Hiroshima Komyo - 2549 a.B. (Agosto de 2005) Revisado em - TopicsExpress



          

Hiroshima Komyo - 2549 a.B. (Agosto de 2005) Revisado em 2010 "Pensem nas crianças mudas, telepáticas" Sou um grande admirador da História. História antiga, moderna, não importa; sempre estou interessado em saber mais dos atos humanos. Ainda pertenço à classe de estudiosos que confiam no exercício da memória contemplativa, prática que sustenta a possibilidade de manter vívidas em nossas consciências as importantes lições antigas e ao mesmo tempo evitar a atração fatal das sereias do passado, desejosas de nos manter presos ao Antes. Infelizmente, a história humana é feita tanto pelas ações inspiradoras de sábios quanto pelas aterrorizantes crueldades dos ignorantes, e assim temos de aprender com ambas. Ainda que muitas vezes a interpretação equivocada da natureza da história leve pessoas a achar que o movimento histórico é dissociado da realidade, na verdade a história acontece a todo o tempo. Ela não é um termo acadêmico, não pertence aos museus ou às enciclopédias. A história é feita no momento presente e, portanto, não pode ser captada pelos sentidos comuns e banais, embotados de tantos anseios e projeções. Raramente temos consciência da história ocorrendo no presente, consolidando situações, aprofundando consequências. Ocasionalmente um ato reverbera no tempo, ultrapassa o momento. Torna-se uma força simbólica tão grande que sua sombra se estende pelos séculos. Hiroshima é assim, um marco trágico. Não é uma vitória, não é uma derrota. É uma tragédia, uma ferida calcinante, aberta no espírito humano. Auschwitz, Hiroshima, Nova York, Darfur: lugares onde a história foi dilacerada pelas consequências da falta de consciência e discernimento. Um desses dias eu assisti um documentário sobre Hiroshima. Nada de novo: uma abordagem jornalística aqui, imagens marcantes ou dolorosas ali; entrevista com os tripulantes do bombardeiro americano, depoimento das vítimas sobreviventes. As imagens são pungentes, os relatos tristes, mas nada me atinge mais do que os olhares das crianças, aquelas imagens de meninos e meninas lançadas em um inferno insano de dor. Lembro-me de uma cena. Uma imagem da época, um médico examinava uma criancinha já quase sem cabelos, atingida pela contaminação radioativa. Uma criança muda, quieta, olhando o médico em suave condescendência. Fiquei ali, vendo o olhar suave de uma criança sem nada a dizer. Como é triste ver o sofrimento nos olhares das crianças. Homens, mulheres e idosos também morreram lá, sofreram muito e merecem nosso respeito. Mas para mim o sofrimento mais difícil de lidar é o de uma criança. É um sofrimento completamente perdido, inocente. Ela nos olha sem saber absolutamente nada sobre os motivos que subitamente tornaram a sua vida – suas brincadeiras, seus sonhos – em ruínas. Ela nem mesmo é capaz de medir a extensão do que ocorre, apenas espera. E chora. Provavelmente já chorou desesperadamente antes, e agora chora baixinho, sabendo que o choro não vai afastar o sentimento de perda. Eis outra estória: Sadako Sasaki era uma menina de dois anos quando a bomba explodiu. Ela sobreviveu à explosão, cresceu e se tornou uma menina atlética, que gostava de correr. Um dia, aos onze anos, quando disputava uma corrida sentiu-se tonta. No hospital foi diagnosticada leucemia, consequência da radioatividade. Um amigo seu lhe disse que havia uma lenda, onde se afirmava que se alguém pudesse fazer mil origamis de papel do Orizuru (o Grou Branco ou a Garça Branca, símbolo da paz) os deuses iriam lhe conceder um desejo. Querendo obter a dádiva e assim pedir para ficar curada, ela passou quatorze meses de hospitalização fazendo os pássaros de papel, utilizava os rótulos das garrafas de água que consumia e todo papel disponível. Ela conseguiu fazer 1300 Orizurus antes de morrer aos doze anos. A humanidade perde tudo quando uma única criança morre devido aos atos incoerentes dos homens. "Pensem nas meninas cegas, inexatas." O que acontece com a mente humana? Por que as decisões corajosas e cruciais, que poderiam evitar muito sofrimento, jamais são tomadas? Em Hiroshima, vemos mais uma vez agir o mecanismo da ignorância perceptiva atuando em seu grau mais absurdo e doentio. Naquela guerra, terrível guerra mundial, atrocidades inomináveis já haviam sido cometidas; diante de um mundo onde os homens viviam a inglória tolice das exacerbações patrióticas, jovens soldados tiravam vidas e