MANTER A DILMA? SOBRE UM RECENTE ARTIGO DE LEONARDO BOFF. SEUS - TopicsExpress



          

MANTER A DILMA? SOBRE UM RECENTE ARTIGO DE LEONARDO BOFF. SEUS EQUÍVOCOS; SUAS INCONGRUÊNCIAS. Esse escrito é uma resposta à provocação (num bom sentido) que me fez o também professor e advogado Wellington Lopes. Seu objeto: um texto publicado por Leonardo Boff, autoproclamado Teólogo e Escritor, no qual ele convoca a esquerda em geral a se unir em torno do Governo de Dilma Roussef, assegurando o seu bom termo, sob pena de, não o fazendo, permitir-se o retorno da direita ao poder, com o sacrifício de todos os avanços sociais que dez anos de PT no poder teriam produzido na vida de milhões de brasileiros. Gosto do bom debate. A troca de ideias me compraz deveras; nela, permito-me o exercício das dissonâncias e consonâncias que ora afastam, ora aproximam meus interlocutores de mim. O ambiente, todavia, nem sempre tem sido propício àqueles que como eu exercitam o prazeroso hábito de divergirem com uma relativa maioria de intelectuais cujas falas repetem, em mantra, palavras, expressões, ideias de um tipo peculiar, que eu designo como esquerdistas. O que há de esquerdismo nas manifestações de nossa Intelligentzia tout court? Algo que nós poderíamos identificar dentro de uma mundivisão marcada pelas seguintes características: a) a ideia de que é possível, dadas certas circunstâncias, a remoção de todo e qualquer mal que aflija o nosso mundo, livrando-o de toda dor e sofrimento que o acometam; b) a percepção de que há uma enorme dívida de cada um dos que habitam a sociedade para com ela mesma, máxime para com os seus desvalidos, os seus pobres e os seus doentes, cujo desvalor, pobreza e doença são causados pelos bem-afortunados materialmente, em cima de quem a maior parcela do preço do resgate recairá, inexoravelmente; c) a aposta de que através do Estado se poderá criar aquele mundo melhor, confiando-lhe a tarefa de cobrador daqueles a quem a roda da fortuna tiver reservado uma vida menos sofrida do que a de seus consociados; d) a certeza de que para atingir aqueles sublimes e desejáveis objetivos, pouco importam os meios de que se valerá, ainda que eles impliquem danos a coisas ou pessoas, cujo morticínio estará, de logo, justificado, porquanto, como pressupõe todo e qualquer processo dialético, dos acontecimentos negativos, do mal, sempre advirá algo de positivo, com que se poderá reconstruir a realidade há pouco destruída. O artigo de Leonardo Boff não deixa de ser uma grande oportunidade para que possamos explorar o ideário esquerdista e a forma como aqueles que o partilham pensam e agem na busca de seus objetivos. Dada a sua extensão, terei de transcrever alguns de seus trechos, para, com base neles, demonstrar as aporias, as contradições, que marcam o seu conteúdo. 1. Como primeiro ponto a destacar está a delimitação da oposição ideal, daquela agremiação política, conjunto de pessoas e ideias com quem a esquerda em geral, e Leonardo Boff em particular, aceitam debater. Notem bem, quando fala "da direita", o articulista inclui, dentro desse espectro político, apenas o PSDB. Isso fica claro quando ele se refere ao fato de que essa direita "sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade privada (patrimonialismo)", de sorte que, agora, com esse movimento nas ruas, essa direita teria uma estratégia, que seria "fazer sangrar mais e mais a Presidenta Dilma e desmoralizar o PT", para, assim, "criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam". Note-se que a escolha do opositor com quem estabeleça as bases de uma certa divergência tem sido a conduta pela qual têm optado intelectuais e políticos de esquerda no Brasil. Quando se fala em oposição, grita-se PSDB, ainda que este partido tenha, como um dos fundamentos que levaram à sua constituição, o reconhecimento de uma dívida social a ser resgatada a partir da Constituição de 1988 e o trabalho incessante a se realizar com vistas ao seu desaparecimento, ou seja, com políticas sociais distributivistas, a custa de altos impostos arrecadados das classes média e alta. Não se trata de um erro de diagnóstico, como à primeira vista esse procedimento poderia sugerir. Tudo é de caso pensado (e, em se tratando da esquerda, as técnicas de manipulação e engodo públicos se vêm aperfeiçoando há mais de um século). Talvez a militância analfabeta ou semialfabetizada, acredite, realmente, que o PSDB é um poço de direitismo, prenhe de advogados da economia de livre mercado ou capitalista. Mas, quem conhece, a fundo, os meandros a Política, bem sabe que tucanos e petistas vêm aplicando em nosso País o receituário socialdemocrata (dentro do espetro do que se pode denominar esquerda "lato sensu"), como antecedente lógico ao socialismo ou comunismo. Para a esquerda, escolher uma oposição desejável significa, sobretudo, pautar as discussões dentro de um espaço desde já conhecido e delimitado, sem precisar recorrer a processos de justificação de premissas ou postulados (algo necessário quando um esquerdista debate com um liberal-conservador), já que, estando ambos os contendores dividindo-os (premissas e postulados), mas divergindo em questões pontuais, o trabalho intelectual será muito mais simples, permitindo, de outro lado, o alcance de sínteses dialéticas cada vez mais revolucionárias. 