LEMBRANÇAS DE MINHA TERRA - CAPÍTULO XLIX "... Meu Deus, que - TopicsExpress



          

LEMBRANÇAS DE MINHA TERRA - CAPÍTULO XLIX "... Meu Deus, que saudade da Amélia..." (Mário Lago) A saudade que tenho de algumas pessoas é interessante. De umas tenho saudade pelo bom coração, outras pela espontaneidade, algumas pelas peripécias, outras pela amizade e outras nem sei identificar o sentimento. Ou pelo sofrimento ou pela alegria, pela insensatez ou pela cordialidade. Importante é que tenho muitas saudades de certas pessoas, umas amigas outras nem tanto. As pessoas não passam impunemente pela minha vida, ao contrário deixam registro indelével. Quem reside ou residiu em Itauçu saberá do que estou falando. Quem conviveu comigo, ainda que por pequeno lapso de tempo, também saberá. Sentimentalismo? Pode ser! Entretanto entendo que as pessoas fazem parte das nossas vidas, algumas sem nenhum convite, e por isso mesmo temos que resgatá-las em nossa memória. Como não ter saudades da Amelhona, cambaleando de bêbada pelas ruas, com seus cabelos enfeitados de flores dos campos? Teria feito mal a alguém, a não ser a ela mesma? Não creio. A Amelhona era a síntese da pobreza e da ingenuidade, comportamento lúdico e cruel. Incapaz de enfrentar seus problemas, saía às ruas, bebendo todas e sendo abastecidade pela atrocidade humana que lhe oferecia mais uma branquinha, em troco de "arribar a saia e deixar a renda aparecer". E olha que às vezes nada tinha por baixo... Amelhona que cantava suas músicas e dançava como bailarina ensandecida pelas ruas... Mais uma dose e agora era "stripper" na passarela e as mães retiravam as crianças para não verem a cena. Amelhona que transferia a todos o ideal de liberdade e tragicômica moldava sua vida vazia. Fazia o que as outras mulheres não tinham coragem: enfrentava a sociedade fria que preferia pagar mais uma pinguinha, do que assumir a culpa por uma vida bestial. Qual seu nome? Não sei, eu a conheci como Amelhona, talvez apenas mais uma Amélia para figurar na música do saudoso Mário Lago. Sei que tinha filhos e sei também que esses filhos, por certo, a esperavam em casa. Vivia sem máscaras, ostentando a cara para a multidão, sem disfarces. Na cabeça uma coroa de flores composta de margaridas, cravos e hortências. Enfeitava-se para um espetáculo dantesco, movido a álcool, sem temor ou impaciência. Girava em seu solo de bailarina infatigável. Às vezes tinha por companhia outra bailarina, também uma bêbada, aos olhos das donas de casa, aos olhos das famílias. Rebelde? Talvez fosse. Ridícula? Com certeza. Mais ridículo ainda eram os homens que "pagavam" pela dança infernal... Na minha mente ela surge sempre como uma mulher brincalhona, feliz e empolgante, que pagava um triste preço por ser pobre, inclusive de espírito. Não sei seu nome, não me recordo de sua família, deve ter falecido há anos mas nada sei de sua vida. Pessoas que passam pelas nossas vidas, como o vento que não sabemos de onde vem nem para onde vai. Ficam marcadas, como ela ficou. Umas marcadas pela vida ou pela dor. Ela ficou marcada, para mim, não pelos seus atos inconsequentes, mas pela beleza como dançava, pela sua cabeça coroada de flores e por ser um ser humano imperfeito, como eu também sou. Repousa nos céus, talvez dançando entre nuvens ou quem sabe descansando suavemente entre legiões de anjos. Era uma inocente, incompreendida, maltratada, confusa, desordeira, mas era bailarina, com toda a pompa. Quem se lembrar dela e de seu nome faça o registro, a fim de que possamos resgatar a memória de uma pessoa comum, que era incomum. Acima de tudo, um ser humano!
Posted on: Thu, 27 Jun 2013 23:09:10 +0000

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