perdiam suas próprias acreditando em uma ilusão. Arrisco-me a abusar de meu direito a críticas, mas o fundamento principal da perpetuação da dor nas sociedades mundiais está nesta tola delusão chamada "pátria". O discurso patriótico (aqueles arroubos ufanistas que divinizam uma simples convenção política) não tem fundamento real. Nele encontramos vários conceitos insalubres ao extremo: encontramos o louvor ao orgulho, o incentivo às diferenças, a elegia da territorialidade. Em uma época qualquer no passado os homens aprenderam - para sua própria miséria - a diferenciar, dividir e conquistar. Criaram-se clãs, forjaram-se reinos, assentaram-se comunidades zelosas de si mesmas. A partir deste momento na história, foi sendo forjada a delusão de que amor pode (e deve) ser confundido com orgulho, que herança é o mesmo que louvor xenofóbico aos nossos laços grupais em detrimento dos laços grupais de outros. Não há uma única guerra humana que não tenha acontecido devido à noção de pátria – de uma maneira ou de outra. Em sua etimologia, esta simples palavra representa o lugar onde nascemos, a terra de nossos pais, a cultura a qual pertencemos, a região onde crescemos. Ela em si não chama ninguém para a guerra, não pede que se tenha orgulho tolo pela nossa herança; ela não define o desprezo ao que é estrangeiro, não determina a criação fictícia de fronteiras. Mas tudo isso a ela é atribuído. Terrível lástima que os homens sejam patriotas e não fraternos, que saibam reconhecer sem orgulho mas com amor seus laços e sua herança, sabendo unir em vez de separar. Ali, em Hiroshima, a cultura espúria de pátrias orgulhosas chegou ao cúmulo de sua expressão destruidora. Naquela manhã de 1945, mais uma vez vimos como a capacidade de fazer a paz correta é pífia, pobre, entre militares e estadistas patriotas. Em meio a isso, meninas sonhadoras e meninos soldados morrem e matam. Os jovens foram os artífices e as vítimas naquela manhã de seis de agosto. "Pensem nas mulheres rotas alteradas," Quando a bomba explodiu, cerca de duas mil vidas volatilizaram nos primeiros dois segundos. Oitenta mil morreram imediatamente depois. Cento e quarenta mil morreram no total, ao final de 1945. Quarenta mil crianças pereceram em Hiroshima. Mulheres tiveram sua fertilidade infectada pela radiação, uma geração de crianças alteradas se formou. Não há paz e justiça através da violência. Somente as culturas (e pessoas) orgulhosas e territorialistas imaginam que as ações de guerra, terrorismo, crimes e extermínio podem levar a alguma justiça ou à redenção de atrocidades anteriores. O que a violência faz é criar dores infinitas, e um amargo desespero. Neste momento, devemos saber praticar para que nossas mentes possam encontrar a saída para o sofrimento. É urgente que todos nós aprendamos a lição da guerra: os motivos que levam o Homem a destruir a si mesmo e ao mundo estão todos centrados na falta de consciência, na completa insalubridade perceptiva da mente. Em meio à violência, os homens e mulheres se perdem em opiniões e idéias absurdas, vaidosas, insensíveis. E assim os atos cruéis são feitos, e o ciclo de sofrimento se mantém. Temos que nos curar da doença da incompreensão. Para isso, precisamos aprender a ver o que é concordante e construtivo, e valorizar esses aspectos cada vez mais em nós mesmos e nos outros. "Pensem nas feridas como rosas cálidas." Quando aprendemos a construir a compreensão em nossas mentes, aprendemos também a viver em paz. A paz é um processo sutil, mas completamente alcançável; ela começa nos nossos atos mais comuns e banais, e não em realizações grandiosas. Os homens profundamente ignorantes que conduzem o mundo a viver as atrocidades da guerra, hoje e no passado, foram artífices de grande carnificina não devido a políticas, culturas ou religiões; eles são destruidores porque em sua intimidade, no recesso mais escondido de suas vidas cotidianas, são pessoas mergulhadas em falta de consciência e sem nenhuma liberdade mental. Em sua intimidade, são indiferentes e esquecidos das belezas comuns da vida. Vivem um modelo de existência orgulhoso, e seu pretenso amor a família ou ao país não passa de apego às suas próprias ideias doentias, distorcidas pela ignorância. Isso é um grande e terrível erro. As mentes humanas frequentemente são incapazes de reconhecer o quanto estão equivocadas em suas concepções sobre certo e errado. E ao não enxergar estas distinções, os homens e mulheres provocam feridas