2. "Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT", prossegue Boff, "por outro, não podemos ingenuamente permitir que as transformações políticos-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras", conclui. Ora, duas principais críticas se podem fazer ao projeto socialista do Partido dos Trabalhadores. Primeira: a ruptura da aura ética que alguns de seus próceres apresentavam nos idos da década de 1990. Eram, por assim dizer, a palmatória do mundo. Censuravam a Deus e ao mundo, encontrando sempre a imprensa amiga a assegurar-lhes microfones e câmeras e horário nobre televisivo ou capas de jornais e revistas. Com o processo do mensalão, quem ainda não acreditava na debacle moral do partido pelego certificou-se que todo aquele discurso em prol dos bons costumes na política era para inglês ver. No íntimo, um petista era tão ou mais capaz de urdir um plano de compra de consciências e votos para assegurar à sua agremiação política a permanência irrestrita no poder, do que qualquer outro político “da direita”. Talvez seja essa a “transformação política” a que Leonardo Boff estivesse se referindo, a merecer as suas críticas (construtivas, como ressalta o seu texto). Segunda: a socialdemocracia iniciada com a administração federal tucana, e aprofundada com o PT, instilou em nosso povo mais humilde um desejo de dependência por verbas públicas cujo exemplo mais representativo é o bolsa-família. As bases de uma economia baseada na liberdade de iniciativa, tal qual inscrita em nossa Constituição Federal de 1988 foram ruídas até não sobrar quase nada. Aí está a “transformação social” que estaria ameaçada por um partido de direita que eventualmente ascendesse ao poder. O problema quanto a uma das premissas de que parte o Sr. Boff é, justamente, que não há risco de tais “transformações sociais” se desmoralizarem. Elas já são, em si mesmas, amorais. O opróbrio recebido pelas camadas mais humildes da população se dá a partir de um preço bastante expressivo: a perda da autonomia, da liberdade de realizar escolhas, máxime as políticas. Como rejeitar a mão que nos afaga? Somente os cínicos ou os cretinos não veem em programas como o bolsa-família um processo escancarado de compra de votos; de alienação da consciência de amplos extratos da população em favor de um projeto escuso de poder. 3. Para o articulista, haveria um desejo secreto da direita de colocar o povo que agora reclama por reformas “no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento”. Bem, o que de significativo tem o PT mostrar após dez anos de poder? Depois de se apropriar de quantidades expressivas de recursos públicos na forma de tributos exigidos de uma pequena parcela da população; depois de criar os mais variados entraves à atividade empresária/empreendedora em nosso País, através de uma carga tributária escorchante, de encargos trabalhistas que impedem uma competição igualitária com os players do comércio internacional, de toda uma burocracia que embaraça o escoamento da produção, a importação ou a exportação de produtos; depois de contar com todo o apoio político desejável no Congresso Nacional, cuja docilidade para com a mandatária de plantão não encontrava, até bem pouco tempo, paralelo na história recente do Brasil; depois, enfim, de prometer mundos e fundos, o que o PT nos legou: um País notoriamente mais violento (cerca de 50 mil homicídios anuais), um IDH equivalente ao de países africanos, uma educação aos frangalhos, uma economia com crescimento ridículo, um consumo de drogas em níveis endêmicos, um aprofundamento do fisiologismo político, o aparelhamento do Estado com militantes incompetentes, para dizer o mínimo. 