Morte electrónica. A revolução que vai pôr a estatística ao - TopicsExpress



          

Morte electrónica. A revolução que vai pôr a estatística ao serviço da prevenção Em 10 meses, Portugal apanhou os EUA, que começaram a pensar em certificados de óbitos electrónicos há 20 anos. Perito americano esteve em Lisboa a conhecer o sistema nacional No piso 8 da Direcção-Geral de Saúde (DGS), em Lisboa, Robert Anderson partilha com os especialistas portugueses a saga que tem sido implementar os certificados de óbito electrónicos nos EUA. Num Estado, conta, foi preciso esperar dois anos para alterar uma lei que obrigava os médicos a assinar o documento a tinta azul, algo que tornava impossível o sistema. Noutros, a decisão dos governos locais passou por adjudicar o software pelo critério do preço mais baixo, para depois verificarem que o resultado eram falhas atrás de falhas, entre elas, a impossibilidade de exportar os dados para Washington, quando um dos objectivos da iniciativa passa por produzir estatísticas mais úteis sobre as causas de morte na população. É dia de trabalho e os técnicos da DGS e das administrações regionais de saúde vieram de todo o continente e ilhas para ouvir a experiência e trocar ideias com o guru das estatísticas da mortalidade. De um lado, estão os especialistas portugueses que há dez meses estão a implementar gradualmente o SICO - Sistema de Informação dos Certificados de Óbito; do outro, Robert Anderson, responsável pelo departamento dedicado à causa no Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA, o organismo que centraliza a informação e tem por missão manter-se a par da saúde dos 308 milhões de habitantes do país. Os EUA começaram a pensar as potencialidades dos certificados de óbito electrónicos há 20 anos. Ainda a internet era uma promessa, o que foi outro problema quando se quis acabar com o papel num processo com tantos intervenientes em que até o email era uma raridade. Mesmo hoje, a infoexclusão ainda justifica atrasos: "Na Califórnia dir-vos-ão que já são 100% electrónicos, mas têm médicos a enviar e a conferir os certificados por fax, que depois os técnicos têm de introduzir à mão." "O balanço é positivo, embora não seja ainda o ideal", admite Anderson, que veio a Portugal de propósito para conhecer o SICO. "São 57 Estados com autonomia, damos formação, fornecemos orientações, as pessoas estão interessadas, mas demora tempo." Assim, e depois de nos últimos cinco anos terem investido para que a desmaterialização fosse uma realidade, têm sete Estados onde quase todos os certificados são electrónicos e já está implementado um sistema que codifica automaticamente as causas de morte, permitindo análises estatísticas com um desfasamento de três semanas (a meta é que seja uma). No passado era, no mínimo, de um a dois anos. Portugal ter quase conseguido apanhar o passo aos Estado Unidos em menos de um ano é um "feito impressionante", reconhece o especialista. O balanço nacional é feito ao i por Cátia Sousa Pinto, chefe de divisão de epidemiologia da DGS e responsável pelo SICO: desde o lançamento do projecto-piloto em Coimbra, em Novembro de 2012, o sistema cobre hoje 50% das mortes no país - indicador semelhante ao dos EUA, se olhados de forma global. "É país mais pequeno, com um sistema de saúde centralizado e a maioria dos médicos a trabalhar para o Estado", justifica Anderson. Mas há outras razões, entre elas a base legal: em planeamento desde 2007, e depois de ter estado prometido para 2009, o SICO foi legislado em Março do ano passado e só depois ganhou forma. Nos EUA, o processo foi um desafio lançado por Washington, mas só dois Estados tornaram obrigatória a adesão aos certificados electrónicos, sem sanções caso não o façam. "Sem sanção não é lei", brinca na reunião o director-geral da Saúde, Francisco George, para quem o que está em causa é uma revolução na vigilância e prevenção de saúde, conseguindo-se dados mais refinados sobre causas de