terríveis em seus semelhantes, magoam e desprezam, torturam e matam. É extremamente necessário que saibamos superar a barreira da ignorância e estabeleçamos uma prática de vida realmente consciente e atenta, não apenas nos discursos poéticos ou sociais, mas - e principalmente - na nossa mais comum intimidade. "Mas, oh, não se esqueçam da rosa, da rosa!" Por que relembrar? Qual a função – qual o sentido – da ação de recordar? Relembramos porque é preciso fazer frente à indiferença. Relembramos porque a tragédia de Hiroshima deve ser encarada em sua correta perspectiva: a de representar todo o sofrimento insano, a extrema loucura da guerra, da ação violenta fundamentada na justificativa hipócrita de alcançar a paz e a justiça através da força. Quando a civilização mergulha em um conflito insano, todos sofrem, sem distinção. Hiroshima é um nome que simboliza, propriamente, "nunca mais". "Da rosa de Hiroshima, a rosa hereditária". Somos os nossos atos. Um só ato, uma simples ação, reverbera pelo tempo e atinge todas as coisas. A herança de Hiroshima é a herança da insanidade humana. O discurso humano que impôs a bomba sobre as almas daquelas mulheres, crianças e homens é o discurso repetitivo das justificativas hipócritas e patrióticas. Afaste-se da hipocrisia, aprenda a ser cidadão do mundo. Reconheça a humanidade em cada pessoa, independentemente de sua língua, e seja qual for a distância que exista entre vocês. "A rosa radioativa, estúpida e inválida". As mentes que decidiram, planejaram e realizaram aquele ato tão injusto eram mentes poluídas pelo medo, ódio e pelo erro. Eram mentes convictas, fanáticas e completamente perdidas. E elas estavam dos dois lados daquela guerra. Elas sempre estão nos dois lados de qualquer conflito. Eram mentes esquecidas de si mesmas, e que devido a este profundo esquecimento lançaram a morte sobre pessoas desconhecidas. Eram soldados, políticos e burocratas americanos e japoneses que por ignorância achavam estar realmente lutando contra um "inimigo" externo, alienígena, diferente, quando o real inimigo esteve sempre em suas próprias mentes. Nas ações de morte, todos os lados são iguais. A grande ironia das guerras é que os seus criadores e fomentadores, não importa de qual parte, se irmanam na convicção de que estão absolutamente certos. E assim lá vão eles, jogando bombas aqui, explodindo construções e pessoas ali, imaginando que suas ações se justificam pela retribuição de crimes anteriores. O rastro destes homens é feito de grande erro, um erro monumental, que em certos momentos parece engolir tudo o que há de bom na humanidade. Mas tudo isso é falso, uma grande armadilha; a bondade existente nos corações humanos é maior do que a estupidez enraizada nos espíritos daqueles que estão perdidos em si mesmos. Basta que saibamos praticar a profunda contemplação, e perseverar no exercício da coerência e do discernimento. “A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica". Quando Hiroshima aconteceu na história, quando esta cidade ficou marcada a fogo como símbolo do que há de mais terrível na mente humana, a lição mais pungente deixava em seus rastros é que nada justifica a morte deliberada de nossos semelhantes. A bomba de Hiroshima tornou-se a antítese de tudo o que é valioso para o coração humano, mas ao mesmo tempo contribuiu para fazer com que os homens e mulheres amadurecidos e conscientes aprendam a reconhecer a importância até mesmo de uma simples flor iluminada em uma manhã qualquer. Ou um pequeno origami feito com amor por mãos anônimas. Qualquer dia é sempre um bom dia para viver. "Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada". O rastro da inconsciência é um vasto oceano de ilusões lamentáveis. Quando sucumbimos aos venenos da mente e nos deixamos levar por uma concepção de mundo egoísta, caímos no mais escuro vazio de sentido e valores saudáveis. Tornamo-nos banais, pequenos, destituídos de coerência, incapazes de viver bem. As almas insensatas constroem desta forma um mundo falso, cheio de ódio e indiferença. Essas pessoas podem provocar muito sofrimento, mas ao final elas jamais permanecem. Não há como o ódio se manter; invariavelmente a capacidade vital do coração humano em valorizar o afeto e a fraternidade irá prevalecer, a despeito das perdas, apesar do nada. Pratique a paz. Poesia: "A Rosa de Hiroshima" Vinícius de Moraes
Posted on: Tue, 06 Aug 2013 19:12:08 +0000

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