Meus encontros com o Tatata Pimentel sempre se transformavam em - TopicsExpress



          

Meus encontros com o Tatata Pimentel sempre se transformavam em pequenos eventos. Quando o acaso tratava de nos aproximar, logo se iniciavam alguns minutos de boa conversa, risadas, ironias, um tanto de sarcasmo e elogios. Ficamos próximos na primeira metade dos anos 2000, quando o entrevistei em um programa de televisão que eu comandava. Desde então, ele bradava: “Tu tens que ir para o Café TVCOM comigo!”. Claro, nunca levei isso a sério, mas me divertia com a exortação que o personagem de cabelo descolorido fazia a cada conversa. Falávamos de livros, ideias e autores. Foi por isso que fiquei inquieto ao saber que parte da biblioteca dele estava à venda. Ontem fui ao Theatro São Pedro comprar ingressos para a ópera “Fidelio”, mas não restava mais nada. Encontrava-me a poucos passos do sebo que adquiriu os livros do Tatata e para lá me dirigi. No primeiro ambiente da loja já havia alguma coisa, basicamente obras em francês. Fui até a estante de crítica literária. Suspeitei que os volumes empilhados no chão ou deitados sobre os livros enfileirados nas estantes pudessem ser dele. E eram. Quando Guilhermino César morreu, em 1993, publiquei na Zero Hora um artigo sobre a vida e a obra desse escritor, ensaísta e professor da UFRGS. Antonio Candido é um dos principais nomes da crítica literária no Brasil. E sobre o Tatata, já falei de minha ligação com ele. Cito esta trinca de nomes para que entendam o que se passou no sebo situado na rua que antigamente se chamava Ladeira. Peguei a obra “Literatura e sociedade”, de Candido, edição de 1965. Abri e, na primeira folha, estava colada uma carta datilografada em 1962 que ele havia enviado para Guilhermino. Ao final, em tinta azul, “Abraço cordial do Antonio Candido”. Escondidos pela missiva, que está grudada apenas no topo e na margem esquerda, a assinatura e o carimbo de Roberto Valfredo Bicca Pimentel. O Tatata. Digam o que quiserem, pensem o que quiserem, chamem de bobagem, mas me arrebato com episódios como esse. Este livro precisava ser meu! Posse mesmo, ego, desejo, necessidade, pulsão, vontade súbita de deixar a obra em cárcere privado na minha casa. Aprisionei o Candido-Guilhermino-Tatata embaixo do braço e percorri o restante da loja tomada por estantes assustadoramente altas. Cansado, mãos sujas, pernas doloridas de tanto agachar e espirros difíceis de domar, mas mesmo assim percebi três pilhas que ainda não havia vasculhado. Agachei uma derradeira vez. Ainda bem. Na adolescência, quando eu queria viver de livros, ler livros, escrever livros, cheirar livros, li muitos títulos do Josué Guimarães e do Moacyr Scliar. O Josué morreu em 1986. Com o tempo, me desinteressei pelo Scliar. Ambos, no entanto, estão gravados em minha memória. E no meio da pilha, encontrei “Depois do último trem”, “Enquanto a noite não chega” e “Dona Anja”, todos do Josué, além de “Mês de cães danados”, do Scliar. Todos autografados para o Tatata. Por causa de “Dona Anja”, fiquei em recuperação pela primeira vez na escola. Em 29 de setembro de 1985, conforme registrei nas primeiras folhas, eu deveria estudar para uma prova de física que haveria no dia seguinte, uma segunda-feira. Acordei e comecei a ler o romance de Josué. Terminei ao final do dia. E tirei zero na prova, claro. Outro nome que marcou minha adolescência devotada aos livros foi o escritor e livreiro Arnaldo Campos, que generosamente aturava meu papinho quando eu ia visitá-lo na livraria Porto do Livro, localizada no campus central da UFRGS, ou na banca de livros que ele mantinha no Brique da Redenção. Sua novela “Réquiem para um burocrata” também estava na pilha, também autografada para o Tatata. Saí do sebo carregando duas sacolas de livros. Além dos que já citei, alguns Raymond Chandler, um Dashiell Hammett e outros. Precisei me defender da chuva, mas o que mais pesou foi a melancolia. O que acontecerá com meus livros quando eu morrer? Talvez o ideal seja resolver isso enquanto vida houver. Ou não, deixar que os sobreviventes decidam o que fazer com meu espólio. De momento, apenas uma certeza: parte do acervo do Tatata se incorpora ao meu. E isso me deixa feliz.
Posted on: Sat, 10 Aug 2013 21:14:32 +0000

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