morte, o peso e o tipo de mortes prematuras e mais informação para estratégias de prevenção. "Podemos admitir que, quando tivermos os primeiros dados de um ano, a hierarquia das causas de morte em Portugal pode sofrer alterações face ao que pensamos hoje." Não há data certa para começar a análise, mas os dados de 2014 já deverão permitir notar diferenças. O SNS termina a adesão ao sistema em Novembro e hoje, por exemplo, chega ao Faial e à Terceira, nos Açores. A partir de 1 de Janeiro de 2014 o SICO passa a ser obrigatório em todo o território, portanto também para médicos particulares. Como o alargamento tem sido gradual, neste momento há apenas 16 mil mortes registadas no sistema quando este ano, tendo em conta as estatísticas habituais, já terão morrido mais de 60 mil pessoas. Um efeito prático tem já de imediato: os óbitos declarados no SICO foram imediatamente reportados ao Registo Nacional de Utentes, pondo-se fim a décadas em que as listas de utentes incluíam mortos, razão burocrática para alguns utentes não terem médico de família. "É sem dúvida uma revolução. Trata-se de pôr a estatística ao serviço da vigilância", diz Anderson, que nesse sentido encontrou no sistema português uma componente que faz falta aos que estão implementados nos EUA: permite anexar relatórios forenses, psicológicos ou autópsias, essenciais para prevenir mortes evitáveis (ver ao lado). Outra surpresa foi o preço que, nos EUA, tem sido invocado por alguns Estados que querem deixar de ter este trabalho. Cada sistema do outro lado do Atlântico custou mais de um milhão de dólares. O desenvolvimento do SICO, pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e com apoio de uma empresa rondou 100 mil euros, revelou ao i a responsável por esta área da SPMS. Embora tenham antevisto o potencial há mais tempo, o especialista admite que têm todos a aprender neste intercâmbio. Aos portugueses, deixa o conselho: não devem ser os profissionais a inserir as causas de morte para que, na azáfama do dia-a-dia, não tendam a enfiar variáveis que seria importante conhecer num saco genérico. "Desenvolvemos um dicionário que converte mais de 80 mil termos médicos em referências, que só depois são codificadas para a Classificação Internacional de Doenças." A novidade gera curiosidade entre os portugueses, ainda a estudar a melhor forma de lidar com a informação, sendo que o trabalho de codificação será feito na DGS. Em termos de aproveitamento dos dados estatísticos, só há um ano os EUA lançaram o primeiro projecto que visa descobrir em que zonas do país e em que tipo de patologias há mais mortes evitáveis com uma melhor cobertura de vacinação. Por cá, e por agora, a novidade é do foro prático. "Estamos a receber os certificados de óbito em tempo real. Antes chegavam em caixas e até aqui um a um, por pdf. Percebe-se que a análise demorasse mais tempo e que fosse um processo por vezes com poucos resultados visíveis", diz Cátia Sousa Pinto. "Quando começarmos a analisar não tenho dúvidas de que vamos conseguir fazer vigilância a outro nível", remata. Prevenir suicídios e overdoses Espera-se que a partir do próximo ano, o SICO possa responder a uma das principais reivindicações dos especialistas em saúde mental. Conhecer causas indeterminadas de morte. Com a centralização de dados e possibilidade de mais informação além dos certificados de óbito, os médicos esperam ser possível corrigir as actuais estatísticas de suicídio. Anderson contou ao i que nos EUA a maior preocupação neste momento está no aumento das mortes por overdose acidental com medicamentos. “Dar-nos-ia jeito ter um sistema parecido com o vosso pois muitas vezes não conseguimos saber quais foram os medicamentos envolvidos e seria útil anexar resultados de exames toxicológicos. Poderíamos ter campanhas de prevenção mais direccionadas”, explicou o especialista americano.
Posted on: Mon, 16 Sep 2013 14:12:14 +0000

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