4. A pretensão dessa direita, de “colocar o povo em seu lugar”, como diz o escritor, estaria ligada – e aqui o argumento é, realmente, risível – à derrocada no socialismo econômico em 1989. Segundo Leonardo Boff, tanto o Presidente Reagan, como a então Primeira Ministra da Inglaterra Margareth Thatcher, teriam inaugurado “uma campanha mundial de desmoralização do Estado, tido como ineficiente e da política como empecilho aos negócios das grandes corporações globalizadas e à lógica da acumulação capitalista”. Bem, as noções de um Estado contido podem ser reconduzidas a muito antes da década de 1980. Já em John Locke vimos o desenho de um Estado Liberal, que à diferença do Estado Leviatã propugnado por Thomas Hobbes, respeitava os direitos naturais do homem, ou seja, a sua vida, a sua liberdade e a sua propriedade. Reagan e Thatcher eram políticos conservadores, e disso não há a mínima dúvida. Mas o ataque a um estado gigante e interventor não se inicia com eles, nem com eles se esgota. Hoje, liberais, libertários, conservadores, anarquistas, cada um a seu modo, não reconhece, no Estado, autoridade para restringir liberdades, manietar propriedades, dispor de vidas de quem quer que seja. A privatização de bens públicos que não deveriam estar nas mãos de burocratas inoperantes e corruptos não deixa de ser uma das medidas possíveis para acabar com esse modelo que está aí. Mas, quando falo em privatização, digo a entrega à iniciativa privada da comercialização de produtos ou serviços mediante o pagamento de um preço justo e que permita que todos possam concorrer para a sua aquisição, em condições iguais, sem apadrinhamentos políticos nem a concessão de empréstimos subsidiados, com grave comprometimento das contas públicas. Leonardo Boff é contra tais privatizações. Mas e quanto ao aparelhamento da máquina pública por sindicalistas, militantes, políticos desonestos e incompetentes, que sugam do patrimônio estatal o que puderem, na expectativa de que impostos arrecadados no povo o recomporão? Está tudo bem, senhor articulista? É muito cinismo! 5. A crise econômica da Europa é a derrocada da socialdemocracia. Diferentemente do que diz Leonardo Boff, foi a imposição da “realpolitik”, colocando em cheque o paraíso terrestre que o socialismo passou o século XX inteiro prometendo à custa de emissão de moeda sem lastro, irresponsabilidades orçamentárias crônicas, empobrecimento da classe produtora com vistas à obtenção de uma igualdade material inexequível. Se o receituário de Paul Krugman fosse executado por países como Alemanha, Inglaterra e outros, com o abandono da austeridade fiscal em favor de um maior comprometimento das contas públicas, a Europa já teria, toda ela, ido para o buraco. É concebível que gerações inteiras de europeus simplesmente não trabalhem, vivendo às custas do Estado? É um delírio; um delírio keynesiano que, se tornado real, custará a saúde financeira de nações inteiras, com mais sofrimento para os seus respectivos nacionais. 6. A conclamação que Leonardo Boff faz ao fim de seu artigo, no sentido de que as “demonstrações devem continuar na rua contra as tramóias da direita” não deixa de configurar um grande silêncio quanto aos atos de violência praticados por muitos dos integrantes das manifestações públicas. Uma violência que tem vitimado bens e pessoas, nomeadamente aquelas encarregadas de manter a segurança e a paz sociais (policiais, guardas municipais, vigilantes privados etc.). O que ele pensa sobre isso? Deve aprovar, do contrário teria sobre ele tecido alguma consideração. 7. Mas, o que há de melhor, de fato, está no final do texto ora em análise. Precisamente quando Leonardo Boff transcreve as impressões do analista político Jeferson Miolo na Carta Maior (07/07/2013). Segundo este último, seria interessante “instalar em todas as cidades do país aulas públicas, espaços de deliberação pública e de participação direta para construir com o povo propostas sobre a realidade nacional, o plebiscito, o sistema político, a taxação das grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, a pluralidade dos meios de comunicação, aborto, união homoafetiva, sustentabilidade social, ambiental e cultural, reforma urbana, reforma republicana do Estado e tantas outras demandas históricas do povo brasileiro, para assim apoiar e influir nas políticas do governo Dilma”. Tem certeza disso, senhor Boff? Tem certeza que a esquerda aceitaria consultar a população sobre união homoafetiva, carga tributária, aborto? Ah! Faça-me o favor! Mas são vocês mesmos que dizem que a classe média é “uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante” (Marilena Chauí). Como vocês confiariam matérias à deliberação popular quando sabem, de logo, que a imensa maioria da população a desaprovaria? Bem, o texto do Leonardo Boff não se sustenta. Falta-lhe algo de que carece esquerdistas em geral: um senso de realidade, que, no caso, fica embaçado, primeiro, pela necessidade de manter-se no poder a qualquer custo; segundo, no arvorar-se, a esquerda, em detentora da verdade política, e na função de criadora de utopias, as quais, em geral, descambaram nas distopias do século passado. Quanto à manutenção da Dilma, creio que já lhe estejam servindo café frio e água quente.
Posted on: Sat, 13 Jul 2013 22:19:41 +0000

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