas as suas reclamações e réplicas soam tão naturais aos amigos de copo, que estes nem se quer se abalam com o que foi dito, simplesmente apagam da memória com o próximo gole. Na outra ponta do balcão, com um riso manso no canto da boca, está o melhor de todos: o mentiroso. Não existe na face da Terra um agrupamento de bêbados em que não haja um bom e velho “contador de causos”. Esse é formidável do começo ao fim, pois consegue encaixar em cada assunto iniciado por seus colegas um fato acontecido, presenciado ou protagonizado por ele, que chega a atravessar várias vezes a fronteira do absurdo, mas que ele jura de mão no peito ser a mais pura verdade. Histórias das mais diversas formas pulam da boca dessa ébria figura com uma versatilidade extrema, contos ocorridos em lugares que ele nunca poderia ter ido, com pessoas que ele jamais teria conhecido; coisas que desafiam todas as leis da física e da matemática, mas que são contadas com uma naturalidade tão absurda que o ouvinte fica em dúvida se o próprio narrador acredita realmente nos bizarrices que diz. Esse tipo de bêbado sempre tem um bordão, uma frase própria que eles citam quando começam uma de suas histórias, ou até mesmo no meio delas. Gesticulam calmamente entre goladas e brindes, olhando pausadamente de ouvinte para ouvinte, não gaguejam nem hesitam, estão sempre prontos a engatilhar seus contos no mais repentino momento. E quando são questionados sobre a realidade do que dizem nem se dão ao trabalho de tentar explicar, simplesmente dão de ombros e dizem friamente para o interlocutor que não se interessa nem um pouco em que ele acreditava ou deixa de acreditar. Essa é a verdadeira essência do bêbado contador de causos, para ele não interessa nem um pouco se as pessoas acreditam ou não no que ele fala, ele se contenta apenas em ser ouvido até o fim, e que a sua habilidade criativa de costurar uma história em qualquer conversa jogada na mesa por seus amigos possa ser praticada sem receios, em todos os encontros de copos cheios e vazios, afinal é preferível ouvir muito mais uma mentira bem contada e divertida de um bom mentiroso, do que a verdade tediosa de um besta. Sempre interrompendo a conversa chega o bêbado pai de família, como sempre abarrotado de sacolas. Como nunca esquece seu papel de chefe de família sempre vai ao mercado antes de ir ao bar com os amigos, trazendo debaixo do braço o saco de pão, o litro de leite, um saco de batatas e tomates e o pedaço de carne para a mulher cozinhar logo mais no jantar. Debaixo do outro braço está dobrado o caderno de esportes do jornal local que ele coloca cuidadosamente sobre o balcão enquanto pede uma dose para tomar com os amigos, três barras de chocolate, um pra cada filho, e duas garrafas de cerveja que ele leva para beber em casa durante o jogo. É sempre o mais gordo e o mais preguiçoso, mas sempre tem o cuidado de sentar o mais distante da porta possível, para que caso a esposa passe em frente ao bar não possa vê-lo bebendo largos goles de cachaça (como se ela não descobrisse depois pelo seu hálito mal disfarçado por uma bala de hortelã barata). Geralmente quando a esposa aparece para chama-lo ela traz junto o filho caçula, que corre para o velho esperançoso pelo doce. Tentando disfarçar o medo que sente da mulher ele se desespera com as sacolas e corre para a porta entregando-as, replicando desculpas e dizendo que já está indo embora. Enquanto a esposa vai embora e se distancia da porta do bar ele rapidamente corre para o balcão paga a conta e já pede a saideira, que obviamente é tomada num sorvo só, e logo sai apressado e tropeçando nos chinelos, acompanhado das piadas e risadas dos companheiros. Muitos reconhecerão nesse último seus próprios pais, alguns até a si mesmos. Todos eles são verdadeiros e autênticos bêbados, que honram esse gênero social, essa vertente da raça humana, essa trupe de malucos que sabem tornar a vida menos tediosa. Tenho certeza que todos nós conhecemos alguém que se encaixa perfeitamente em pelo menos em uma dessas definições, ou então nos reconhecemos em algumas delas. Existem outros tipos, é claro, mas esses são os mais famosos e os mais divertidos. Para cada um deles é possível visualizar um amigo diferente, um parente diferente, que muitas vezes são tão queridos quantos bêbados. Um brinde a todos eles! Luiz Gustavo de Oliveira
Posted on: Tue, 16 Jul 2013 08:44:38 +0000

Recently Viewed Topics




© 2015