MEMÓRIAS DE UM VIAJANTE Trecho 2: Salgueiro (PE) - Feira de - TopicsExpress



          

MEMÓRIAS DE UM VIAJANTE Trecho 2: Salgueiro (PE) - Feira de Santana (BA) A chuva me persegue. Na saída de Salgueiro, tempo nublado, chuvinha fina. Sereno, para o cearense; garoa, para o paulistano. Mas é por pouco tempo. Ainda com céu encoberto, o sol dá as caras. E a viagem até Petrolina segue com pista limpa, sem chuva alguma. Nas margens da rodovia, o solo arenoso do semiárido. Mandacarus abriam seus braços, dando me as boas-vindas. Só quem é do Nordeste sabe a simbologia de um mandacaru. Mais um grande cactus, é fundamental para a alimentação dos animais da caatinga. Mas animais não há à minha vista. Apenas os mandacarus, folhagens secas e muita secura. Até vejo animais, sim. Tombados, na beira da estrada, mortos. É dramática a situação do semiárido nordestino. O retirante que se vai, no solavanco do pau-de-arara, pensa nisso quando vê sua terra amada cada vez mais distante. Na sua imaginação, a fome e a sede passam distante do "Sul Maravilha", terra da fartura e da bonança. Sendo assim, vale todo o sacrifício da viagem cansativa pela estrada poeirenta, deixar a família, os amigos e o torrão natal para trás, para tentar mudar o curso de sua história. Em Orocó, já em terras pernambucanas, vê-se ao longe o Rio São Francisco. Hoje, há obras para a sua transposição. Criticadas por uns, elogiadas por outros. Na época da maior incidência da fuga em massa de nordestinos para o Sudeste, tudo o que há contra a seca são açudes e barragens, muitas vezes distantes léguas e léguas de sua casa. Às vezes, nem açudes, nem barragens, mas riachos barrentos. Em vários pontos do trajeto nordestino, vejo carros-pipa. Convênio com o Exército Brasileiro. Para muitos sertanejos de hoje, é uma das poucas esperanças de sobrevivência, na falta das chuvas, ao lado do Bolsa-Família. Chego em Petrolina, cidade grande do Vale do São Francisco. Almoço em shopping center, vejo aeroporto, avenidas largas, semáforos, sistema de transporte coletivo, orla bem estruturada. Para a cabeça do sertanejo retirante, entretanto, nada disso ocupa a sua vista. Tudo o que ele imagina é a grandiosidade de São Paulo - se a cidade é grande, deve ter muito emprego, pensa. Mudamos de Estado. Entramos na Bahia. A chuva aperta. Praticamente a viagem inteira. Entrando pela noite, a visibilidade se reduz. O perigo aumenta. Por um instante, volto a imaginar como seria se fosse o pau-de-arara, e a imagem que me vem é a do acidente cujos resquícios estavam à vista de todos logo depois de Juazeiro. Três caminhões bastante estragados. Nenhuma vítima, segundo a polícia. Isso porque levavam apenas cargas. Fosse o pau-de-arara dos retirantes, a sorte certamente teria sido bem diferente...
Posted on: Mon, 15 Jul 2013 10:30:01 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015